Na última quinta (18), Jair Bolsonaro disse que quer mexer na Ancine, porque não pode admitir que façam filmes como “Bruna Surfistinha” (sic).
Eu fiz o roteiro de “Bruna Surfistinha” e fui premiada pela Academia Brasileira de Cinema por este trabalho, que atraiu 2,2 milhões de espectadores, gerando uma renda de R$ 20 milhões, além de outros R$ 10 milhões em impostos, diretos e indiretos.
Sem glamorizar nem estigmatizar a prostituição, trata-se de um dos grandes “cases de sucesso” artístico e comercial de nossa indústria.
Para o deputado Bolsonaro, não havia problema em usar o dinheiro do auxílio-moradia para “comer gente”. Já para o presidente Bolsonaro, o problema do país não são os 13 milhões de desempregados nem os supostos laranjas próximos de sua família; são mulheres que fazem sexo serem representadas no cinema.
A história de Bruna Surfistinha é o pânico de homens como Bolsonaro. Não por ser a história de uma garota de programa, mas porque é a narrativa da liberação de um corpo feminino.
Bruna Surfistinha se tornou a garota de programa mais desejada de São Paulo no início dos anos 2000. Qual a mágica? Dar nota aos clientes em seu blog.
Nessa operação, a um só tempo, ela sai da condição de corpo-objeto que deve servir aos homens para a de objetificar os próprios homens. É uma profunda ruptura na lógica do patriarcado. E é precisamente isso que Bolsonaro chamou de ativismo.
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Desde o início do movimento das mulheres, as ativistas e teóricas feministas viram no corpo feminino uma chave para compreender as raízes do domínio masculino patriarcal e da construção da identidade social feminina como sendo de segunda classe.
No livro “Calibã e a Bruxa”, a historiadora Silvia Federici “mostra que, na sociedade capitalista, o corpo é para as mulheres o que a fábrica é para os homens trabalhadores assalariados: o principal terreno de sua exploração e resistência”.
A resistência privada de Bruna Surfistinha, ao ganhar a tela do cinema, torna-se um exemplo de empoderamento, capaz de inspirar outras mulheres.
Bolsonaro não é o único a temer a liberação feminina. Um dos eixos da crise da democracia liberal é exatamente este. O avanço da ultradireita mundial também é uma reação à nossa emancipação galopante, fruto da quarta onda feminista que arrebatou corações e mentes.
Para homens como Bolsonaro, é preciso sufocar essa onda, acabar com este tipo de filme “ativista” para destruir este tipo de mulher “perigosa”. E, para esse objetivo, a violência não tem limites.
O uso de armas de fogo no assassinato de mulheres dentro de residências em que havia posse de armas subiu 29,8%, nos últimos dez anos, segundo o Atlas da Violência 2019. Qual a política pública bolsonarista para combater essa tragédia? Facilitar o porte de armas. Sete em cada dez (70%) brasileiros adultos rejeitam esse projeto do presidente Jair Bolsonaro —entre as mulheres o índice sobe para 78%, segundo o Datafolha.
A altíssima rejeição não impacta, o presidente toca reto. Fanatismo acima de tudo, lucro da indústria de armas acima de todos.
A grande ameaça que a liberdade das mulheres oferece aos fanáticos é a igualdade. A mulher liberada não é antifamília. Muitas vezes, ela é mãe e chefe de família. Só não aceita ser tratada como menor, como objeto.
O que o presidente ignora é isto: no novo normal, só tem lugar para dois tipos de homem, em desconstrução ou em decomposição. Bolsonaro não vai durar muito.
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