Em São Paulo, investigações da Controladoria flagraram irregularidades e prejuízo milionário no serviço
A prática ritual de enterrar os mortos representa para a antropologia uma das marcas mais humanas da vida em sociedade. Organizar o empreendimento numa metrópole de mais de 12 milhões de almas, como São Paulo, constitui tarefa que, nas mãos da prefeitura, dá margem a desvios e achaques.
Esta Folha teve acesso a cinco relatórios de investigação produzidos pela Controladoria Geral do Município (CGM). Do panorama aí traçado emerge uma coleção de desperdícios milionários e de descaso com despojos que um grau mínimo de civilização manda tratar com reverência e dignidade.
Não foi o que se viu em 6 dos 22 cemitérios inspecionados. Após exumação, sacos plásticos contendo ossos jaziam aos montes sem identificação adequada. Em lugar de etiquetas, marcas displicentes deixadas sobre o invólucro.
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Além do prejuízo moral ao cidadão defunto e a seus entes queridos, o serviço impõe danos frequentes ao contribuinte. A CGM encontrou, por exemplo, tomadas de preços de urnas funerárias com menos de três fornecedores, como manda a norma.
Um contrato de R$ 24 milhões para locação de quatro dezenas de veículos de traslado incluía três modelos luxuosos que impuseram gastos de R$ 1,3 milhão aos cofres municipais em 2017 e 2018. A falta de demanda reduziu a frota ostentatória para uma única limusine, que acabou utilizada somente cinco vezes por mês.
Pior, o serviço contratado de terceiros abarcava o fornecimento de motoristas, quando a administração municipal tem servidores concursados para tal função. Sem essa mão de obra, o custo se reduziria em cerca de R$ 17 milhões.
A solução recomendada pela gestão tucana é a privatização do serviço. Não deve restar dúvida de que a concessão dos 22 cemitérios públicos à iniciativa privada tem potencial para aperfeiçoar a operação —além de carrear valor estimado em quase R$ 1 bilhão para o combalido erário municipal.
Antes, porém, o alcaide Bruno Covas terá de desfazer o nó político atado na Câmara Municipal, como a resistência do PRB a perder influência no setor. Nesse quadro fúnebre, se a desestatização não estipular controles rígidos sobre a ação dos concessionários, a população corre o risco de continuar a sofrer duplamente quando lhe cabe enterrar seus mortos.
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