Edison Veiga, especial para o Estado
31 de julho de 2019 | 11h56
A 200 metros de sua casa, no bairro do Brooklin, o professor, historiador e arquiteto Benedito Lima de Toledo mantinha um escritório com vasto e impressionante acervo: 40 mil fotos, 25 mil slides e 6,5 mil livros - dentre eles, muitas raridades -, sobretudo sobre a cidade de São Paulo, sua grande paixão.
Essa coleção foi resultado de suas peregrinações e pesquisas ao longo de mais de 50 anos de carreira. Toledo gastava, em iguais medidas, o giz e a sola dos sapatos. Muitas vezes, o professor trocava a sala de aula pelas pesquisas de campo - e, câmera em punho, fotografava como poucos. Oito anos atrás, em conversa com este repórter, revelou que - esperava que muito tempo depois - já havia definido o herdeiro para o material: a instituição onde ele se formou, em 1961, e na qual ele dedicou seu magistério, a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP).
“O ideal de um professor é difundir o conhecimento. Quero que esse material fique disponível para os pesquisadores das gerações futuras, porque assim continuarei contribuindo para difundir o conhecimento”, afirmou Toledo. Na madrugada desta quarta-feira, 31, aos 85 anos, o historiador morreu, após período de internação no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Seu sepultamento está marcado para as 16 horas, no cemitério Gethsemani. Ele deixa a mulher, a bibliotecária Suzana Aléssio de Toledo, de 78 anos.
O casal se conheceu na Faculdade de Arquitetura. Sempre bem humorado, dono de um característico e elegante bigode aparado regularmente, Toledo costumava brincar que havia se apaixonado por Suzana porque não conseguia organizar seus livros sozinho. Fato é que se completavam no rigor, ambos acadêmicos, ambos dedicados a pesquisas.
Benedito Lima de Toledo, uma referência na história paulistana
Didatismo para compreender a cidade
Para acadêmicos e, sobretudo, para jornalistas que precisam compreender a evolução histórica e urbanística de São Paulo, Toledo - ou simplesmente, o “professor”, maneira mais comum de tratá-lo - foi paciente e cuidadoso entrevistado e, principalmente, uma profunda fonte de informações. Autor de 12 livros, entre os quais Anhangabahú, Álbum Iconográfico da Avenida Paulista e São Paulo: Três Cidades em um Século, o arquiteto foi quem melhor compreendeu e explicou as transformações paulistanas desde a chegada dos jesuítas ao Pátio do Colégio.
Tornou-se uma verdade unânime sua definição para a cidade, na qual ele explicava as camadas sobrepostas que tornam São Paulo tão única e interessante. “A cidade de São Paulo é um palimpsesto - um imenso pergaminho cuja escrita é raspada de tempos em tempos, para receber outra nova”, escreveu Toledo. Assim ele explicava como a capital paulista, ao crescer, se modifica de tal forma e a uma velocidade tão grande que, de uma geração a outra, os jovens não conhecem arquitetonicamente a cidade onde viveram seus antepassados, mesmo os mais recentes. “São Paulo é assim porque aqui não se constrói para os lados, mas sim em cima e tal”, dizia ele, simplificando aos leigos sua própria tese.
Benedito Lima de Toledo foi bolsista na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, em 1968. Especializou-se em Restauro e Conservação de Monumentos Arquitetônicos na Universidade de São Paulo, em 1974, e na École Nationale des Ponts et Chaussées, em Paris, em 1983. Era doutor pela USP. Ocupava a cadeira 39 da Academia Paulista de Letras.
O Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil publicou texto lamentando a morte do arquiteto e lembrando passagens de sua vida. “Partiu de Benedito Lima de Toledo a ideia de realização de um concurso público para a revitalização do Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo, na década de 80”, registrou o órgão. “Na época, a Prefeitura apresentara projetos polêmicos para a remodelação da área e o arquiteto, em campanha que contou com a ajuda do jornalista Júlio Moreno, do Jornal da Tarde, acabou por dobrar a resistência para mudança de planos do prefeito Reinaldo de Barros e assessores. O concurso foi organizado pelo IAB/SP, saindo-se vencedora a proposta dos arquitetos e urbanistas Jorge Wilheim e Rosa Grena Kliass que transformou o vale em um bulevar de 43 mil metros quadrados, com o tráfego de automóveis ficando abaixo e recriando a área verde entre os viadutos do Chá e Santa Ifigênia.”
O Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo também divulgou nota de pesar. “Professor aposentado de História da Arquitetura e do Urbanismo, foi premiado por diversos trabalhos e é referencia na área de preservação do patrimônio histórico e artístico”, escreveu o órgão, parte da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.
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