Thiago de Jesus morreu após esperar ambulância e ser recusado por Uber durante o serviço em SP
SÃO PAULO
Negar a existência de relação empregatícia não exime as empresas que operam por aplicativos de sanções quando seus prestadores de serviço passam por algum risco durante o trabalho.
Essa é a principal conclusão de um parecer do Procon-SP (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor) sobre as circunstâncias envolvidas na morte do entregador do Rappi, Thiago de Jesus Dias, 33, em São Paulo.
O órgão, sob a gestão do governador João Doria (PSDB), pediu esclarecimentos do Rappi e da Uber, as duas empresas envolvidas no caso.
O Rappi, aplicativo de compras e entregas, é suspeito de não garantir condições mínimas de segurança a seus entregadores. Dias prestava serviços à empresa havia quase dois anos e, segundo familiares, enfrentava jornada de até 12 horas de trabalho.
Já a Uber, que transporta passageiros, acabou envolvida porque um de seus motoristas se negou a levar Dias ao hospital.
Após receber explicações das empresas, o Procon abriu um procedimento administrativo com até 30 dias de prazo para apurar a participação de cada uma delas no episódio. O Rappi e a Uber poderão pagar desde multa ou até ter suas operações interditadas temporariamente (sanção máxima) caso a investigação comprove o envolvimento concreto delas na morte do entregador.
Em paralelo, a Polícia Civil de São Paulo abriu inquérito que apura omissão de socorro contra o entregador.
Dias morreu por complicações de um AVC (acidente vascular cerebral) dois dias após passar mal durante a entrega de uma garrafa de vinho para quatro pessoas, na noite do dia 6 deste mês, em Perdizes (zona oeste).
Todos os serviços públicos (Corpo de Bombeiros, Samu e até a Polícia Militar) responsáveis por agilizar ou prestar os primeiros socorros à vítima foram acionados, mas nenhum deles apareceu no local. A família do entregador anunciou que vai processá-los na Justiça.
Quando Dias ainda agonizava na calçada, o Rappi foi comunicado sobre a piora de seu estado de saúde. A advogada Ana Luísa Ferreira Pinto, uma das pessoas que o socorria, recebeu a seguinte orientação da empresa. “O Rappi pediu que déssemos baixa no pedido para que eles conseguissem avisar os próximos clientes que não receberiam seus produtos no horário previsto”, disse ela na ocasião.
Para embasar seu parecer, a diretoria de Atendimento e Orientação ao Consumidor, do Procon, buscou saber do Rappi o funcionamento de seu serviço de entregas e as medidas que a empresa vai adotar para que nenhum outro caso, como o de Thiago Dias, volte a acontecer.
No documento elaborado pelo Procon no qual a Folha teve acesso, o Rappi disse que “não contrata os entregadores parceiros. Muito pelo contrário, são os entregadores parceiros que contratam o Rappi para, por meio de plataforma tecnológica disponibilizada, entrar em contato com os usuários e angariar clientes para a sua atividade comercial de motofrentistas”.
A empresa ressaltou ainda que “não havendo relação de emprego, não se aplicam conceitos como a realização de processo seletivo, exame admissional ou jornada de trabalho”. Segundo o Rappi, não há nenhuma determinação vertical das entregas.
Para Fernando Capez, diretor-executivo do Procon, independentemente da inexistência de relação empregatícia, o Rappi é responsável pela maneira como as suas entregas são feitas ao consumidor.
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“Existe uma relação de solidariedade em toda a cadeia de fornecimento. A empresa é sim a responsável pelo serviço prestado. Quando você coloca um entregador de delivery arriscando a própria vida com carga de trabalho elevada e dirigindo em alta velocidade para fazer o maior número de entregas, você [empresa] é responsável por tudo o que acontece”, disse Capez.
O que mais pesa contra o Rappi, disse Capez, é o fato de o aplicativo não ter prestado socorro ao entregador no momento em que soube que ele passava mal. Segundo a diarista Daiane de Jesus Dias, irmã de Thiago, a empresa entrou em contato com a família dois dias após a morte do entregador para saber apenas se ele havia sido enterrado de forma digna.
O Rappi reiterou ao Procon que desenvolve um botão de alerta que será adicionado ao aplicativo para auxiliar o entregador parceiro na comunicação de qualquer situação de urgência ou emergência às autoridades competentes.
Já a Uber afirmou que seus motoristas parceiros não prestam serviços ao aplicativo, mas aos usuários da plataforma. “A relação é exclusivamente comercial, pela qual o motorista parceiro é o contratante da Uber para a utilização de sua plataforma tecnológica”.
Destacou que os seus motoristas não são profissionais de saúde capacitados para avaliar o estado de saúde das vítimas e não dominam os protocolos médicos para cada caso. A empresa ressaltou ainda que os veículos “utilizados no transporte via aplicativo também não são adaptados para substituir ambulâncias”.
Disse também que só poderia repassar a identificação do motorista que negou levar Dias ao hospital só por meio de ordem judicial. A Uber não informou se desligou o profissional de seu portfólio.
A secretaria de Saúde, sob a gestão do prefeito Bruno Covas e a responsável pela administração do Samu, informou que abriu uma investigação interna para apurar indícios de negligência cometidos pelo serviço de resgate. O Samu tem a obrigação legal de atender pessoas com complicações clínicas.
Os bombeiros e a Polícia Militar já disseram que não receberam nenhum pedido de resgate para o entregador do Rappi. O Corpo de Bombeiros informou que estão sob sua responsabilidade os casos que envolvem traumas e acidentes.
Já a Polícia Militar, quando acionada, isola a área e aciona o atendimento mais apropriado.
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