Estranhos são os tempos quando temos de torcer por um estelionato eleitoral. Simplesmente não há outra opção.
Se Bolsonaro cumprir suas (poucas) promessas de campanha, o destino do Brasil não vai ser diferente do das Filipinas, onde Rodrigo Duterte assumiu com um discurso de bala e bíblia similar ao da extrema direita brasileira.
Duterte, diferentemente de Bolsonaro, assumiu a Presidência com uma economia aquecida, crescendo a 6,5% ao ano. A sua má gestão da economia ainda não afetou o PIB, mas já jogou a inflação para cima da meta.
Sua única política decente, uma tímida reforma fiscal, foi contrabalançada por um descontrole de gastos públicos.
No combate ao crime, Duterte levou a cabo suas promessas. Sob seu governo, o foco na segurança sem real plano adequado para isso trouxe dois resultados: o número de crimes diminuiu no agregado (9%), mas os assassinatos explodiram (mais de 22%, a maioria por policiais e milícias).
Combater o crime requer inteligência, algo em falta na cúpula do nosso novo governo. Sem isso, o mandato de combater o crime a todo custo vai levar ao que aconteceu nas Filipinas: disparo no número de assassinatos, com redução do crime pelo patrulhamento ostensivo e táticas de medo que não são sustentáveis no longo prazo.
Seguir políticas tresloucadas similares aos de um país com renda média de um quarto da brasileira não parece ser a solução para os problemas de violência em Terra Papagalis.
A única esperança que temos é que o novo presidente cometa um estelionato eleitoral e ignore as promessas de campanha. Isso é relativamente comum no Brasil.
Lula assumiu o governo, em 2003, com desemprego e inflação nos dois dígitos. Fez campanha prometendo empregos a qualquer custo. Entregou a manutenção do tripé macroeconômico para limitar aumento de preços, foi acusado de estelionatário por uma ala do partido e dessa briga surgiu o PSOL.
Dilma buscou a reeleição prometendo continuar as estultices da Nova Matriz Econômica, mas assumiu e colocou no lugar Joaquim Levy, sinalizando uma saída mais ortodoxa para a crise fiscal.
Normalmente é saudável que um candidato mantenha suas promessas de campanha. No Brasil, contudo, talvez o melhor caminho seja o jeitinho de prometer uma coisa e entregar outra. Caso contrário, não só vamos continuar na dianteira no número de assassinatos no mundo mas vamos acumular mais recordes trágicos.
O caso de Trump também é emblemático. Muitos esperavam que a retórica populista, recheada de promessas atrozes, como a guerra comercial com a China, o combate cego à imigração e a saída do país do acordo com o Irã, fosse ser abandonada após a eleição. Não aconteceu.
Pior, Trump foi além das suas promessas de campanha, chegando a aprisionar e maltratar crianças que teriam entrado ilegalmente no país.
É consenso que a economia americana, como a filipina, vai bem APESAR do presidente. Mas a economia brasileira está em frangalhos, e um presidente que coloque suas energias em liberação de porte de armas e incentivos para que a polícia combata o crime custe o que custar vai nos levar para o abismo mais rápido.
Precisamos de um Bolsonaro desonesto, que cometa em alto e bom som um estelionato eleitoral, abandonando a retórica populista que alimenta o terrorismo do dia a dia e criando soluções de consenso que junte as peças de um país quebrado. Se o novo presidente for somente um cínico pragmático, estaremos no lucro.
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