sexta-feira, 5 de outubro de 2018

PT e Bolsonaro são autoritários, afirma Delfim Netto, FSP

Fernando Canzian
SÃO PAULO
O economista Antonio Delfim Netto, 90, considera "inconsistentes" os programas dos dois candidatos com mais chances de passar ao segundo turno na eleição e diz que eles "se equivalem" pela falta de um projeto que eleve a produtividade e o crescimento.
Delfim diz que tanto Jair Bolsonaro (PSL) quanto o PT de Fernando Haddad têm visões autoritárias. "Em matéria de autoritarismo, eles empatam. É uma coisa dramática."
O ex-ministro da Fazenda e do Planejamento no regime militar (1964-1985) defende que o eleito mantenha parte da equipe técnica que hoje comanda a economia e diz que mais gastos não trarão o crescimento de volta.
"É a mesma coisa do sujeito cabeludo que não sabe nadar e que puxa os próprios cabelos para sair da água. É uma alavanca sem ponto de apoio."
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Antonio Delfim Netto, 90,é economista e professor emérito da Faculdade de Economia, Administração da USP. Foi ministro da Fazenda e do Planejamento na ditadura militar e deputado federal - Eduardo Knapp/Folhapress

Em termos econômicos, o que explica, depois de anos de altos e baixos, mais uma eleição tão polarizada?
Esse é um processo que vem nascendo há algum tempo e é uma resposta a um sistema político que não atendeu às necessidades da sociedade.
Há uma incompreensão grande sobre as limitações físicas que envolvem qualquer sociedade.
As pessoas ignoram o fato de que o desenvolvimento econômico é apenas o aumento da produtividade do trabalho.
Se não aumenta a produtividade, não se tem recursos para fazer nada.
Nos últimos anos, violamos uma regra fundamental: em vez de nos concentrarmos em uma distribuição harmoniosa entre o consumo e o investimento, demos preferência ao consumo. E fomos reduzindo o investimento.
Faz 40 anos que o Brasil cresce menos que o mundo. Cresce a metade.
Esse é o resultado que estamos colhendo, um sentimento de frustração geral.
Em relação à governabilidade e às reformas, temos, de um lado, Bolsonaro e um partido pequeno, o PSL. De outro, Haddad e o PT, que tende a jogar contra mudanças como a da Previdência. Qual o risco?
Tenho um grande respeito pelo Haddad. É um intelectual. Mas não creio que consiga controlar o partido.
O programa do PT neste ano é absolutamente inconsistente. Não é gastando mais que vamos resolver os problemas.
O programa do Bolsonaro também não tem nenhuma consistência. Eu diria que se equivalem.
Os dois teriam alguma condição de encontrar no Congresso o tipo de acomodação para fazer o que precisa ser feito, pois não há nenhuma dúvida de que o problema da Previdência é dramático. Mas, no fundo, o PT nega isso.
Não há como resolver aumentando o gasto do governo em razão da dívida que já temos.
É a mesma coisa do sujeito cabeludo que não sabe nadar e que puxa os próprios cabelos para sair da água. É uma alavanca sem ponto de apoio.
E os programas de cada um?
Não conhecemos de verdade os dois programas. Há uma lista de propostas, mas não sabemos como vão colocar isso em prática.
Eu duvido que o Congresso deixe de aprovar uma reforma da Previdência no início do governo se ela for razoável.
Ninguém pode ignorar que a situação fiscal é muito grave. Muito mais grave do que a maioria pensa.
Eu espero que, haja o que houver, depois haverá alguma solidariedade tribal, pois se trata do Brasil.
O senhor enxerga o PT considerando isso?
A minha convicção é que o PT hoje parasita o Lula, que é um animal político muito maior do que o PT e muito mais democrata que o partido.
O PT é constitucionalmente um partido autoritário, porque defende a ideia de que só ele tem razão.
Em outro sentido, Bolsonaro também não é autoritário?
Em matéria de autoritarismo, eles empatam. É uma coisa dramática.
Como chegamos a esse ponto?
Pela incompetência do centro de apresentar uma solução mais razoável. Não há ninguém no centro que possa se esquivar disso.
Talvez o único sujeito que tinha um programa para atender esse negócio seja o Ciro [Gomes, do PDT], mas ele foi chacinado pelo PT.
Com todas as suas extravagâncias, o Ciro é um sujeito experimentado e com uma ideia de que precisamos de uma mudança muito profunda.
O programa dele tinha problemas, mas apontou na direção certa.
Já o PSDB foi um desastre, com todo o seu comportamento, do início ao fim. Ele está recebendo o prêmio que mereceu.
Como avalia o fracasso dos candidatos de centro que entraram com esse discurso mais racional, pelas reformas, e falharam?
Ainda não conseguimos convencer a sociedade de que existem limites físicos. Esse pessoal do centro nunca se preocupou muito com esse problema.
Mas o governo Temer começou a encaminhar as coisas na direção certa.
Não houve, nos últimos anos, uma equipe tão competente na Fazenda e no Banco Central.
Por uma infelicidade enorme, o Temer teve um problema político insolúvel, a delação da JBS. Mas, se [o candidato vencedor] tiver um mínimo de inteligência, vai aproveitar essa experiência.
A administração fiscal é muito complicada e não há dúvida de que hoje estamos na mão de uma equipe competente, onde muitos são funcionários públicos.
Não tem nada a ver com ideologia.
Eles poderiam perfeitamente ser aproveitados, não na Fazenda, mas no Tesouro, no Banco Central. Não deveríamos jogar fora essa experiência que acumularam nos últimos dois anos.
Temos de compreender que nada estava mais esculhambado do que a contabilidade pública.
As violências cometidas foram brutais, os números todos eram falsos.
E essas pessoas puseram as coisas em ordem.
Fazer ajuste fiscal é escolher perdedores. Como o senhor avalia as chances de o país encaminhar isso?  
A forma de resolver é por meio do crescimento, e isso só ocorrerá com o aumento da produtividade do trabalho.
Não tem nenhuma forma de resolver isso pela via monetária, com o aumento de gastos.
Precisamos aumentar nossa produtividade, mas nenhum dos dois candidatos está preocupado com isso.
É muito difícil fazer um programa para convencer as pessoas de que todos vão ter de dar sua cota de sacrifício.
No caso do Haddad, creio que ele não tenha uma noção clara das restrições orçamentárias.
O que estão exigindo dele é dizer quem vai ser o ministro da Fazenda, mas isso é ilusão. Porque o ministro pode tomar um pé a qualquer tempo.
O senhor foi deputado federal por 20 anos e conviveu com Bolsonaro na Câmara, em Brasília. Ele votou a favor de medidas corporativistas e nunca foi um liberal. O que aconteceu?
Nada. É a conversão mágica. No fundo, é outra inteligência animal.
Ele está onde está porque percebeu muito antes dos outros onde estava o grave problema do Brasil.
A gente só fica inteligente quando o futuro virou passado.
Hoje vemos que ele percebeu isso quatro anos atrás e vem explorando isso sistematicamente, o sentimento do risco que tomou conta de todo o brasileiro.

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