Coordenador do grupo de educação de Bolsonaro defende que o criacionismo seja ensinado nas escolas
Caríssimo general, o senhor é um macaco.
Não, por favor, não me entenda mal: a frase acima não é um insulto. Eu também sou um macaco. Meu filho e minha filha, as coisas que mais amo neste mundo, idem. Nosso Senhor, quando se fez homem por amor a nós, assumiu um plano corporal que é basicamente o de um grande macaco africano, ainda que bípede. (Digo "Nosso Senhor" sem ironia alguma —sou tão cristão quanto os apoiadores do seu candidato.)
Toco no assunto porque, alguns dias atrás, o senhor andou conversando com nosso concorrente sobre seus planos para a educação pública no país. Aliás, gostei da sua proposta de valorizar o professor e fazer com que os alunos o respeitem em sala de aula (sou filho de professora do ensino fundamental, sabe como é).
No entanto, foi difícil evitar certo espasmo de vergonha alheia ao ler estas suas declarações: "Escolas orientadas ideologicamente querem mudar a opinião que a criança traz de casa. Cabe citar o criacionismo, o darwinismo, mas não cabe querer dizer que criacionismo não existe. (...) Houve Darwin? Houve. Não é para concordar, tem de saber que existiu."
Bem, diz o Evangelho que Deus faz cair a chuva imparcialmente sobre os justos e os injustos, mas não diz que o homem que recebe as gotas no nariz pode discordar da existência da dita chuva. Essa continua caindo, independentemente dos desejos do homem.
Assim é com Darwin —aliás, com a teoria da evolução, que avançou a passos largos depois do britânico. O DNA em cada uma das suas células dá testemunho de que o senhor é um grande símio, assim como os fósseis, a anatomia, o comportamento humano.
O que me preocupa, general, é a impressão de que vocês têm certos probleminhas com fatos (conforme sugere a sua relutância de chamar o regime ditatorial de 1964 de, ora bolas, ditadura). Mas fiquemos só na seara evolucionista: um professor que disser aos seus alunos que tanto faz como tanto fez se eles se reconhecem como primatas ou acham que o Universo tem 6.000 anos de idade não está respeitando as crenças da garotada e de seus pais. Está apenas mentindo para eles, o que é bem diferente.
Repare que explicar aos estudantes o porquê de os fatos apoiarem a teoria da evolução está longe de ser doutrinação ateísta.
A ciência, por definição, tem pouco ou nada a dizer acerca da existência de Deus. Mas estudar as evidências da evolução pode ajudar um bocado a entender como se constrói uma teoria com base no estudo cuidadoso e humilde do mundo ao nosso redor.
É o tipo de disciplina mental sem a qual não se criam novas tecnologias, por exemplo —aquelas que hoje fazem a riqueza de um país no longo prazo, e não no ciclo curto e comezinho dos mandatos presidenciais.
General, o senhor e seus companheiros de armas merecem todo o crédito pelo comportamento exemplar que tiveram nos últimos 30 e tantos anos de história brasileira. Acredito firmemente que a imagem do futuro que vocês desejam não é a de um coturno pisoteando um rosto humano para sempre (Orwell, general; se não leu ainda, vale a pena).
Algumas coisas, porém, pisam bem mais fundo que coturnos. Os fatos da natureza, por exemplo (como as mudanças climáticas, aquelas coisas inexistentes que ameaçam tragar as praias de Angra onde seu candidato gosta de pescar em condições duvidosas). Se eu fosse o senhor, não arriscaria levar uma botinada deles.
Reinaldo José Lopes
Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".
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