terça-feira, 23 de outubro de 2018

Privacidade e comunicação em massa é combinação perigosa, fsp

O uso do WhatsApp foi um dos temas centrais das eleições. Se sua relevância política já tinha se evidenciado no referendo para a paz na Colômbia em 2016 e nas eleições presidenciais no México, em julho deste ano, foi nas eleições brasileiras que ganhou centralidade.
Independente de quão decisiva foi a sua contribuição, o WhatsApp ficará marcado por seu papel na provável eleição de Jair Bolsonaro, assim como o Facebook ficou marcado por seu papel na eleição de Donald Trump.
Como o WhatsApp permite a constituição de redes privadas criptografadas, ele se mostrou uma ferramenta muito adequada para campanhas de desinformação, na qual grupos políticos disparam mensagens maliciosas para difusão em massa sob um véu de sigilo.
Isso é possível porque as fortes proteções de privacidade do WhatsApp, criadas para proteger a comunicação interpessoal, estão sendo utilizadas para a difusão em massa. Dessa maneira, é possível difundir mentiras e distorções para milhões de usuários sem que a comunicação possa ser notada por terceiros e, portanto, sem que haja o contraditório e sem que seja possível identificar os autores.
É preciso separar conceitualmente uma ferramenta de mensagens como o WhatsApp de plataformas de mídias sociais como o Facebook.
As mídias sociais se caracterizam por oferecer ao usuário uma conta na qual pode produzir conteúdo e compartilhá-lo com uma rede de contatos. Em contrapartida, o usuário pode ler tudo aquilo que foi publicado pelos contatos que selecionou. Ela tem assim o que o sociólogo Manuel Castells definiu como um formato de comunicação “um-muitos-muitos-um”.
Segundo Castells, as ferramentas de comunicação interpessoal, como os aplicativos de mensagem, tem uma outra forma, “um-um”. Na forma, não são muito diferentes de um telefone.
O WhatsApp, que é originalmente uma ferramenta de comunicação interpessoal, oferece também funções de comunicação de massa, os grupos de conversação.
É justamente essa dimensão de comunicação de massa que está sendo explorada pelas campanhas políticas maliciosas. Elas estão se aproveitando dos dispositivos de privacidade para promover campanhas de desinformação secretas, estimulando reencaminhamentos sucessivos de mensagens sujas entre grupos de conversação interligados.
A privacidade forte implementada pelo WhatsApp deve ser louvada e foi implementada como reação às denúncias de Edward Snowden, quando se descobriu que o governo dos Estados Unidos monitorava conversas de usuários.
Quando aplicado à difusão em massa, porém, aquilo que era virtude se converte em vício.


Pablo Ortellado
Professor do curso de gestão de políticas públicas da USP, é doutor em filosofia.

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