SÃO PAULO e BRASÍLIA
Durante entrevista ao Jornal Nacional, da Rede Globo, nesta segunda-feira (29), Jair Bolsonaro (PSL) voltou a atacar a Folha e afirmou que “por si só, esse jornal se acabou”.
As afirmações de Bolsonaro se deram em resposta a uma pergunta do jornalista William Bonner, apresentador e editor-chefe do Jornal Nacional.
Bonner questionou: “O senhor sempre se declara um defensor da liberdade de imprensa, mas, em determinados momentos, chegou a desejar que um jornal deixasse de existir. Vai continuar defendendo a liberdade de imprensa [enquanto presidente]?”.
“[Sou] totalmente favorável à liberdade de imprensa”, respondeu Bolsonaro, “mas temos a questão da propaganda oficial de governo, que é outra coisa”, completou.
Em seguida, o presidente eleito citou o caso de Walderice dos Santos da Conceição, a Wal, ex-assessora dele na Câmara dos Deputados que vendia açaí e prestava serviços particulares ao deputado federal em Angra dos Reis (RJ), onde ele tem casa de veraneio.
“Aproveito o momento para fazer justiça no Brasil. Tem uma senhora de nome Walderice, uma mulher negra que tinha uma lojinha de açaí. O jornal Folha de S.Paulo foi lá e rotulou de forma injusta como ‘fantasma’. Ela estava de férias. Ações como essa por parte de uma imprensa que comete injustiça e não volta atrás, não posso considerar essa imprensa digna”, disse.
Bolsonaro prosseguiu: “Não quero que [a Folha] acabe. Mas, no que depender de mim, imprensa que se comportar dessa maneira indigna não terá recursos do governo federal”. O presidente eleito, depois, completou: “Por si só esse jornal se acabou”.
Em janeiro deste ano, a Folha revelou que Bolsonaro usava verba da Câmara para pagar Walderice. Ela figurava desde 2003 como funcionária do gabinete do deputado federal, recebendo salário de R$ 1,3 mil ao mês, mas vendia açaí em uma barraca vizinha à casa de veraneio dele em Mambucaba (RJ).
Walderice pediu demissão do gabinete de Bolsonaro após as reportagens da Folha.
Na sequência da entrevista à Globo, Bolsonaro fez nova acusação contra o jornal. “Inclusive teve uma última matéria, onde eu teria contratado empresários para espalhar mentiras sobre o PT. Mais uma ‘fake news’ do jornal Folha de S.Paulo invariavelmente”, afirmou.
O presidente eleito disse que a reportagem da Folha o acusa de ter contratado empresas no exterior, por meio de empresários, para enviar mensagens anti-PT por aplicativo.
Na verdade, a reportagem publicada no dia 18 de outubro afirma que empresários impulsionaram disparos por WhatsApp contra o PT.
O pagamento por empresas de ações que beneficiem a campanha de um candidato é proibido pela lei eleitoral.
Após as afirmações de Bolsonaro, Bonner pediu a palavra e fez um comentário.
"Como editor--chefe do Jornal Nacional, eu tenho um testemunho a fazer. Às vezes, eu mesmo achei que críticas que o jornal Folha de S.Paulo tenha feito ao Jornal Nacional me pareceram injustas. Isso aconteceu algumas vezes. Mas para ser justo do lado de cá, eu preciso dizer que o jornal sempre nos abriu a possibilidade de apresentar a nossa discordância, apresentar os nossos argumentos, aquilo que nós entendíamos ser a verdade."
O jornalista prosseguiu: "A Folha é um jornal sério, um jornal que cumpre um papel importantíssimo na democracia brasileira. É um papel que a imprensa profissional brasileira desempenha e a Folha faz parte desse grupo da imprensa profissional brasileira".
Bolsonaro apenas ouviu e não respondeu nada.
Diferentemente do que Bolsonaro afirmou na entrevista, a Folha não mentiu sobre a funcionária fantasma de seu gabinete. Desde a primeira reportagem, o agora presidente eleito vem dando diferentes e conflitantes versões sobre a assessora para tentar negar —todas elas não são condizentes com a realidade.
Ao Jornal Nacional, Bolsonaro disse que a assessora estava em férias quando o jornal visitou o local pela primeira vez, em janeiro.
A Folha esteve na Vila Histórica de Mambucaba em duas oportunidades. A primeira, em janeiro, durante o recesso parlamentar, quando ouviu de moradores que Walderice não tinha ligação com a política, prestava serviços na casa do parlamentar e tinha como atividade principal a venda de açaí e cupuaçu. Segundo depoimentos colhidos da região, o marido dela, Edenilson, era caseiro de Bolsonaro.
Neste dia, a Folha se encontrou com Bolsonaro, por acaso, no local. Ele deu diversas explicações sobre Walderice, mas em nenhum momento disse que ela estava de férias —como falou meses depois.
Na segunda oportunidade, em 13 agosto, a Folha retornou à vila e comprou das mãos de Walderice um açaí e um cupuaçu, em horário de expediente da Câmara. À reportagem, ela afirmou trabalhar no local todas as tardes.
Minutos depois de a reportagem se identificar e deixar a cidade, ela ligou para a Sucursal da Folha em Brasília afirmando que ia se demitir do cargo.
A secretária figurou desde 2003 como um dos 14 funcionários do gabinete parlamentar de Bolsonaro, em Brasília. Seu último salário, foi, bruto R$ 1.416,33.
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