Otavio Frias Filho, publisher da Folha que morreu há dois meses, era um dedicado apoiador do Knight-Wallace Fellowships, programa de aperfeiçoamento para jornalistas
Marcelo Leite
Este texto foi escrito para publicação na próxima edição do Wallace House Journal, boletim do programa Knight-Wallace Fellowships da Universidade de Michigan.
Como parte do acordo de aperfeiçoamento profissional que a Folhamantém com o programa, passei em 2011 um semestre estudando economia nessa universidade, que fica na cidade de Ann Arbor.
Conhecendo o apreço que Otavio Frias Filho tinha pelo acordo, reforçado por uma visita dele a Ann Arbor em 2012, escrevi esta homenagem, prontamente aceita pela diretora da KWF, Lynette Clemetson.
Neste domingo (21), completam-se dois meses desde a morte de Otavio Frias Filho, em 21 de agosto, em decorrência de um câncer no pâncreas.
Otavio Frias Filho, publisher da Folha de S.Paulo e dedicado apoiador do programa Knight Wallace Fellowships (KWF), era alguém movido pela curiosidade, sempre pronto a aprender algo novo sobre o mundo. Fazia perguntas e fixava seu olhar na pessoa, ansioso por obter respostas esclarecedoras.
Com frequência se desapontava, particularmente com o que lia em seu próprio jornal. Apesar da impaciência com a falta de clareza e de qualidade no jornalismo brasileiro, passou 34 anos como publisher de facto, título que herdaria após a morte de seu pai, Octavio Frias de Oliveira, em 2007.
Otavio foi um autor de teatro prolífico. Seu primeiro trabalho, uma peça neoclássica intitulada “Tutankaton”, nunca foi encenada num palco —em leituras públicas, a audiência não parecia tocada pelas batalhas entre monoteísmo e politeísmo no Egito Antigo. Mais sucesso teve “Rancor”, sobre o choque entre dois críticos literários e as dificuldades que autores têm com seus mentores.
Se o teatro foi a paixão de Otavio, desde os 17 anos, o jornalismo foi seu ofício diário. Com 20 e tantos anos, acatou o pedido do pai para liderar o jornal —missão pesada para um jovem que estudara direito.
Otavio tinha planos para a Folha que iriam exigir grandes mudanças na maneira como repórteres e editores realizavam seu trabalho. Admirador dos valores do jornalismo norte-americano, aspirava a eliminar os vieses ideológicos, a falta de base factual das reportagens e o estilo pobre que infestavam muitas páginas de seu jornal.
Em 1984, introduziu o primeiro “Manual da Redação”, que impunha regras e procedimentos estritos à equipe. Ele se erguia sobre os princípios do pluralismo, do apartidarismo e do espírito crítico. Muitos na Redação rejeitaram as novas diretrizes. Alguns terminaram saindo da Folha. Otavio não se curvou às pressões.
A circulação do jornal disparou, e a Folha ganhou reconhecimento como principal canal para os debates profundos que se seguiram a 21 anos de ditadura militar.
Otavio recrutava gente jovem, bem formada e com talento para escrever. Nomeou um ombudsman em 1989, depois um editor de Treinamento, que montou programa para jornalistas em busca de aperfeiçoamento profissional. Assim surgiu a colaboração entre o jornal e a Knight-Wallace Fellowships.
Hélio Schwartsman foi um dos primeiros jornalistas da Folha no programa. Esteve em Ann Arbor em 2008 e retornou à Redação com o propósito de estabelecer laços com o programa. Otavio decidiu então que a Folha enviaria um ou dois jornalistas a cada ano para Michigan.
Hélio Schwartsman foi um dos primeiros jornalistas da Folha no programa. Esteve em Ann Arbor em 2008 e retornou à Redação com o propósito de estabelecer laços com o programa. Otavio decidiu então que a Folha enviaria um ou dois jornalistas a cada ano para Michigan.
Otavio perguntou-me uma vez o que havia na bolsa KWF que tornava as pessoas tão melhores no trabalho ao retornar à Redação. Tive dificuldade para lhe transmitir tudo o que havia experimentado naquela turma de 2011-12. Meu projeto envolvia estudar economia, o que fiz. Mas também aprendi tantas coisas novas —aos 54 anos—, como o potencial de áudio e vídeo para incrementar narrativas, no que até então nunca pensara.
A curiosidade de Otavio o levou a conhecer o programa em pessoa, no segundo semestre de 2012. Esteve por apenas dois dias em Ann Arbor, mas partiu bem impressionado com o que viu.
Sabine Righetti, enviada do jornal naquele ano, levou-o para visitar os murais de Diego Rivera no museu DIA (Detroit Institute of Arts) e o Museu Ford —duas atrações que eu havia recomendado a ele, sabendo de seu interesse pela história norte-americana.
“A Folha envia membros de sua equipe a várias partes do mundo para estudar, e estou seguro de que aprendem coisas valiosas”, afirmou Otavio a Charles Eisendrath, então diretor da KWF. “Mas só os que vêm a Ann Arbor retornam entusiasmados.”
Ao falar para os fellows, Otavio apresentou-se como um autor de teatro e discorreu longamente sobre suas peças. Foi interrompido por Eisendrath, que lhe perguntou se não iria dizer nada sobre ser o publisher do principal jornal do Brasil.
Ele o fez, afinal, e passou a discutir a importância de jornalistas encontrarem tempo para pensar com profundidade. Isso era o que o teatro fazia por ele, imagino, e queria que os jornalistas encontrassem isso em seu ofício, também.
Otavio Frias Filho morreu em 21 de agosto em consequência de umcâncer no pâncreas. Tinha 61 anos. Cedo demais para um amigo tão generoso —da Wallace House, do bom jornalismo, de todos nós. Seus princípios seguem vivos.
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