quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Janaína prega extinção do fundo partidário e candidaturas avulsas, OESP

A professora de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP) Janaína Paschoal entende que uma reforma política de verdade se apoia em dois pilares: o fim do financiamento de campanhas com dinheiro público e a permissão de candidaturas independentes. De acordo com a lente da Faculdade de Direito da USP, que ajudou os colegas Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior no projeto de impeachment de Dilma Rousseff, “não foi só o PT que caiu” na eleição que a consagrou. “Caíram muitos daqueles que acreditavam que podiam tudo. Aqueles que se julgavam deuses. O povo está mostrando que só há um Deus. Os que conseguiram se manter, espero, aprenderão a respeitar quem dá a palavra final”, disse na edição desta semana da série Nêumanne Entrevista neste blog. Ela lembrou que Michel Temer “assumiu porque Dilma o convidou a compor a chapa com ela. Simples assim”. E ponderou: “Mesmo com todos os problemas surgidos, digo com tranquilidade que faria tudo de novo. Acredito, verdadeiramente, que o impeachment foi a melhor coisa que aconteceu ao nosso país. Ali se iniciou a cultura da responsabilização de quem precisa ser responsabilizado”. Tendo recusado ser vice do candidato favorito à eleição presidencial, Janaína observou: “Bolsonaro tem muito apoio popular, penso que poderá valer-se disso para fazer as reformas necessárias. O grande cuidado que ele precisa tomar é ter sempre em mente que ele está sendo eleito por uma pluralidade e para essa pluralidade deve governar – brancos, negros, pobres, ricos, homossexuais, heterossexuais, mulheres, homens, até as crianças dizem votar nele”.
Janaína Conceição Paschoal, nascida em São Paulo em 25 de junho de 1974, é advogada e professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no Largo de São Francisco, na qual obteve o grau de doutora em Direito Penal em 2002, sob orientação de Miguel Reale Júnior, tendo defendido a tese “Constituição, Criminalização e Direito Penal Mínimo”, e se especializado em pesquisa do Direito Penal Econômico. Tornou-se nacionalmente conhecida como uma das autoras do pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, juntamente com seu orientador e outro colega das Arcadas, o promotor Hélio Bicudo, fundador do PT, tendo participado ativamente na tramitação do processo na Câmara dos Deputados e no Senado. Na eleição de 2018, ela obteve mais de 2 milhões de votos para a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, a maior votação de deputado, seja federal ou estadual, da História do Brasil, superando  Eduardo, filho de Jair Bolsonaro, que foi na mesma eleição o deputado federal mais votado da história. O total de seus votos também superou os números obtidos por 10 dos 13 governadores eleitos no primeiro turno, entre eles Paulo Câmara, de Pernambuco, com 1.918.219 votos, e oito dos 13 candidatos à Presidência da República: Cabo Daciolo (Patriota), Henrique Meirelles (MDB), Marina Silva (Rede), Álvaro Dias (Podemos), Guilherme Boulos (PSOL), Vera Lúcia (PSTU), Eymael (DC) e João Goulart Filho (PPL).
Para Janaína, “promover um processo de impeachment não é algo feliz, por mais justo e necessário que ele seja.” Foto: Weslei Marcelino/Reuters
Nêumanne entrevista Janaína Paschoal
Nêumanne – Depois de todo o tempo que passou desde a sua atuação no impeachment de Dilma Rousseff, a senhora já conseguiu digerir a violação da Constituição pela conspiração dos senadores Renan Calheiros e Kátia Abreu, com a cumplicidade do então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Ricardo Lewandowski, para permitir que, ao arrepio do artigo 52, a ex-presidente pudesse desempenhar um cargo público?
Janaína – Eu não posso afirmar que tenha havido algum tipo de acordo a ensejar o tal fatiamento do julgamento. O que posso dizer é que, se houve, eu não fiz parte do suposto ajuste. Penso que um evento histórico de tamanha magnitude precisa ser analisado sob o olhar do momento em que ocorreu e sob o olhar atual. Pensando pela perspectiva do momento, digo, sem constrangimentos, que eu fiz o que me competia, pedi o afastamento da presidente do cargo, bem como a perda de seus direitos políticos, como prevê a Constituição federal. Obtive parte do que pedi, justamente a parte principal, que foi o afastamento. Naquela oportunidade, fiquei imensamente aliviada. Como advogada, eu me senti vitoriosa. Eu cheguei a ouvir parlamentares dizerem que se não fosse o fatiamento votariam a favor da presidente. Então, para mim, o que importava era tirá-la do poder, afastando todos os perigos que assombravam o nosso país. Por isso fiquei muito contrariada quando partidos e movimentos apresentaram recurso solicitando a anulação do julgamento, pois não havia como anular uma parte sem comprometer o todo. Avaliando a situação, agora, penso que foi muito bom os fatos terem ocorrido como ocorreram. A ex-presidente criou o discurso fictício do golpe, vociferou pelo mundo todo que haveria de ser julgada pelas urnas. Pois bem, no dia 7 de outubro ela foi julgada pelas urnas e, mais uma vez, perdeu. Graças ao fatiamento, o povo pôde mostrar que o impeachment foi mesmo um processo que expressou o desejo da esmagadora maioria da nossa sociedade.
 N – O desempenho do principal beneficiário do impeachment, que resultou de seu trabalho em parceria com seus colegas Hélio Bicudo e Miguel Reale Júnior, Michel Temer, que era vice de Dilma e a substituiu, surpreendeu-a, frustrou-a ou a senhora é indiferente ao que aconteceu?
J – Quem votou no presidente Michel Temer foram os petistas. Os mesmos petistas que, repentinamente, passaram a entoar o “Fora Temer”. Antes, durante e depois do processo de impeachment, eu jamais tive qualquer contato com o presidente Temer. Pelas regras constitucionais, em caso de impeachment deve assumir o vice-presidente. Ele assumiu porque Dilma o convidou a compor a chapa com ela. Simples assim. Mesmo com todos os problemas surgidos, digo com tranquilidade que faria tudo de novo. Acredito, verdadeiramente, que o impeachment foi a melhor coisa que aconteceu ao nosso país. Ali se iniciou a cultura da responsabilização de quem precisa ser responsabilizado.
Janaína em 2017, em ato de apoio à Lava Jato, pelo fim do “foro privilegiado” e contra o sistema de voto em lista fechada. Foto: Marcelo Arbex/Estado
N – Lembro-me de que a senhora chegou a se emocionar ao longo do processo de impeachment de Dilma. Qual foi agora seu sentimento ao receber a notícia da derrota da presidente que a senhora ajudou a derrubar numa eleição para ocupar duas cadeiras no Senado e com os institutos dando-a como líder nas pesquisas de intenção de votos?
J – Poucas pessoas entenderam meus momentos de emoção. Promover um processo de impeachment não é algo feliz, por mais justo e necessário que ele seja. Qualquer pessoa que ama o seu país torce pelo sucesso e pela correção de seus líderes. Por outro lado, se a oposição tivesse feito seu trabalho, eu não precisaria ter passado por tudo o que passei. Não foi nada fácil enfrentar tantos obstáculos. O resultado das urnas relativamente à ex-presidente Dilma, bem como a outros nomes tradicionais do PT e mesmo de partidos aliados, a meu ver, mostrou o amadurecimento do povo brasileiro, que é inteligente, sensível e merece ser respeitado. Quando as pesquisas indicavam que os nomes de sempre sairiam vencedores, o povo mostrou que está tomando consciência de seu enorme poder. Foi um bom sinal. Espero que os eleitos tenham dimensão de sua responsabilidade.
N – A senhora acredita que possa haver alguma relação entre a citada derrota de Dilma Rousseff e o prestígio popular que levou a senhora, até então uma anônima professora da Faculdade de Direito da USP, ao recorde histórico de 2 milhões de votos para um deputado estadual, em qualquer unidade da Federação, no Brasil?
– Certamente a votação histórica que recebi e a derrota da ex-presidente e outros nomes tradicionais da política estão diretamente relacionadas ao processo de impeachment. Não tenho dúvidas disso. Em todas as cidades visitadas, eu ouvi agradecimentos pelo trabalho no processo. Por outro lado, diante das pesquisas, cidadãos mineiros telefonavam pedindo ajuda para seu Estado não levar Dilma Rousseff novamente ao poder. Os fatos estão umbilicalmente relacionados.
Janaína chegou a ser cotada para se candidatar a vice na chapa de Bolsonaro, do PSL, mas recusou. Foto: Ricardo Moraes/Reuters
N – Antes de se candidatar a deputada estadual, a senhora chegou a ser cogitada para ser vice na chapa do candidato do PSL à Presidência da República, Jair Bolsonaro, mas isso terminou não acontecendo. O que a impediu de seguir aquele outro caminho?
– Conheci o presidenciável no dia da Convenção do PSL, no Rio de Janeiro, quando fiz um discurso polêmico, muito embora tenha dito o que acredito precisava mesmo ser dito. Entre aquele dia e a decisão final houve outros encontros, telefonemas e trocas de mensagens. Meu contato com ele foi muito bom. Trata-se de uma pessoa educada e que sabe ouvir. Neste momento da minha vida, eu não teria condições de me mudar de vez para Brasília. Fiz propostas intermediárias, mas a equipe dele entendia que uma mudança total seria necessária. Em nossas conversas, ele também se mostrou muito incomodado com as ameaças que vinha recebendo. Eu senti que ele estava preocupado comigo. Infelizmente, os temores dele tinham razão de ser, haja vista o grave atentado sofrido. Em nosso último diálogo antes de eu anunciar que não seria candidata à Vice-Presidência, chegamos a falar da importância de ter o general Mourão como vice. Foi uma decisão amadurecida pelas duas partes.
N – Quando se toma conhecimento do impressionante total de votos que a senhora recebeu, que superou, por exemplo, o recorde do próprio filho do candidato hoje favorito à Presidência da República, Eduardo Bolsonaro, a primeira pergunta que vem à mente é por que a senhora não disputou uma cadeira na Câmara dos Deputados, em vez de uma vaga na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo?
J – Pelo mesmo motivo que me impediu de concorrer à Vice-Presidência. Neste momento da minha vida, não posso me mudar para Brasília. Eu não conseguiria ser uma deputada federal pela metade. Nem uma senadora. Na condição de deputada estadual posso seguir falando o que entendo seja preciso falar pelo País, sem abandonar minha família, que ainda precisa muito de mim. Tenho a certeza de que ajudarei muito o Brasil, a partir de São Paulo. Se ajudei sem cargo, que dirá com cargo! (rs)
N – O que, a seu ver, provocou as férias forçadas de muitos figurões da velha política, antes praticamente insubstituíveis em seus postos com prerrogativa de foro, e uma súbita inovação nas eleições proporcionais federais e estaduais de 8 de outubro?
J – A manifestações de 2013, 2015, 2016, somadas ao processo de impeachment e à Operação Lava Jato, mostraram à população que nós podemos mais. Que não precisamos nos curvar aos poderosos de sempre. É nítido que não foi só o PT que caiu. Caíram muitos daqueles que acreditavam que podiam tudo. Aqueles que se julgavam deuses. O povo está mostrando que só há um Deus. Os que conseguiram se manter, espero, aprenderão a respeitar quem dá a palavra final.
8 – A renovação da Câmara – 52% – foi a maior em 20 anos, mas, por outro lado, mesmoassim a maior bancada é do PT e ainda é bastante numerosa a participação dos partidos que formaram o tal Centrão, que protagonizou a fisiologia durante o governo Temer. Como será possível ao futuro presidente obter, nesse ambiente, um mínimo de governabilidade?
Espero que o novo presidente seja Jair Bolsonaro. O PSL terá uma bancada forte e mesmo parlamentares de outros partidos sabem bem o que sofremos para chegar até aqui. Creio que as reformas necessárias para o desenvolvimento do País terão apoio. Se não tiverem, caberá ao presidente governar com o povo, sobretudo quando exigências inadequadas forem feitas. Se alguém exigir mensalinho, mensalão, cargo, para votar o que é importante e bom para a população, o presidente precisará vir a público e entregar quem pediu e o que pediu. Pode parecer exagerado, mas não vejo outro caminho. Bolsonaro tem muito apoio popular, penso que poderá valer-se disso para fazer as reformas necessárias. O grande cuidado que ele precisa tomar é ter sempre em mente que ele está sendo eleito por uma pluralidade e para essa pluralidade deve governar – brancos, negros, pobres, ricos, homossexuais, heterossexuais, mulheres, homens, até as crianças dizem votar nele. É muito bonito ver esse carinho. Eu peço a Deus que ele consiga atender parte dessas muitas expectativas. Espero também que as pessoas estejam cientes de que não será fácil e que o País tem um caminho árduo pela frente. O importante, agora, é mudar o rumo, ou pôr o País no rumo.
N – Que modificações profundas na estrutura apodrecida da velha política brasileira serão provocadas pelo processo inusitado da campanha da qual a senhora saiu como protagonista?
J – A minha eleição e a de Bolsonaro, que espero ocorra no próximo dia 28, são provas de que é possível fazer uma campanha sem muito dinheiro. Não sei qual a opinião dele, mas eu defendo acabar com fundo eleitoral e com fundo partidário. Acabar totalmente. Assim, só vai para a política quem realmente tem o desejo de servir. Deixará de ser vantajoso ser dono de partido. Também sou uma defensora convicta da possibilidade de um cidadão concorrer sem se filiar a qualquer sigla partidária, mormente quando se trata de cargo majoritário. Fala-se muito em reforma política, mas essas duas medidas seriam revolucionárias.
N – Que papel a senhora pretende desempenhar em sua atuação na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo?
J – Tantos quantos forem possíveis. Legislar, fiscalizar, ajudar a formar redes, fomentar o debate mediante audiências públicas, ser um veículo de conciliação… Estou muito animada para trabalhar e honrar cada um dos vários votos de confiança que recebi.

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