segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Os recuos de Bolsonaro foram um aviso, Elio Gaspari, FSP

Jair Bolsonaro disse que fundiria os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente. Agora diz que pode mudar de ideia. Juntar a Fazenda com o da Indústria? Pensou melhor e vai desistir. Abandonar o acordo climático de Paris? Ameaçou, mas vai ficar. Encrencar com a China? Nem pensar. Formar uma base parlamentar baseada em princípios programáticos? Tudo bem, mas está catando ministros na cesta onde o eleitorado jogou candidatos do DEM.
Bolsonaro encantou o mercado ao reconhecer que não entende de economia e por isso faria do doutor Paulo Guedes o seu "Posto Ipiranga". Como ele nunca produziu um prego, os papeleiros passaram a cultivar a ideia de que Guedes também precisaria de seus "Postos Ipiranga". De posto em posto, quem quiser comprar um prego acabará procurando uma velha e boa loja de ferragens, onde os pregos nacionais custam mais caro que os chineses.
 
A sabedoria convencional ensina que promessa de candidato é uma coisa, realidade de governante é outra. Mesmo assim, Bolsonaro ficou fora da curva. Quando ele falou numa reconstrução da base parlamentar a partir de princípios, sabia que estava vendendo óleo de pirarucu como cura de reumatismo.
No caso das fusões de ministérios, do vale-tudo ambiental e das relações com a China, exercitava o próprio primarismo. Ele pode querer agradar ruralistas interessados na expansão da área de cultivo da soja no Cerrado, mas precisa combinar com as grandes empresas internacionais que comercializam o grão e precisam defender suas marcas.
Matar gente na periferia das grandes cidades causa constrangimentos pelo mundo afora, mas esse sentimento é difuso. Agredir o meio ambiente compromete a reputação dessas grandes empresas.
Não se pode dizer que Bolsonaro recuou. Fernando Haddad recuou na sua ideia de forçar uma Assembleia Constituinte. Já sua autocrítica em relação às roubalheiras petistas é apenas um truque. Só se recua de uma posição onde se esteve, e Bolsonaro nunca esteve de fato nas posições que defendia há meses, ou há anos, quando defendia o fuzilamento de Fernando Henrique Cardoso. Eram truques, como o de Donald Trump garantindo que Barack Obama tinha nascido no Quênia.
Anarquia militar
Ganha uma viagem ao Congo quem lembrar de algum político ou general da reserva dando palpite a respeito do preenchimento do cargo de comandante do Exército, uma atribuição do presidente da República.
O general da reserva Hamilton Mourão, candidato a vice-presidente na chapa do capitão Bolsonaro, disse que na sua opinião o comandante do Exército deve ser escolhido pelo critério de antiguidade.
Antiguidade pode ser um critério, jamais o único, até porque de certa forma diminui a qualificação do general que vier a ser escolhido.
Pelo critério de antiguidade, Ulysses Grant nunca teria comandado o Exército do Norte que ganhou a Guerra Civil americana, e o general George Marshall, nomeado em 1939, não teria chefiado o Estado-Maior durante a Segunda Guerra. Esse grande chefe militar ensinou: "Se liderança vier a depender apenas da antiguidade, você começa derrotado."
Na missão francesa que assessorou o Exército brasileiro nos anos 20 do século passado veio um major chamado Joseph Veller. Servia ao seu lado o capitão Panasco Alvim, que mais tarde comandaria a força de intervenção da OEA na República Dominicana.
Quando a tropa errou num exercício de reconhecimento, Veller enfureceu-se e Panasco quis acalmá-lo dizendo que, com o tempo, ela aprenderia. Veller respondeu:
— Panascô, o burro do Duque de Saxe assistiu a mais de cem batalhas e continuou sendo um burro.
Quitanda Brasil
Com a experiência acumulada em 13 anos como ministro e 20 de Parlamento, o professor Delfim Netto ensina:
"Hoje à noite começa a lua de mel do novo presidente com o poder. No dia 1º de janeiro ele tomará posse e no dia seguinte, uma quarta-feira, terá que abrir a quitanda às 9h da manhã com berinjelas para vender a preço razoável e troco na caixa para atender a freguesia. Pelos próximos quatro anos a rotina essencial será a mesma: abrir a quitanda, com berinjelas e troco. Todos os desastres da economia brasileira deram-se quando deixou-se de prestar atenção na economia da loja."
Bloco Bolsonaro
Valeria a pena descobrir o que andou fumando o bolsonarista que espalhou a ideia de que o candidato, uma vez eleito, pretende formar uma aliança liberal com os presidentes da Argentina, Chile e Paraguai.
Toda vez que se fala no Brasil em formar bloco no continente, o alcance da política externa brasileira encolhe.
Sebastián Piñera, presidente do Chile, é um conservador e aprecia diversas ideias defendidas por Bolsonaro. No seu governo, o ministro do Exército demitiu e mandou para a reserva o diretor da Escola Militar que homenageou um brigadeiro condenado por crimes cometidos durante a ditadura do general Pinochet.
A caravana de Lula
O oráculo de Curitiba quer que o PT organize caravanas para percorrer o Brasil defendendo as ideias do partido.
Sempre que Lula fala em "percorrer o país" ou em formar caravanas isso que dizer que não sabe o que fazer.
Temer acertou
presidente Michel Temer suspendeu a manobra para acelerar o leilão de 12 aeroportos. Ficou tudo para março, pro próximo governo.
No escurinho de Brasília ainda há gente querendo aproveitar a xepa da feira acelerando processos de concessões na área de infraestrutura.
A voz do lixo
Para interessados em administração de grandes empresas, uma história contada pelo ex-ministro Shigeaki Ueki.
No início dos anos 70 ele era diretor comercial da Petrobras e resolveu esticar a duração dos contratos de compra de óleo estendendo-os para três ou até cinco anos.
Os vendedores vieram ao Rio e hospedaram-se no mesmo hotel. Ficou entendido que eles pretendiam ir para a mesa com uma estratégia comum.
Ueki conseguiu que uma arrumadeira catasse o lixo das suítes dos negociadores. Decifrando rabiscos, a Petrobras ganhou uma fortuna.
Madame Natasha
Se Natasha tivesse com quem deixar seus gatos, estaria no México, participando da marcha de latino-americanos em direção aos Estados Unidos. Apesar disso, a senhora acha que as motivações políticas ou sociais não devem atropelar o idioma.
Pode-se chamar o pessoal da marcha de qualquer coisa, menos de "imigrantes". O imigrante sai do seu país pretendendo entrar legalmente no outro.
Ao gosto de cada um, eles podem ser migrantes, invasores, refugiados, despossuídos ou, simplesmente, latino-americanos.
Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota e assustou-se com o tiroteio de policiais mineiros com paulistas em torno de um golpe no qual seriam trocados dólares por R$ 15 milhões em notas falsas.
O idiota percebeu que as cédulas de R$ 100 eram novas e se perguntou: Cadê a gráfica?


Elio Gaspari
Jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".

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