Chegamos a 2023. Ufa. Que alívio. Passamos por anos terríveis, mas finalmente começamos a superar a polarização que quase destruiu nossa nação. Uma nova força se aglutinou na sociedade. Não foi nada fácil, pois as relações pessoais foram muito abaladas com tanto ódio e desconfiança espalhados por máquinas de notícias falsas de lideranças políticas que só queriam o poder sem se importar com a destruição que causaram.
Mas o Brasil é muito importante para falhar. E o povo entendeu isso. Conseguimos deixar as diferenças de lado e focar nossos objetivos comuns. As batalhas mais difíceis foram na segurança, educação e meio ambiente. Os retrocessos e as perdas foram enormes, mas a sociedade despertou para uma cidadania ativa, não sem custo. Agora é correr atrás do tempo perdido e usar o conhecimento e a tecnologia para trazer nosso país para o século atual.
Os danos foram grandes. Só o discurso de apoio à licença para a polícia matar sem ser julgada —o excludente de ilicitude— fez o número de policiais mortos aumentar de forma assustadora no país, onde a polícia já era uma das que mais mata e morre no mundo. Os assassinatos de suspeitos quadruplicaram e as vítimas de "balas perdidas" explodiram. Essas mortes geraram processos em cortes nacionais e internacionais contra o governo e as lideranças responsáveis por essa tragédia. A medida foi declarada inconstitucional pelo STF, que sofreu ataques institucionais impensáveis no período.
A liberação do porte de armas foi desastrosa. Cidadãos comuns se tornaram assassinos em brigas de rua e crimes passionais. Armas compradas legalmente abasteceram mais o crime por meio de desvios e roubos. O medo de andar nas ruas e de entrar em um táxi com motorista armado à noite gerou uma grande mobilização feminina, que tentou frear o derramamento de sangue em um país que, além de ser campeão em homicídios por arma de fogo, é líder em violência doméstica e abuso sexual de crianças e mulheres. O pouco controle e rastreamento de armas e munições foi por terra, prejudicando ainda mais investigações e esclarecimento de crimes.
O meio ambiente sofreu, o desmatamento cresceu e os indígenas foram muito maltratados. Vergonha e tristeza profundas. Mas o Brasil não saiu do acordo do clima, pois a Amazônia é patrimônio mundial. Milhões de crianças brasileiras e do mundo enviaram mensagens ao presidente pedindo que parasse de cortar as árvores e de matar o seu futuro.
Ativistas de todo o planeta se juntaram a nós. Tivemos medo. A censura e a intimidação imperaram. Mas a liberdade de expressão e a defesa de nossos direitos começaram a mobilizar em larga escala. Os ativistas, tão ameaçados, se fortaleceram e muitas novas vozes floresceram.
Na educação, o retrocesso foi inglório. Professores filmados em sala de aula se calaram sob o jugo de novos reitores de universidades comandados por um estado policial. Alunos se rebelaram contra mudanças curriculares que queriam deturpar nossa história, ignorar a ciência e ensinar preconceitos ao invés de diálogo e respeito às diversidades. As escolas públicas militares cresceram muito. Foco em disciplina e punição no lugar de pensamento crítico.
Caro leitor, este é o cenário otimista que posso conceber caso as previsões sobre o novo governo se confirmem domingo que vem. Mesmo a aposta em uma melhora sustentável na economia, pelo histórico do candidato e pela nova crise global que se anuncia, é bastante incerta. O arrependimento não trará vidas, florestas e os anos de atraso de volta. Pense bem antes de votar.
Ilona Szabó de Carvalho
Empreendedora cívica, mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia). É autora de “Segurança Pública para Virar o Jogo”.
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