segunda-feira, 15 de dezembro de 2025

Lula é o maior beneficiário do efeito Magnitsky, FSP

 

Faltando duas semanas para fechar o ano, Lula recebe um presente dos Estados Unidos e chegará fortalecido para o início da disputa eleitoral em 2026. Nos mais de 100 mil grupos públicos de WhatsApp e Telegram monitorados em tempo real pela Palver, as questões geopolíticas dominaram as discussões ao longo da última semana, tendo como resultado um saldo positivo ao presidente.

A Lei Magnitsky foi o eixo central dos debates. Enquanto a sanção contra Alexandre de Moraes e sua esposa era tratada como um trunfo para a direita, a conversa seguia uma linha narrativa consistente e dominante: Washington como alavanca, o STF como alvo e a direita como beneficiária.

Dois homens sentados em poltronas opostas em sala com cortina azul ao fundo. Homem à esquerda veste terno escuro com gravata vermelha, homem à direita usa terno escuro com gravata vinho e fone de ouvido. Mesa pequena com toalha vermelha e vaso de flor entre eles.
Lula e Trump durante encontro na Asean. - Evelyn Hockstein - 26.out.2025/REUTERS

Mas, depois que os Estados Unidos derrubaram a sanção na última sexta-feira (12), a interpretação mudou. Entre as mensagens que tomaram posição sobre o que a Magnitsky "significava" dali em diante, 50% migraram para um ceticismo explícito, com argumentos em prol da soberania nacional e a ideia de que não existe "atalho estrangeiro" para resolver o Brasil.

Essa ruptura aparece também na forma como Donald Trump foi reavaliado. A retirada da sanção acionou um gatilho emocional negativo para a direita, que é a sensação de recuo. Entre as mensagens que avaliaram a decisão, 66% criticaram Trump, com enquadramentos de fraqueza, imprevisibilidade ou desistência, e 34% defenderam a medida como parte de um cálculo legítimo de interesses americanos. A frustração levou uma parcela da direita a comparar Trump com Reagan, reforçando a falta de coragem.

Ao mesmo tempo, a relação Trump-Lula foi lida com menos romantismo. Quando ambos aparecem juntos nas conversas, a disputa é entre duas narrativas: negociação pragmática e conflito econômico. Entre os que escolheram um desses caminhos, 59% enxergaram a relação pela lente de pressão e atrito, como tarifas, chantagem e custo para o Brasil, enquanto 41% destacaram aproximação e negociação direta, com sinais de recalibração e conversa "por cima" dos intermediários.

Entre as mensagens que avaliaram o impacto da reviravolta sobre o presidente, 95% afirmaram que Lula saiu fortalecido e 5% sugeriram enfraquecimento. O argumento é que a ofensiva externa de Eduardo apenas serviu para produzir ganhos políticos a Lula, seja como beneficiário do discurso de soberania, ou da retomada do canal direto com Trump.

Além da pauta externa, a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do PL da Dosimetria abriu espaço para a esquerda se reorganizar. Nas mensagens dos últimos sete dias, entre os que tomaram lado, 77% se posicionaram contra a anistia e 23% a favor, sinalizando que a esquerda conseguiu mais coesão. É importante destacar que uma parcela da direita também foi contra a medida, pois enxergou como insuficiente, apontando que teria sido a sinalização que Trump precisava para revogar as sanções de Moraes.

Nesse contexto, Lula chega ao ano eleitoral com vantagem sobre os adversários. A Lei Magnitsky, que havia servido como esperança e promessa de virada, trouxe o ônus do conflito para dentro da direita e serviu apenas para expor quem perdeu, quem ganhou e quem precisa, rapidamente, reconstruir uma narrativa diante do novo cenário.

O efeito doméstico mais visível dessa virada foi a cisão dentro da direita. A estratégia internacional de Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo, que vinha alimentando esperanças de uma interferência estrangeira, passou a ser criticada, provocando divisões internas. Antes da queda da Magnitsky, considerando as mensagens da última semana, entre os bolsonaristas que opinaram sobre Eduardo/Paulo, 52% eram de apoio e 48% de crítica. Depois da retirada das sanções, as críticas chegam a quase 60%. É nesse terreno que a ironia "camisa 10 do Lula" ganha tração.

Mais um tijolo no muro da desigualdade, Pierpaolo Cruz Bottini - FSP

 Pierpaolo Cruz Bottini

Advogado e professor de direito penal da Faculdade de Direito da USP

O Brasil é um país desigual. Tem 63% de toda a riqueza nas mãos de 1% da população, enquanto a metade mais pobre divide 9,3% da renda total. No campo do direito penal, essa desigualdade tem uma dimensão ainda maior. Desde a seleção dos abordados pela polícia até a execução das penas, pobres, negros e pessoas de baixa escolaridade são os alvos preferenciais do sistema penal.

Pessoas negras e moradores da periferia têm quatro vezes mais chances de serem abordadas pela polícia do que brancos em bairros ricos. A população dos presídios é composta de pobres com baixa escolaridade: 61% não completaram o ensino médio, e apenas 0,92% têm curso superior completo.

A imagem mostra dois homens carregando grades de metal em um local ao ar livre. O céu está claro e azul, e há uma estrutura ao fundo que parece ser um edifício. Os homens estão vestidos de forma casual, um deles usa um chapéu. As grades estão dispostas em uma área que parece estar sendo preparada para um evento ou contenção.
Movimentação de grades e segurança na praça dos Três Poderes um dia antes do julgamento da trama golpista - Gabriela Biló - 1º.set.25/Folhapress

Há crimes e contravenções que apenas os menos favorecidos podem praticar, como o delito de tomar refeição em restaurante ou utilizar-se de meio de transporte sem dispor de recursos para efetuar o pagamento, em que o ato reprovável não é o calote, mas a falta de recursos, a ausência de bens para fazer frente à dívida; ou a vadiagem, descrita como o ato de entregar-se habitualmente à ociosidade sem ter renda que lhe assegure meios de subsistência. Ilícita não é a ociosidade, mas a falta de renda que assegure essa ociosidade.

Por outro lado, leis que tratam de crimes usualmente praticados pelos mais abastados preveem benefícios não estendidos aos demais. Nos crimes fiscais, o pagamento do valor devido, mesmo depois da condenação do réu em todas as instâncias, extingue a punibilidade do delito, acaba com qualquer possibilidade de aplicar a pena. Esse favor não existe para os demais crimes patrimoniais praticados sem violência ou grave ameaça, como o furto ou a apropriação indébita. Nesses casos, mesmo que o valor seja restituído e reparado o dano, a pena será imposta.

A mesma diferença de tratamento ocorre quando a Justiça reconhece o princípio da insignificância, que afasta a aplicação da pena para delitos de considerados de pequeno valor. Nos crimes comuns, como o furto, o limite da insignificância alcança, quando muito, 10% do salário-mínimo. Nos fiscais, consideram-se insignificantes valores até 20 mil reais, porque sonegações até esse montante não são passíveis de execução fiscal. O resultado: um terço dos presos no Brasil foi condenado pelo crime de furto, enquanto os tributários representam 1% do mesmo conjunto.

Há algo errado com um sistema que faz pesar o direito penal sobre uma parcela da população, enquanto poupa outros do incômodo do castigo, muitas vezes diante de agressões mais graves ao bem comum. Que concede benefícios para certos delitos, em geral praticados pelos mais abastados, e prega a prisão como único remédio para tantos outros, encerrando atrás de grades um contingente de 700 mil pessoas, todas da mesma classe social.

Para agravar esse quadro lamentável, o Congresso Nacional começou a discutir um projeto de lei que altera os tempos de progressão de regime de prisão, com o objetivo de minorar as penas do ex-presidente Jair Bolsonaro, dentre outros. Se aprovado, os condenados pela maior parte dos crimes previstos na lei penal, desde que não hediondos e que o réu seja primário, poderão progredir do regime fechado —com restrição de liberdade em tempo integral— para o semiaberto —no qual é possível deixar a prisão para trabalhar durante o dia— quando cumprido 1/6 da pena. Isso não vale para todos os delitos: os condenados por crimes contra a vida, integridade ou patrimoniais, com violência ou ameaça, alcançarão o benefício apenas quando cumprido 1/4 da pena.

Mais uma vez, a desigualdade. Não parece proporcional ou justo dificultar a progressão de regime àquele que praticou um roubo ou uma lesão corporal leve e facilitar a execução da pena do chefe que cometeu assédio sexual, do agente público que desviou dinheiro da saúde, de quem se envolveu em corrupção ou fraude a licitações, queimou ilegalmente milhares de hectares de floresta ou daquele que tentou dar um golpe de Estado com violência ou ameaça.

Roubar um celular é grave, merece punição e tem pena de prisão de 4 a 10 anos. Mas tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, um governo legitimamente constituído é mais grave, tanto que a pena prevista é maior, de 4 a 12 anos de prisão. O primeiro delito afeta o patrimônio de uma pessoa, o segundo abala os fundamentos da democracia, e tem por consequência, em regra, prisões injustas, torturas, censura e arbitrariedade.

Nada justifica um tempo de progressão menor ao segundo, a não ser a usual benevolência com que o Brasil costuma tratar certos criminosos, em especial quando não são pobres, pretos e moradores das periferias.

domingo, 14 de dezembro de 2025

SBT News foge do escopo do canal aberto de olho no prestígio das classes A e B, FSP

 Eduardo Moura

São Paulo

ex-ministro Fábio Faria, marido de Patrícia Abravanel, andava de um lado para o outro, sorrindo de orelha a orelha, no estúdio oito do Sistema Brasileiro de Televisão, o SBT, em Osasco. Ia a passo rápido, o topete tremulando, para dar tempo de fazer a social com aquele tanto de gente importante que chegava de helicóptero. A pomada capilar devia ser das boas, e o penteado terminou a noite de sexta-feira intacto.

Dois homens de terno apertam as mãos em cumprimento durante evento formal. Um deles tem cabelo grisalho e barba branca, o outro tem cabelo escuro e barba curta. Ao fundo, fotógrafos registram o momento, e há outras pessoas em trajes formais.
O presidente Lula (PT), o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB) e o governador do estado Tarcísio de Freitas (Republicanos), em evento de lançamento do canal SBT News, em Osasco - Danilo Verpa/Folhapress

O evento de lançamento do SBT News, projeto do qual Faria é o maior entusiasta, conseguiu reunir um line-up de peso. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seu vice, Geraldo Alckmin (PSB), o ministro do STF Alexandre de Moraes, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e o prefeito Ricardo Nunes (MDB), todos sentados na fileira da frente, ao lado do clã Abravanel, em frente ao palco onde depois discursaram.

O canal estreia na TV fechada, no YouTube e na plataforma +SBT na segunda (15), às 18h, prometendo mais de 20 horas de programação ao vivo.

Para além dos convidados, a diversidade de espectros políticos também se revelou entre os patrocinadores da empreitada. Estão desde a Havan de Luciano Hang à JBS dos irmãos Batista, além da EMS, Gerdau, Tim, Amil, BYD, BTG Pactual e Cedro.

Talvez nenhuma emissora encarne tanto o espírito mambembe do brasileiro quanto a fundada por Silvio Santos, entre slogans, marcas, frases de efeito e atrações —Jequiti, Baú da Felicidade, banheira do Gugu, "Roda a Roda" e o bordão "má ôe" são patrimônios guardados na memória afetiva.

O ex-ministro Fábio Faria, em lançamento do canal SBT News - Danilo Verpa/Folhapress

Todas as autoridades que discursaram no palanque, de Lula a Nunes, fizeram alguma menção bem-humorada a algum programa de entretenimento da emissora, sem menções ao jornalismo do SBT —um setor da casa, aliás, marcado por polêmicas históricas.

Morto no ano passado e "ressuscitado" no evento com inteligência artificial, Silvio defendia que o noticiário deveria ser favorável ao governo —desde o período da ditadura à redemocratização. Numa polêmica há cinco anos, vetou uma edição do SBT Brasil, o principal do canal aberto, após o destaque a um vídeo vazado da infame reunião de Jair Bolsonaro, de quem era próximo, com seus ministros, em maio de 2020.

Mas todo esse conjunto, talvez o maior ativo da emissora, por outro lado, pode representar um obstáculo para o que o SBT News se propõe a ser —um sofisticado produto de prestígio entre as classes A e B.

Pessoas de dentro do novo canal afirmam, sob condição de anonimato, que estão mais que cientes desse desafio no campo simbólico e que o time de marketing está concentrado nesse desafio.

Nos "switchers" do SBT News, o monitoramento de audiência só terá olhos para a GloboNews e para a CNN, com quem o novo canal pretende disputar público. O foco, dizem, será todo voltado aos bastidores de Brasília e ao mercado financeiro.

Segundo essas fontes, o lançamento do canal jornalístico vem após o Grupo Silvio Santos entender que não chegava às classes A e B, muito menos ao chamado "triple A" —a camada mais ao topo da cadeia alimentar brasileira. E é com esse público, os tomadores de decisão, que o SBT News quer falar.

Sobre o desafio de acessar essa camada da população, a equipe diz que o conteúdo vai falar por si.

Para isso, Faria foi atrás de nomes tarimbados do jornalismo, conhecidos pela cobertura quente e por furos jornalísticos. Da sucursal de Brasília da Folha vieram cinco jornalistas, dentre os quais a diretora de Redação, Camila Mattoso.

Outra figura importante é Leandro Cipoloni, que foi um dos responsáveis pela criação da CNN Brasil, após passar anos na Record. Em frente às câmeras haverá jornalistas como Celso FreitasAmanda Klein, Raquel Landim e comentaristas, como a médica Ludhmila Hajjar e o ex-diretor do Banco Central Luiz Fernando Figueiredo.

Fábio Faria é filiado ao Progressistas. Líder de implantação do SBT News, além de genro de Silvio Santos, tem pedigree e currículo. Foi ministro das Comunicações do governo Jair Bolsonaro (PL) entre 2020 e 2022. Antes, foi deputado federal por quatro mandatos, tendo passado pelo PMN e pelo PSD, para então ir para o PP, em 2022. Ocupa ainda o cargo de gerente sênior de relacionamento do BTG Pactual há dois anos —o banco é um dos patrocinadores do canal.

Ele é filho de Robinson Faria, que foi governador do Rio Grande do Norte entre 2015 e 2019, então no PSD, mas que não se reelegeu. Hoje é deputado federal pelo PL.

"O jornalismo não pode apenas ser arma política", disse Faria, no evento de sexta. "Espero que tenhamos muito bom senso, muito discernimento para que a gente possa ajudar no bom jornalismo."

"O SBT não tem partido, o SBT não tem lado. Eu acho que a presença de todos vocês aqui hoje, de todas as autoridades aqui presentes, mostra muito o que é o SBT", disse. "E o lado do SBT News vai ser o lado do SBT, que é o Brasil."