segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Carta para Fernanda Torres: um Oscar pela democracia, FSP


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Jamil Chade


Querida Fernanda Torres,


A cultura tem tido, ao longo da história, um papel decisivo na transformação de sociedades. Movimentos artísticos criaram a base de uma conscientização popular, poemas mobilizaram a resistência francesa, canções embalaram a onda pacifista no Ocidente.


Hollywood, sem qualquer segredo ou constrangimento, foi uma arma da construção da ideia da "excepcionalidade" americana, com um profundo impacto numa sociedade que foi orientada a acreditar que tem uma suposta missão no planeta. Também foi, com produções extraordinárias, uma plataforma para denunciar o nazismo e outros crimes.


Hoje, a democracia vive uma encruzilhada, com uma parcela do mundo tomada por campanhas que relativizam o estado de direito, sugerem a ideia intervenções militares, o estabelecimento de uma "ditadura só por um dia", como no caso de Donald Trump, ou o desmonte das conquistas das mulheres em seu longo e absurdo caminho pela emancipação.


Hoje, cabe a cada um de nós uma reavaliação profunda de nossos papéis sociais e assumir que nossa geração será cobrada pela história quando, no futuro, perguntarem onde estavam aquelas pessoas enquanto avanços obtidos ao longo de séculos eram ameaçados.


O teu lugar nós já sabemos qual será: a do Oscar da democracia.


Em "Ainda estou aqui", você não é apenas nossa história ou a atriz que encarna o papel de uma mulher extraordinária, sem derramar uma só gota de lágrima. Você coloca no centro da sala o debate sobre o que ocorre com uma família quando a arbitrariedade do autoritarismo vinga.


E, hoje, isso dispensa tradução em línguas estrangeiras. Numa das apresentações do filme, em Roma, a atriz italiana Valeria Golino, que abriu as cortinas do teatro, destacou como aquelas cenas de uma família atravessada pela suspensão das garantias mais fundamentais e do direito à vida poderiam ser de "todos nós".


De fato, elas são.


Num mundo onde a extrema direita avança, onde a desinformação passou a ser um instrumento legítimo de poder e o espaço cívico encolhe, "Ainda estou aqui" é uma declaração de amor à resistência e à construção da democracia por cada um de nós.


Ao percorrer cidades no exterior para a estreia do filme, você e Walter Salles estão mandando uma mensagem poderosa ao mundo de que, numa democracia, a anistia não é o caminho para a paz social. Os criminosos estão vivos, assim como a impunidade. Um dos torturadores chegou a receber 26 medalhas ao longo de sua carreira militar. O outro foi condecorado com a Medalha do Pacificador. Juntos, os responsáveis por aqueles atos custam aos cofres públicos mais de 1 milhão de reais por ano em pensões.


Em cada sessão que serve como uma espécie de antídoto à onda autoritária, vocês estão confrontando populistas, charlatães e vendedores de ilusão do século 21 ao afirmar que a democracia ainda está aqui. E que lutaremos por ela.


A resistência é a insistência de Eunice em fazer com que, diante do fotógrafo, todos estejam sorrindo. Algo insuportável aos movimentos autoritários.A resistência é nosso intransigente dever de memória, inclusive como homenagem a quem a perdeu.


Te escrevo, portanto, apenas para deixar meu modesto agradecimento, em forma de carta. E dizer que, olhando daqui de fora, constato como vocês transformaram o livro do querido Marcelo Rubens Paiva num enredo universal da liberdade, aquela palavra "que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique, e não há ninguém que não entenda".


Saudações democráticas, Jamil Chade


Link:  Carta para Fernanda Torres: um Oscar pela democracia https://noticias.uol.com.br/newsletters/jamil-chade/carta-para-fernanda-torres-um-oscar-pela-democracia.htm

O inelegível quer outro inelegível para governar o Rio, Alvaro Costa e Silva, FSP

 

Com a desculpa de agir em nome da liberdade ou da pátria, certos políticos se movimentam num reino independente, onde só a sua lei vale. Na hora de gerir o que na verdade é um negócio particular, não há diferença entre legalidade e ilegalidade. Comportam-se como gângsteres.

inelegibilidade, por exemplo, tornou-se uma virtude. Inelegível, mas insistindo em candidatar-se, Bolsonaro quer um companheiro de condição para governar o Rio a partir de 2027: Washington Reis, secretário de Transportes de Cláudio Castro. Este, por coincidência, está ameaçado de ficar inelegível e de ter o mandato cassado.

A imagem mostra um homem sorridente segurando um grande mapa em formato de folha, que parece representar um plano de área. Ele está em um evento ao ar livre, cercado por uma multidão de pessoas que observam. Algumas pessoas estão sorrindo e outras parecem atentas ao que está acontecendo. O ambiente é festivo, com tendas ao fundo.
Washington Reis (MDB) exibe planta de creche inaugurada em Duque de Caxias - Reprodução/Washington Reis no Instagram

Em 2016, Reis foi condenado no STF a sete anos de prisão por crime ambiental ao fazer um loteamento clandestino em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, seu reduto eleitoral. Apesar da sentença, não cumpriu pena. Ele diz ter meios jurídicos para derrubar o impeditivo, embora tenha sido obrigado a abandonar a chapa de Castro em 2022.

O currículo de escândalos enlaçando Reis impressiona. Três vezes prefeito da populosa Caxias, ele é uma espécie de Odorico Paraguaçu com práticas milicianas: suprimiu mata nativa e falsificou laudos para construir um cemitério.

Na pandemia transformou o município num laboratório de negacionismo. Afirmou que a cura do coronavírus viria das igrejas, que permaneceram abertas e lotadas. Ao contrair a doença, abandonou a cidade para tratar-se num hospital particular. Fez da imunização uma bagunça, chegando a aplicar vacinas em moradores. Com tanto know-how, virou o líder do grupo envolvido na falsificação de certificados da vacina de Covid-19 para Bolsonaro.

Reis —filiado ao MDB e alvo de operação da PF por suspeita de compra de votos nas eleições de 2024— é o candidato preferido de Flávio, o filho 01, do raivoso pastor Silas Malafaia e do ex-deputado federal Eduardo Cunha, aquele que passou um tempinho preso e hoje manda no Republicanos do Rio. O problema é o seu principal aliado, depois de Bolsonaro. Pesquisas contratadas pelo governo apontam que a popularidade de Cláudio Castro, principalmente na capital, despenca no abismo. O motivo é a segurança pública.

O NYTimes se rendeu a Dana White, por que isso importa ao Brasil?, Juliano Spyer, FSP

 O New York Times se dobrou à influência de Dana White, presidente do UFC, a principal organização a promover um esporte novo chamado artes marciais mistas (MMA). O episódio do podcast The Daily, do jornal, publicado em 2 de janeiro, reconhece a importância de White como um dos responsáveis pelo retorno de Trump à Casa Branca.

O CEO do Ultimate Fighting Championship, Dana White, fala durante um evento da campanha de Donald Trump, no Palm Beach Convention Center - Win Mcnamee - 6.nov.24/Getty Images via AFP

White é o empresário responsável por preencher a lacuna deixada pelo boxe como esporte de combate das massas. O podcast menciona, por exemplo, como o MMA reflete a identidade trabalhadora, para quem a sobrevivência é uma luta corporal contra as dificuldades cotidianas. E de como o UFC mobiliza também o perfil de empreendedores, pessoas que querem vencer e chegar ao topo.

A dedicação e a entrega do atleta de combate, que põe sua vida em risco ao competir, ressoa com essa audiência, descrita pelo Times como a "bolha masculina" ("manosphere" em inglês). Essa foi uma faixa demográfica preciosa na eleição nos EUA. Por meio da relação que White desenvolveu com criadores de conteúdo independentes, Trump se tornou conhecido por homens jovens desinteressados por política, inclusive negros e latinos.

Ao comparecer ao UFC 309, semanas após vencer a corrida presidencial, Trump não apenas demonstrou sua gratidão a White. Ele celebrou sua redenção política sendo recebido pela plateia como herói. A reação da audiência à entrada dele na arena causou tanto barulho e comoção que forçou os apresentadores a interromperem seu trabalho.

O perfil de White publicado pelo Times em abril e o episódio do The Daily destrincham a relevância que o UFC conquistou, a despeito da resistência ao esporte por parte da mídia tradicional e do deboche das elites cultas adeptas ao politicamente correto. Vale destacar, por exemplo, o envolvimento de White na campanha para "descancelar" a marca Bud Light, atacada por consumidores, especialmente nas camadas populares, após uma ação promocional com uma influenciadora trans.

E o que o Brasil tem a ver com tudo isso? Tem muito. O UFC foi fundado originalmente pelo lutador Rorion Gracie e o estilo de jiu-jitsu dos Gracie deu origem às artes marciais mistas. Alguns dos maiores nomes da organização, do passado e do presente, são brasileiros. Um ex-borracheiro e ex-alcoólatra do ABC paulista, Alex "Poatã" Pereira, foi eleito o atleta do ano de 2024.

Vale lembrar que, quando ainda era pré-candidato, o influenciador Pablo Marçal desafiou o ex-campeão de boxe Arcelino "Popó" Freitas para uma luta de exibição. Popó aceitou. Durante a campanha, Marçal participou do podcast do ex-lutador Fabrício "Vai Cavalo" Werdum, e mostrou que acompanha o esporte.

"Os Estados Unidos está tão suave que, se você tem alguma coisa de selvagem em você, tudo o que
existe hoje está ao seu alcance". A frase de White ajuda a refletir sobre Marçal, um novato na política que não levou a prefeitura de São Paulo por um fio de cabelo. Como Trump em 2020, agora ele enfrentará a Justiça. Ainda ouviremos falar dele.