segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

OPINIÃO - ROBERTO LUIS TROSTER A cegueira cambial, FSP

Roberto Luis Troster

Doutor em economia e consultor, é ex-economista-chefe da Febraban (Federação Brasileira de Bancos)

O ponto principal deste artigo é que a cotação da divisa norte americana é um problemão —e continuará a ser se não mudarem a política cambial. Apesar do nome de câmbio flexível, o regime cambial brasileiro é de câmbio volátil.

O câmbio flutuante é um regime em que a taxa de câmbio se ajusta automaticamente às condições da economia. As variações da produtividade do setor não financeiro em relação ao resto do mundo são compensadas com variações na taxa de câmbio. Há ajustes também em função da variação do diferencial entre as taxas de juros internas e as internacionais.

Na sexta (29), o dólar fechou em alta de 0,19%, a R$ 6,001, e a Bolsa subiu 0,84%, aos 125.667 pontos -Dado Ruvic/Reuteres - REUTERS

Neste ano, a taxa de câmbio oscilou 19,6% e, no último mês, 6,4%. Portanto, muito mais do que as variações da produtividade do setor não financeiro e do diferencial das taxas de juros. As oscilações dessa magnitude causam estragos consideráveis na economia.

Como as empresas estão abertas ao exterior, onde compram insumos, vendem produtos e concorrem com empresas de outros países, seu desempenho depende mais da taxa de câmbio do que das condições de produção. Agravando o quadro, a volatilidade da taxa cambial gera incertezas para empresários, que postergam decisões de investir e produzir.

Outro efeito é na credibilidade da equipe de governo. Como o preço do dólar é um termômetro imperfeito do desempenho da gestão econômica, a exacerbação da volatilidade alimenta inseguranças sobre os rumos na condução do país.

Banco Central do Brasil é o responsável pela execução da política cambial, incluindo a gestão das reservas internacionais. As diretrizes são estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. A volatilidade do câmbio aponta que há espaços para aprimoramentos na sua atuação. Além do problema da volatilidade, o custo da política cambial é elevado.

Desde 2011, o estoque de reservas internacionais está num patamar de US$ 360 bilhões, que correspondem a 23,5% da dívida bruta do governo. O custo de carregar as reservas é dado pela diferença entre a taxa de captação do Banco Central em reais e de aplicação em dólares. É superior a R$ 100 bilhões.

O balanço do Banco Central apontou um prejuízo de R$ 298 bilhões em 2022, superior ao déficit primário naquele ano e de R$ 114 bilhões em 2023, correspondente a 46% do déficit primário. Embora não seja incluído no cálculo do déficit, aumenta a dívida pública. Leia-se mais juros e menos recursos para investimentos.

Não há uma política cambial explícita. O Banco Central atua esporadicamente no mercado à vista de câmbio e no mercado futuro, com swaps cambiais [operação financeira que envolve a troca de variação cambial por uma taxa de juros previamente estabelecida], mantendo as reservas no mesmo patamar. A concepção é de que um volume elevado daria segurança ao investidor estrangeiro. O valor é considerado exagerado por analistas. Em 2011, o déficit em transações correntes era de U$ 83,6 bilhões e, no último ano, foi de U$ 21,7 bilhões.

A questão é o que fazer. Este articulista tem três propostas. A primeira, a mais urgente e a mais importante é mudar o paradigma cambial. Acabar com a cegueira cambial. A visão neomercantilista de gestão do câmbio apavora analistas preocupados com o futuro do Brasil.

A segunda é permitir contas em dólares para pessoas físicas e jurídicas em bancos no país. Daria mais estabilidade ao câmbio, ganhos ao fisco e mais eficiência ao mercado de divisas.

existência de contas em divisas em bancos locais não vai dolarizar a economia. Muitos países permitem contas em outras divisas e nem por isso têm que abandonar a moeda nacional. Para o governo, cada dólar em uma conta de um cidadão ou empresa significa uma redução da dívida bruta no mesmo montante.

A terceira medida é que o BC estabilize o câmbio explicitamente, fixando diariamente uma banda de, digamos, 0,2% (para cima e para baixo), operando no mercado à vista. Dessa forma, conseguirá resultados mais palpáveis utilizando menos recursos.

As mudanças propostas só dependem do Conselho Monetário Nacional e podem ser implantadas de imediato. É só querer.

Philip Yang e Tiago Cavalcanti Consertar (e concertar) enquanto é tempo, FSP

 Philip Yang

Fundador do Urbem (Instituto de Urbanismo e Estudos para a Metrópole)

Tiago Cavalcanti

Professor titular de economia da Universidade de Cambridge (Reino Unido) e da FGV-SP

Lançado na COP28, o Fundo Floresta Tropical para Sempre (FFTS) surge como solução para a conservação das florestas tropicais. O fundo tem o objetivo de utilizar seus rendimentos para recompensar países que mantêm florestas intactas e remunerar investidores —entre eles, governos, filantropias e privados. De acordo com o que foi noticiado na imprensa, o funcionamento do fundo ainda está em desenvolvimento.

A iniciativa tem méritos. O FFTS amplia o financiamento florestal ao incorporar mecanismos de mercado e rompe com abordagens anteriores ao focar na preservação das florestas com um pagamento de US$ 4 por hectare/ano de floresta em pé. No entanto, para que o projeto atinja seu potencial na COP30, em Belém, três questões merecem atenção: o valor do incentivo, a alocação do capital e a natureza do fundo.

Município de Trairão, no Pará, que enfrenta contaminação por mercúrio gerado no garimpo ilegal; Brasil quer incentivar a conservação da floresta amazônica por meio de novo fundo - Danilo Verpa/Folhapress

Primeiro, o valor. É evidente que florestas continuarão a ser destruídas enquanto atividades baseadas no desmatamento forem mais lucrativas do que as fundadas na preservação. O incentivo de US$ 4 por hectare/ano parece irrisório frente ao lucro gerado por atividades predatórias, que rendem entre US$ 50 e US$ 1.500 por hectare/ano. A boa notícia é que atividades agroflorestais sustentáveis, como a extração de castanha, óleos essenciais e o manejo de madeira, têm potencial de gerar até US$ 5.000 por hectare/ano.

Dado esse cenário, o foco deveria ser estimular empreendimentos que provem que a floresta em pé é lucrativa. Estranhamente, o FFTS, conforme veiculado, operaria como um fundo tradicional, aplicando recursos em carteira. não necessariamente focada nos territórios florestais.

Três ajustes seriam valiosos.

É essencial que os recursos sejam concentrados em projetos que beneficiem diretamente as florestas, cadeias de valor sustentáveis e empregos locais. Além disso, parte dos investimentos deve ir para as cidades florestais (amazônicas, no caso brasileiro) para que se tornem centros de inovação, provendo educação e infraestrutura para conexão dos produtos da floresta com o mercado global e gerando um círculo virtuoso de integração rural-urbana.

Outro ponto: a criação de rede de proteção florestal ao redor das áreas urbanas, alvos usuais de desmatamento. Florestas nas franjas urbanas podem ser transformadas em Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPN), regime eficaz de conservação privada no Brasil, que permite a condução de atividades econômicas.

A expansão das RPPNs a partir das cidades, baseadas em vilas produtivas, reunindo povos nativos e comunidades científicas, pode ser um trunfo para a bioeconomia e o combate ao desmatamento. Essas vilas poderão promover a formação de cidadãos e empreendedores comprometidos com a sustentabilidade, num tecido de integração campo-cidade que valoriza a floresta em pé como um ativo essencial para a vida.

Por fim, a natureza do fundo precisa ser repensada. Para garantir a preservação das florestas "para sempre", o FFTS deve se afastar da lógica dos ciclos dos fundos tradicionais. Deve se posicionar como um fundo perpétuo, integrado por cotistas permanentes, onde o retorno do investimento não será medido no ciclo curto, mas pela perpetuidade e robustez de seus rendimentos de longo prazo. Afinal, a verdadeira riqueza do FFTS está na preservação ambiental que deixará para as futuras gerações.