quinta-feira, 25 de julho de 2024

Ataques misóginos e racistas contra Kamala Harris sugerem desespero, Lucia Guimarães - FSP

 A intensidade dos ataques misóginos e racistas contra Kamala Harris surpreende até os pessimistas observadores da política americana. A eleição, até há dias definida pela idade avançada de dois homens brancos, virou a disputa de um idoso declarado culpado de estuprar uma jornalista contra a filha de um economista jamaicano e de uma cientista indiana que, à época em que foi promotora, colocou vários patifes como Trump na cadeia.

Sem noção de vergonha, sentimento hoje extinto entre a ultradireita, os capangas de Donald Trump e seus simpatizantes da mídia escolheram a nova Geni e começaram a apedrejar a vice-presidente com insultos de cunho sexual e étnico.

A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, acena para a imprensa ao embarcar de Indianapolis, em Indiana, para Houston, no Texas, onde deve participar de um evento de campanha - Kamil Krzaczynski - 24.jul.24/AFP

Ela teria dormido com poderosos para chegar ao topo (mentira: Harris namorou publicamente o ex-prefeito de San Francisco quando ele já estava divorciado da mulher); a advogada, duas vezes vencedora da difícil eleição para procuradora-geral do estado quase nação da Califórnia que, em seguida, elegeu-se senadora, teria virado vice de Joe Biden como uma empregada DEI (acrônimo para diversidade, equidade e inclusão); a nativa californiana não poderia se eleger presidente porque seus pais nasceram no exterior (a Constituição garante: qualquer pessoa nascida nos EUA pode se candidatar). Repetir o "birtherismo" que tentaram com Obama, nascido no Havaí, parece desespero.

A hostilidade havia começado já na campanha Biden-Harris de 2020, e o vice da chapa de Trump deixou uma trilha de migalhas de pão digitais para provar.

Como J.D. Vance é o candidato a vice mais impopular desde 1980, é possível que ele tire mais jovens e minorias de casa para votar contra republicanos arrotando chocalhos raciais como acusar a democrata de "não sentir gratidão" por viver nos Estados Unidos. Um eleitor negro ouve esse comentário e arrasta até a avó de 90 anos para as urnas.

Como o destrambelhado Trump sofre de incontinência verbal e seu vice é um consumado lambe-botas, ambos não param de facilitar novos comerciais da campanha democrata. Nesta semana, Trump anunciou triunfal num comício que "Kamala não será a primeira mulher presidente". Ele erra a pronúncia —Kâmala— e se refere a ela como Kamála para humilhá-la pela origem imigrante. E ainda arrematou, "não vamos ter uma presidente socialista, especialmente se for mulher".

Um vídeo ridículo de J.D. Vance voltou a circular, no qual ele diz que a nova geração democrata, mencionando nominalmente Harris, a deputada latina Alexandria Ocasio-Cortez e o secretário de Transportes gay Pete Buttigieg, não passa de um bando de estéreis criadoras (no feminino) de gatos.

Harris tem dois enteados com o marido Doug Emhoff, Buttigieg adotou gêmeos e Ocasio-Cortez está noiva.

O fato é que 2024 não é 2016, quando Hillary Clinton enfrentou uma artilharia de misoginia escatológica como nenhuma outra política de projeção nacional nos EUA. Foi a campanha do áudio em que Trump se vangloriou de agarrar as mulheres pela vagina. Nestes oito anos, as mulheres americanas se organizaram melhor, disputaram e venceram mais eleições e estão em pé de guerra contra a volta da criminalização do aborto, cortesia da jurássica Suprema Corte.

Kamala Harris espera a baixaria que virá nos próximos cem dias. Mas uma filha de imigrantes, escoltada ainda criança para a escola no fim da segregação racial, não vira promotora se fica facilmente intimidada.

quarta-feira, 24 de julho de 2024

Uma corte do gás loteou o Brasil como capitanias hereditárias, diz ministro, FSP

 O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, decretou guerra contra grandes grupos privados que operam no mercado de gás, considerado fundamental para o desenvolvimento de setores da indústria intensivos em energia.

Em evento ocorrido em Sergipe nesta quarta, Silveira declarou existir um Tratado de Tordesilhas no mercado, uma referência histórica à divisão territorial feita na América do Sul entre Portugal e Espanha.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, durante entrevista à Folha em seu gabinete - Pedro Ladeira/Folhapress

Para ele, os grupos obtêm retornos elevados demais e, para acertar isso, é preciso separar os elos dessa cadeia de fornecimento para evitar que os consumidores fiquem nas mãos de poucos grupos.

No alvo de Silveira estão grupos do Nordeste, Sudeste e grandes investidores do mercado financeiro com participação em térmicas.

Para derrubar o preço e evitar a concentração, o ministro quer separar o serviço de distribuição da venda da molécula e regular o transporte, dando mais clareza ao que é o escoamento da plataforma de exploração dos poços até os pontos de armazenamento e, dali, até os polos de distribuição das companhias.

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Na sua avaliação, não faz sentido as distribuidoras de gás estaduais terem um retorno tão elevado, dado o baixo risco do negócio e isso se deve à falta de regulação.

Para corrigir o problema, Silveira pretende lançar o Pacto Nacional para o Desenvolvimento do Mercado de Gás Natural.

"Infelizmente, uma corte do gás loteou o Brasil como se as regiões fossem capitanias hereditárias", disse o ministro no evento. "Criaram ilhas do gás, com preços abusivos, que levaram o setor a uma espiral da morte."

As taxas de retorno dos investimentos das distribuidoras devem ser compatíveis com o risco do negócio, que é baixo.

Com Diego Felix

Os riscos de passar muito tempo sentado, BBC News, FSP

 Annabel Bourne

BBC FUTURE

Em 1953, o epidemiologista Jeremy Morris descobriu que os motoristas de ônibus de Londres tinham mais que o dobro de chance de desenvolver doença cardíaca coronária que os cobradores.

Demograficamente (em idade, sexo e faixa de renda) os dois grupos de trabalhadores eram iguais. Então por que a diferença tão significativa?

Resposta de Morris: os cobradores de ônibus eram obrigados a ficar de pé e a subir regularmente os degraus dos icônicos ônibus de dois andares de Londres vendendo passagens, enquanto os motoristas permaneciam sentados por longos períodos.

Acredita-se que ficar sentado por um longo período após uma refeição rica em gordura seja especialmente prejudicial - Getty Images

O estudo estabeleceu as bases para a pesquisa sobre a relação entre atividade física e saúde coronária.

Embora os cobradores de ônibus de Londres sejam hoje coisa do passado, os resultados de Morris são mais relevantes do que nunca.

pandemia da Covid-19 estimulou o trabalho em casa, o que provavelmente aumentou o tempo que passamos sentados.

Sem as idas para pegar água e a caminhada para trocar de sala entre uma reunião e outra, é fácil passar horas sentado atrás de uma mesa sem se levantar.

(A cultura do escritório, no entanto, já havia mudado tanto nossas vidas profissionais na década de 1980 que alguns pesquisadores brincaram que nossa espécie havia se tornado Homo sedens —o "homem sentado"— em vez de Homo sapiens.)

Ficar sentado por períodos prolongados é uma forma de comportamento sedentário que reduz bastante o gasto energético.

Entre os comportamentos sedentários típicos estão assistir televisão, jogar, dirigir e trabalhar em uma mesa.

Comportamentos sedentários estão associados a um maior risco de doenças cardiovasculares, de diabetes tipo 2 e morte prematura, e o tempo que passamos sentados em particular foi identificado como um fator de risco independente em uma série de condições de saúde.

Em 2020, a OMS (Organização Mundial da Saúde) sugeriu medidas para reduzir o comportamento sedentário.

Desde 2010, pesquisadores têm se esforçado para apontar que o comportamento sedentário é diferente da falta de atividade física.

Você pode fazer uma quantidade suficiente de exercícios por dia e ainda assim ficar sentado por muito tempo. No entanto, os riscos do comportamento sedentário são maiores para aqueles que não se exercitam o suficiente.

Por que o comportamento sedentário aumenta o risco de doença cardiovascular? A hipótese primária é o aumento da disfunção vascular, particularmente nas pernas.

O sistema vascular é responsável por manter o sangue e o fluido linfático —que faz parte do sistema imunológico— movendo-se pelos vasos sanguíneos.

David Dunstan, fisiologista do Instituto de Atividade Física e Nutrição da Universidade Deakin, em Melbourne, Austrália, pesquisou extensivamente os efeitos de ficar sentado por muito tempo e possíveis intervenções.

"O sentar é caracterizado por uma redução na atividade muscular", diz Dunstan. "Se estou em uma cadeira, a cadeira está assumindo toda a responsabilidade."

O efeito combinado de atividade muscular reduzida, menor demanda metabólica e forças gravitacionais diminui o fluxo sanguíneo periférico para os músculos das pernas.

A biomecânica de sentar, com as pernas geralmente dobradas, também pode reduzir o fluxo sanguíneo.

A atividade muscular reduzida dos músculos das pernas reduz a demanda metabólica delas, que é o principal determinante do fluxo sanguíneo. E assim o fluxo sanguíneo nas pernas também é reduzido.

O fluxo sanguíneo normal fornece atrito, conhecido como estresse de cisalhamento arterial, contra as células endoteliais que revestem as paredes dos vasos sanguíneos. O endotélio responde a essa força e secreta vasodilatadores, como adenosina, prostaciclina e óxido nítrico, que mantêm os vasos suficientemente dilatados e mantêm a capacidade do sistema vascular de se auto-regular —conhecido como homeostase.

O fluxo sanguíneo reduzido, no entanto, reduz o estresse de cisalhamento, e o endotélio produz vasoconstritores como a endotelina-1, que causam o estreitamento dos vasos sanguíneos. Em um ciclo vicioso, a vasoconstrição reduz ainda mais o fluxo sanguíneo, e a pressão arterial sobe para manter o sangue em movimento. A pressão alta, ou hipertensão, é um dos principais fatores de risco para doenças cardiovasculares.

"Esse é (disfunção vascular) um dos mecanismos potenciais", diz Dunstan. "Mas a verdade é que não conseguimos identificar os mecanismos exatos, e é provável que haja múltiplos."

Embora os mecanismos subjacentes sejam hipotéticos, estudos recentes apoiam a teoria. Um estudo com 16 homens jovens e saudáveis descobriu que ficar sentado por períodos de três horas aumentou o acúmulo de sangue nas pernas, a resistência vascular periférica, a pressão arterial diastólica e a circunferência das pernas. Outro estudo descobriu que a pressão arterial aumenta com o tempo gasto sentado ininterruptamente. Os pesquisadores geralmente concordam que 120-180 minutos passados ininterruptamente sentados é provavelmente o limite de tempo, mas a disfunção vascular geralmente aumenta com o tempo gasto sentado.

Acredita-se que ficar sentado por um longo período após uma refeição rica em gordura seja especialmente prejudicial.

O sistema músculo-esquelético também pode ser afetado. Ficar sentado por períodos prolongados contribui para a redução da força muscular, menor densidade óssea e aumento da gordura total e visceral no tecido adiposo. Além disso, ficar sentado por muito tempo está associado a desconforto físico, estresse no trabalho e maior depressão, e pode até levar a úlceras de pressão.

Dunstan, especialista em pesquisas sobre o diabetes tipo 2, também observa que o comportamento sedentário aumenta a elevação na glicemia e na insulina pós-refeição, ou pós-prandial. E sensibilidade à insulina e função vascular prejudicadas contribuem para um risco maior de doença cardiovascular e diabetes tipo 2.

Dadas todas as potenciais consequências já bem conhecidas, por que ficamos tanto tempo sentados? E podemos mudar esse hábito?

"Acho que as pessoas estão se tornando mais sedentárias porque é isso que a sociedade incentiva", diz

Benjamin Gardner, um psicólogo social especializado em comportamento habitual na Universidade de Surrey, que pesquisa por que as pessoas ficam sentadas por tanto tempo, explica: "Não é que alguém esteja forçando isso deliberadamente. É que, à medida que as coisas ficam mais eficientes, não precisamos nos movimentar tanto."

Em 2018, Gardner e colegas descobriram que incentivar a permanência em pé nas reuniões apresentava obstáculos sociais únicos .

"Nós encorajamos as pessoas a tentar isso (ficar de pé) em três reuniões diferentes, e as entrevistamos depois para descobrir como se saíram, e as descobertas foram fascinantes", diz Gardner. "Em uma reunião formal, sentiu-se que não era apropriado ficar de pé."

Outras intervenções incluem estações de trabalho com altura ajustável, cadeiras para sentar/ficar em pé, estações de trabalho em esteira e agitação das pernas, o que melhora o fluxo sanguíneo.

Também foi demonstrado que levantar-se de vez em quando e fazer uma caminhada leve ou subir algumas escadas traz benefícios.

E a tecnologia que usamos, como relógios inteligentes, também pode ajudar a nos levar à ação. Em um novo estudo promissor, dispositivos chamados acelerômetros forneceram 24 horas de dados sobre padrões de comportamento individuais, incluindo sentar, ficar em pé, dormir e se exercitar. Como Dunstan apontou, isso potencialmente permite tempos ideais de sentar e ficar em pé, com dispositivos enviando lembretes automáticos sempre que ficamos sentados por muito tempo. No entanto, o uso da tecnologia não é isento de desvantagens, pois alguns podem ficar frustrados ou insensíveis aos avisos.

Acima de tudo, Gardner e colegas incentivam a alternar entre sentar e ficar de pé com mais frequência. A premissa de quebrar o tempo sedentário apenas ficando em pé é simples, mas tem benefícios significativos para a saúde, particularmente para indivíduos de baixa atividade. Para usuários de cadeira de rodas ou outros com restrições de mobilidade, exercícios específicos e adaptados podem trazer benefícios.

Para muitos, o comportamento sedentário pode parecer uma consequência inevitável da vida e do trabalho modernos. Mas mesmo pequenas mudanças na rotina —seja alongar-se mais, ficar inquieto ou ficar de pé para fazer uma xícara de chá— podem ajudar a quebrar o hábito de ficar sentado.

Este texto foi publicado originalmente aqui.