quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

PT e PL lideram pré-candidaturas de parlamentares a prefeituras em 2024, FSP

 Victoria Azevedo

BRASÍLIA

Impulsionados pela popularidade do presidente Lula (PT) e do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o Partido dos Trabalhadores e o Partido Liberal têm o maior número de deputados federais que se colocaram como pré-candidatos às eleições municipais de 2024.

A relação dos nomes de cada legenda ainda deverá passar por alterações, uma vez que nem todos potenciais candidatos se colocaram na disputa nem ocorreram todas as conferências partidárias.

Além disso, algumas pré-candidaturas não deverão ser levadas adiante em meio às negociações e alianças que poderão ser firmadas regionalmente.

Segundo levantamento da Folha feito a partir de informação dos próprios partidos, 48 dos 513 deputados foram listados como pré-candidatos. Um senador, Eduardo Girão (Novo-CE), também pretende participar das eleições.

Fachada do Congresso Nacional, em Brasília
Fachada do Congresso Nacional, em Brasília - Leonardo Sá - 6.jul.23/Agência Senado

Além de terem Lula e Bolsonaro como referências, PL e PT têm as duas maiores bancadas da Câmara —são 95 e 68 deputados, respectivamente.

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Do total de deputados pré-candidatos, 36 são de siglas que integram a base do presidente Lula, sendo que 2 deles atuam como vice-líderes do governo na Câmara: Alencar Santana (PT-SP), que deve disputar o comando de Guarulhos (SP), e Rogério Correia (PT-MG), que mira a Prefeitura de Belo Horizonte.

O PT deverá contar com 10 deputados nas corridas municipais, enquanto o PL terá 9 parlamentares. Eles são seguidos por PSD (5 deputados), União Brasil (5), PDT (3), MDB (3), PSB (3), PSOL (3), PSDB (2), Republicanos (2), Cidadania (1), PV (1) e Rede (1).

PP, Avante, Patriota, Solidariedade e Podemos afirmaram à Folha ainda não ter uma lista definida. O PC do B não deve ter candidatos.

As eleições municipais exercem influência direta no cotidiano parlamentar. Isso porque muitos deputados são eleitos com apoio de prefeitos, que, por sua vez, dependem do envio de emendas dos parlamentares para realização de obras nos municípios, além das transferências especiais (quando o recurso é enviado sem que se destine a um projeto específico).

Além disso, historicamente a Câmara fica mais esvaziada durante o processo eleitoral, com os deputados focados em atuar em seus redutos.

Segundo o levantamento, haverá embates entre esses deputados em sete municípios até o momento.

A disputa pela Prefeitura de São Paulo é a que deverá mobilizar o maior número de deputados federais: Guilherme Boulos (PSOL), Ricardo Salles (PL), Tabata Amaral (PSB) e Kim Kataguiri (União Brasil).

Boulos conta com o apoio do PT e de Lula, após ter desistido de concorrer ao governo do estado em 2022, para apoiar o então candidato Fernando Haddad, atual ministro da Fazenda.

Em troca, o PT deverá ficar com a vaga de vice na chapa. A campanha do psolista aposta na atuação do chefe do Executivo como cabo eleitoral para impulsionar a candidatura.

Já Salles, ex-ministro do Meio Ambiente de Bolsonaro, chegou a afirmar que não seria mais candidato após a direção do PL indicar apoio ao atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB), que buscará a reeleição. O partido não listou o nome de Salles à Folha como um de seus pré-candidatos.

Depois de voltar atrás da decisão, Salles agora deverá se filiar a algum partido para viabilizar sua candidatura. Apesar de gestos de Bolsonaro a seu ex-ministro no fim de 2023, o presidente do partido, Valdemar Costa Neto, disse em dezembro que tanto a legenda como o ex-chefe do Executivo irão apoiar a reeleição de Nunes.

Já Tabata deverá ter o apoio na disputa do vice-presidente, Geraldo Alckmin (PSB). Ela negocia para que o apresentador José Luiz Datena seja seu vice —ele se filiou à legenda.

Kataguiri, por sua vez, não tem um padrinho político específico. Ele teve sua pré-candidatura lançada durante o congresso nacional do MBL (Movimento Brasil Livre), em novembro.

Segundo George Avelino, professor de ciência política da FGV, a polarização política entre Lula e Bolsonaro pode ter efeito nas eleições municipais de grandes cidades, mas não necessariamente em todos os municípios.

"Se você entrar na disputa apoiado por Lula ou Bolsonaro você vai levar vantagem em determinado município. Mas os pequenos estão querendo eleger pessoas que tenham padrinhos, deputados, que possam ajudar, já que dependem muito das transferências [de recursos]", afirma.

"Os eleitores estão pensando mais pragmaticamente, quem é mais capaz de melhorar a minha vida. O prefeito está ali do lado, pode te ajudar, o presidente está longe", completa o professor.

Segundo dados do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), 123 parlamentares (122 deputados e 1 senador) tinham se apresentado como pré-candidatos nas eleições de 2020. Ao final, ainda segundo o levantamento, 59 deputados e 2 senadores confirmaram suas candidaturas para o cargo de prefeito. Desses, 12 deputados foram eleitos em 2020.

Das 48 pré-candidaturas listadas até o momento para 2024, somente 9 são de mulheres. Esse cenário de sub-representatividade se reflete na própria Câmara: nesta legislatura, são 91 mulheres entre as 513 cadeiras.

Historicamente, há uma baixa representatividade em cargos eletivos nos Poderes Legislativo e Executivo no Brasil, assim como nos postos de lideranças de partidos políticos, apesar de as mulheres serem maioria da população.

Única mulher a integrar a mesa diretora da Câmara, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) é pré-candidata à Prefeitura de Porto Alegre. Ela afirma que a violência política de gênero ainda afasta mulheres do exercício político e que há um "desrespeito muito grande às mulheres na vida política nacional".

"Só há uma candidatura a prefeito ou prefeita para cada partido na cidade. A escolha de uma mulher é ainda uma ousadia na vivência partidária, é preciso superar muitas barreiras", afirma. Rosário diz que tenta construir uma aliança com outros partidos políticos, entre eles o PDT e a federação PSOL-Rede, e movimentos sociais e populares.

Para Fernando Rodolfo (PL-PE), que pretende se candidatar na cidade de Caruaru, o cenário consolida seu partido nacionalmente, e a polarização se tornou inevitável —pelo menos em sua região.

"As eleições em Caruaru sempre foram polarizadas, e em 2024 não vai ser diferente", afirmou.

"Somos a única candidatura que vem se apresentando no campo da direita, enquanto as demais são ligadas à esquerda, inclusive o prefeito. O PL alcançou um resultado excepcional nas urnas em 2022, se tornando o maior partido do Brasil, e agora vamos confirmar isso, elegendo mais de mil prefeitos", completou.


VEJA LISTA DE PRÉ-CANDIDATOS

PT

  • Alencar Santana - Guarulhos (SP)
  • Denise Pessôa - Caxias do Sul (RS)
  • Dimas Gadelha - São Gonçalo (RJ)
  • Maria do Rosário - Porto Alegre (RS)
  • Rogério Correia - Belo Horizonte (MG)
  • Waldenor Pereira - Vitória da Conquista
  • Washington Quaquá - Maricá (RJ)
  • Adriana Accorsi - Goiânia (GO)
  • Natália Bonavides - Natal (RN)
  • Zé Neto - Feira de Santana (BA)

PL

  • Sargento Gonçalves - Natal (RN)
  • Fernando Rodolfo - Caruaru (PE)
  • Capitão Augusto - Bauru (SP)
  • Rosana Valle - Santos (SP)
  • Delegado Ramagem - Rio de Janeiro (RJ)
  • André Fernandes - Fortaleza (CE)
  • Gustavo Gayer - Goiânia (GO)
  • Marcos Pollon - Campo Grande (MS)
  • Abílio Brunini - Cuiabá (MT)

PSD

  • Ricardo Silva - Ribeirão Preto (SP)
  • Ricardo Guidi - Criciúma (SC)
  • Luisa Canziani - Londrina (PR)
  • Josivaldo - Imperatriz (MA)
  • Delegada Katarina - Aracajú (SE)

União Brasil

  • Coronel Ulysses - Rio Branco (AC)
  • Paulinho Freire - Natal (RN)
  • Nicoletti - Boa Vista (RR)
  • Busato - Canoas (RS)
  • Kim Kataguiri - São Paulo (SP)

MDB

  • Otoni de Paula - Rio de Janeiro (RJ)
  • Fabio Teruel - Osasco (SP)
  • Rafael Brito - Maceió (AL)

PDT

  • Duda Salabert - Belo Horizonte (MG)
  • Marcos Tavares - Duque de Caxias (RJ)
  • Max Lemos - Queimados (RJ)

PSB

  • Luciano Ducci - Curitiba (PR)
  • Duarte Jr. - São Luís (MA)
  • Tabata Amaral - São Paulo (SP)

PSOL

  • Guilherme Boulos - São Paulo (SP)
  • Tarcísio Motta - Rio de Janeiro (RJ)
  • Talíria Petrone - Niterói (RJ)

PSDB

  • Beto Pereira - Campo Grande (MS)
  • Daniel Trzeciak - Pelotas (RS)

Republicanos

  • Ricardo Ayres - Palmas (TO)
  • Antonio Andrade - Porto Nacional (TO)

PV

  • Aliel Machado - Ponta Grossa (PR)

Cidadania

  • Alex Manente - São Bernardo do Campo (SP)

Novo

  • Senador Eduardo Girão - Fortaleza (CE)

Rede

  • Túlio Gadelha - Recife (PE)

Conrado Hübner Mendes - Tarcísio quer ver pobre morrer mais, FSP

 "Qual a efetividade da câmera corporal na segurança do cidadão? Nenhuma."

Tarcísio de Freitas não é burro, nem cínico, nem charlatão. É apenas mais um governador paulista, com dinheiro no banco, em tom tecnocrático, resumindo a política de segurança pública brasileira: matar pobres, preferencialmente pretos. E crianças por bala "perdida", código para irresponsabilização do Estado gravado com sangue na cartilha retórica da polícia.

Enquanto outros governadores falavam "quem não reagiu está vivo" e "a polícia vai atirar para matar", Tarcísio adota o idioma da efetividade. Só faltou revelar para qual fim. Câmeras corporais instaladas em uniformes policiais dificultam o projeto histórico de "efetividade" da letalidade.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas - Adriano Machado - 6.dez.22/Reuters

Desde o "Programa Olho Vivo" para adoção de câmeras corporais, a redução da letalidade policial tem sido da ordem de 75%, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A transparência faz a polícia menos efetiva em matar, mais efetiva em prover segurança.

Difícil imaginar número tão superlativo em qualquer política pública, em qualquer nível da federação, em período tão curto, pela adoção de um simples dispositivo tecnológico. Além de diminuir mortes, protege policiais corretos contra acusações de abuso e contribui na investigação de crimes.

Essa política virtuosa começa a despencar quando se deflagra, em julho de 2023, a "Operação Escudo" na Baixada Santista. Desenhada para reagir à morte de um policial, a operação matou 30 civis, a mais mortal desde o massacre do Carandiru. Subterfúgios foram invocados para não se utilizar câmeras de forma adequada.

Investigações dos eventuais crimes, na melhor tradição do autoritarismo brasileiro, dispõem dos depoimentos dos próprios policiais. Quando muito, dos testemunhos amedrontados, sob ameaça de morte, de familiares de vítimas.

O Instituto Sou da Paz mostrou que, em três meses da Operação Escudo, o estado de São Paulo registrou aumento de 41% da letalidade policial, comparado a 2022. Foram 153 mortes registradas em 92 dias. Tarcísio desconversa sobre a efetividade das câmeras para proteção de vidas.

A Defensoria Pública ajuizou ação civil pública para exigir uso de câmeras em operações desse tipo.

O juiz Renato Augusto Maia acolheu o pedido. O governo recorreu ao TJ-SP. O presidente do tribunal, Ricardo Anafe, numa canetada de "suspensão de segurança" (dispositivo pré-constitucional do autoritarismo magistocrático), derrubou a decisão. Seu argumento papagueou a alegação orçamentária do governo, segundo o qual a adoção de câmeras exigiria gasto excessivo e não previsto.

Nas palavras de Anafe: "À luz das razões de ordem e economia públicas, ostenta periculum in mora inverso de densidade manifestamente superior àquela".

Se você não entendeu o palavrório desse português estrangeiro, não se preocupe. Ele não é feito para o entendimento, mas para o ofuscamento. Ele não argumenta, apenas grita. Não explica o cálculo do "manifestamente superior", apenas afirma de dedo em riste. Não desconfia da alegação orçamentária, apenas dá uma piscadela. Sequer pergunta se a aquisição de novas câmeras era necessária para a operação.

Análise orçamentária da Plataforma Justa indica que não há escassez de recursos para investimento em câmeras, mas escolha consciente e disfarçada por política contra transparência.

Em 2022, o valor empenhado para câmeras foi de R$ 69 milhões, 0,47% do orçamento das polícias. Só em "créditos adicionais", o orçamento policial recebeu R$ 885 milhões. Em "publicidade institucional", foram gastos R$ 104 milhões.

Segundo o governo de Tarcísio, o "Programa Olho Vivo" teria sido incorporado pelo "Programa Muralha Paulista", mas não especifica que lugar câmeras corporais terão nessa política.

A linguagem da história toda se destaca pela cruel literalidade. O TJ "suspende a segurança" do programa "olho vivo" que, depois da operação "escudo", é incorporado pela operação "muralha".

Muralhas e escudos têm sido historicamente interpostos para suspender qualquer segurança de comunidades vulneráveis.

E por que polícias resistem a mecanismos de transparência que não afetam sua capacidade operacional? Responder essa pergunta é a grande encruzilhada da política de segurança pública no Brasil.

O Sobrevivente (Carlos Drummond de Andrade), do Blog as travessias

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda
falta muito para atingirmos um nível ra-
zoável de cultura. Mas até lá, felizmente,
estarei morto.

Os homens não melhoraram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heroicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)