domingo, 8 de outubro de 2023

O Congresso e o STF brigam por nada O Supremo mudou, para pior , Elio Gaspari, FSP

 O Senado, a Câmara e o Supremo Tribunal Federal estão em pé de guerra. O pomo da discórdia é a defesa das prerrogativas constitucionais de cada instituição. Visto assim o conflito teria uma essência saudável. É triste, mas nessa elegante embalagem está embrulhada uma vulgar luta pelo poder, demarcação de território.

O Supremo atravessa linhas que, a juízo do Congresso, exorbitam sua competência. Para conter esse avanço, senadores querem mutilar as atividades do tribunal. Caso clássico de briga de antropófago com canibal.

O presidente Lula (PT) e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), em cerimônia de posse do ministro Luís Roberto Barroso como presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) em Brasília
O presidente Lula (PT) e o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), em cerimônia de posse do ministro Luís Roberto Barroso como presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) em Brasília - Pedro Ladeira - 28.set.23/Folhapress

Uma coisa é certa. Comparando-se o Congresso e o Supremo de hoje com as mesmas instituições no dia em que foi promulgada a Constituição, há 35 anos, o Senado e a Câmara pioraram. Quem mudou mais, para pior, foi o Supremo.

Duas provas disso:

Uma, de alto nível, é a frequência com que a corte decide uma coisa e, depois, o seu contrário.

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Outra, de baixo nível, é a frequência com que alguns ministros têm seus nomes associados a disputas por vagas na magistratura com o desembaraço de cabos eleitorais. O pior é que esses poderosos padrinhos não se incomodam com a exposição.

UMA IDEIA VELHA PARA A SEGURANÇA

Uma ideia para quem quiser acreditar numa contribuição para a segurança pública brasileira, sem perder tempo com o blá-blá-blá de prefeitos, governadores e ministros.

Cria-se uma fundação de direito privado, financiada por empresas ou pessoas físicas. Ela pode ser municipal ou estadual. Associam-se à fundação os policiais civis ou militares que quiserem fazê-lo.

Ela subsidiará habitações e educação para os associados e suas famílias. Poderá também conceder empréstimos.

Se a iniciativa sobreviver, ela poderá até complementar a aposentadoria do policial. O associado que for denunciado por qualquer infração será gentilmente desligado da entidade.

Iniciativas vagamente semelhantes existem nos Estados Unidos. Algumas deram certo, outras não.

Essa fundação, ou outro organismo privado, pode ter qualquer desenho, a ideia básica é colocar um novo agente na cena. Até porque, desde 1988, a única novidade surgida foram as milícias.

EQUIPAMENTOS E POLÍCIA

Graças aos equipamentos colocados à disposição da polícia do Rio de Janeiro, ela descobriu que o carro usado pelos assassinos de três médicos que estavam na avenida Lúcio Costa, na Barra da Tijuca, foi para a Cidade de Deus. Outro equipamento interceptou um telefonema que poderia ter dado a localização das vítimas. Tudo isso em menos de 24 horas.

Patrulha perto do hotel da avenida Lúcio Costa nem pensar.

JOGO PERIGOSO

As centrais sindicais precisam pensar na vida.

Com uma das mãos armam o retorno do imposto sindical com outro nome. Com outra, o sindicato dos metroviários de São Paulo deflagrou uma greve contra a privatização da empresa, azucrinando a vida de milhões de pessoas.

Quem faz greve política não pode reclamar se, politicamente, o troco vier na próxima eleição.

Elio Gaspari - Nomeação de Dino ao STF se arrisca a derreter, FSP

 Se a nomeação do doutor Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal não sair nas próximas semanas, ela se arrisca a derreter como sorvete na praia.

Dino foi um correto magistrado e governador do Maranhão. Chegou ao Ministério da Justiça com uma biografia invejável, mas entrou na máquina de moer carne da gestão da segurança pública.

Uma vez em Brasília, acreditou no poder da parolagem.

Da esq. à dir.: o ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) Bruno Dantas, o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), e o advogado-geral da União, Jorge Messias, em cerimônia de posse de Luís Roberto Barroso como presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) em Brasília; os três são cotados para nova vaga no Supremo após saída de Rosa Weber
Da esq. à dir.: o ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) Bruno Dantas, o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), e o advogado-geral da União, Jorge Messias, em cerimônia de posse de Luís Roberto Barroso como presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) em Brasília; os três são cotados para nova vaga no Supremo após saída de Rosa Weber - Pedro Ladeira - 28.set.23/Folhapress

MISTÉRIO DIPLOMÁTICO

Só o tempo dirá se os embaixadores Celso Amorim e Mauro Vieira foram consultados antes de o Brasil ajudar o atual governo da Argentina com um empréstimo de US$ 1 bilhão do Banco de Desenvolvimento da América Latina.

A ministra do Planejamento, Simone Tebet, disse que a decisão foi dela. O empréstimo foi aprovado por 20 países que compõem a direção do banco.

A ajuda exacerbou a retórica do candidato oposicionista Javier Milei.

A DESPEDIDA DE ROSA WEBER

Noves fora o fato de ter descongestionado o acúmulo de processos no Conselho Nacional de Justiça, a ministra Rosa Weber trabalhou até pelo menos as 22h30 de seu último dia de serviço.

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Como sempre, em silêncio.

NEPOTISMO ARCAICO

O deputado distrital Chico Vigilante (PT) nomeou a filha do ministro Wellington Dias (PT) para seu gabinete e seu filho foi nomeado para o gabinete da suplente de Dias no Senado.

Com a entrada do Tribunal de Contas em campo, a transação poderá ser desfeita.

É o velho e bom nepotismo cruzado disfarçado de novo.

A lógica do cinema, Ruy Castro, FSP

 "Afinal, o que você veio fazer em Casablanca?", pergunta o chefe de polícia Claude Rains a Humphrey Bogart em "Casablanca" (1942). "Vim por causa das águas", ele responde. "Que águas? Estamos no meio do deserto!", espanta-se Rains. E Bogart, com cara de pôquer: "Fui mal-informado." É um dos grandes diálogos do filme e faz sentido.

Sequência final de 'Casablanca', do livro com imagens e diálogos do filme, por Richard J. Anobile - Reprodução

Mas fará sentido a sequência final, no aeroporto, em que Bogart fuzila o vilão nazista Conrad Veidt e, ao som de "As Time Goes By", embarca sua amada Ingrid Bergman no avião com o marido dela em meio a um tremendo fog? Existe fog no deserto? E como explicar os ventiladores de teto que rodam devagarinho durante todo o filme? Eles produzem vento àquela velocidade?

Claro que faz sentido. O cinema não é a vida real. A sequência final sem fog não teria o mesmo romantismo. Quanto aos ventiladores, tente filmar um rodando à velocidade normal —as pás desapareceriam ao girar. E a sequência em que o herói antifascista Paul Henreid rege os clientes do bar de Bogart, que cantam a "Marselhesa"? De quantos músicos se compõe a banda? De não mais que uns seis ou sete. Mas, à medida que o bar inteiro começa a cantar, o som em off na trilha sonora se torna o da baita orquestra da Warner, com 60 ou 70 figuras. E está certo. Só com essa massa sonora se tem ideia da grandeza daquele momento.

Na primeira e melhor versão de "King Kong" (1933), a mão do macaco que faz virar um trem do metrô elevado de Nova York e lhe permite escalar o Empire State é a mesma que encolhe e entra pela janela para capturar a pobre Fay Wray e despi-la véu por véu. E por que não? A lógica de "King Kong" é a de um pesadelo, e pesadelo não tem lógica.

Falando em lógica, como a valente Diadorim, nos vários filmes que se fizeram de "Grande Sertão: Veredas", consegue se passar por homem junto aos jagunços se, durante anos, nunca é vista fazendo xixi em pé?