segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023

Becky S. Korich - Nem beach, nem tênis, FSP

 Antonio Prata, na sua coluna "Beach tennis decolonial", deu um belo saque ao tocar num assunto que me intrigava há tempos e sobre o qual eu me controlava para escrever.

Agora me encorajo a fazê-lo, pois entendo que a questão, de fato, existe. Não tenho lugar de fala, nunca joguei beach tennis e sequer assisti a uma partida.

Corro o risco de levar raquetadas dos apaixonados praticantes do esporte, mas devo dizer que resisto à ideia. Não gosto do nome, não pelo anglicanismo, mas pela imprecisão: não se trata nem de beach nem de tênis.

Mulheres praticam beach tennis no bairro do Morumbi, zona sul da capital paulista - Adriano Vizoni - 17.mai.2021/Folhapress

Além disso, pisar numa areia em plena marginal Pinheiros, para mim, não cola. Areia boa é aquela que gruda nos pés. Pode ser frescura minha, mas também não vou com a cara das raquetes de carbono, da bolinha murcha, das cores cítricas, das comemorações efusivas que cada ponto provoca.

E mesmo não conhecendo as regras do jogo, já desconfio delas assim como desconfio de melancia sem caroço, com tanta mistura de regras adaptadas de outros esportes.

beach tennis não é só um esporte e já se provou não ser uma moda passageira. Beach tennis virou uma identidade, uma causa, uma religião, um ato político.

Tenho amigas empolgadíssimas com as nouveaux amis do beach tennis, que organizam viagens com "o pessoal do beach tennis", formaram uma turma de "casais beach tenistas" e até participam de uma tal confraria de beach tennis.

A paixão é tão grande, que em nome dela pode-se tudo. As mães que antes eram as mais controladoras, hoje largam os filhos em casa sem nenhuma culpa, com a escusa de que voltarão mais dispostas no after beach, preferencialmente quando eles já estiverem dormindo.

Até as mais ciumentas liberam os maridos a sair todas as noites de casa, mesmo para jogar poker, desde que seja com os friends do beach tennis, os únicos confiáveis, diferente dos amigos da pelada, que só pensam naquilo.

Apesar de todas essas maravilhas, insisto na natação, que pratico sozinha e silenciosamente, o que é quase o oposto de jogar beach tennis. E não desisti das raquetes.

Quando estou na areia (do mar) fico feliz com duas raquetes de madeira, uma bolinha e um parceiro que aguente as minhas furadas, para brincar de frescobol na beira do mar. Amadora que sou "do" e "no" esporte, prefiro brincar a jogar e me divirto mais jogando "com" do que "contra".

Meus amigos ainda não desistiram de me persuadir. Fico até tentada, mas tenho medo de me apaixonar. Porque, a gente sabe, se apaixonar dá trabalho.

Minha vida está tranquila, a conta está fechando, já sei lidar com as velhas conhecidas dores do joelho. Vai que eu me encante de verdade, vou ter que adaptar a uma nova rotina e estar disposta a encarar novas dores.

Já me acostumei às minhas e, na idade em que estou, tenho preguiça para recomeços. Talvez isso explique a minha birra, talvez ela seja justamente uma defesa a esse charmoso sedutor, porque sei que a carne aqui é fraca.

Ademais, sou possessiva demais, não sei dividir minhas paixões com outras pessoas, muito menos com uma comunidade. Quando eu nado, a raia é minha e de mais ninguém.

Quem sabe um dia eu evolua, seja mais democrática e me renda aos encantos do beach tennis.

Por ora, fico com a piscina e o marido só para mim, sem alvará de soltura, nem para peladas nem para beach tennis.


sábado, 4 de fevereiro de 2023

Aumentar oferta de gás nacional é fundamental para a reindustrialização do Brasil; leia artigo, OESP

 A recente visita do presidente Lula da Silva à Argentina trouxe para a mesa algumas polêmicas. Uma das principais é o possível financiamento por parte do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) do trecho Buenos Aires-Santa Fé do gasoduto Nestor Kirchner, trazendo gás natural do campo de Vaca Muerta, na região de Neuquén.

Em primeiro lugar, é bom deixar claro que qualquer aumento na oferta de gás natural no País é bem-vindo. O grande desafio do Brasil e do mundo é aumentar a oferta de gás e diversificar o fornecimento. Isso ficou bem claro com a guerra Rússia/Ucrânia.

Portanto, trazer gás da Argentina é muito bom para o Brasil. Se cabe um financiamento desse gasoduto por parte do BNDES, isso é uma outra questão que merece uma análise cuidadosa.

Local de extração de gás e petróleo em Vaca Muerta, na Argentina. Foto: Tomas Cuesta/Reuters
Local de extração de gás e petróleo em Vaca Muerta, na Argentina. Foto: Tomas Cuesta/Reuters Foto: REUTERS/Tomas Cuesta

Uma das vantagens do gás da Argentina seria permitir o crescimento do mercado do sul do Brasil, hoje atendido, basicamente, pelo gás da Bolívia. Com a chegada do gás argentino, deveríamos construir o gasoduto Uruguaiana-Porto Alegre, tendo como âncora térmicas e o fornecimento de gás para o Polo Petroquímico de Triunfo. Além disso, a médio prazo, o gás argentino poderá substituir o gás da Bolívia, que vai sofrer uma redução na sua produção a partir de 2030.

Outro ponto que merece uma reflexão é o fato de o gás de Vaca Muerta ser shale gas. O Brasil não deveria permitir a exploração de shale gas? É bom lembrar que os Estados Unidos resolveram a questão ambiental na produção de shale e se transformaram no maior produtor de gás do mundo.

Mais importante do que o gás da Argentina é estabelecer como prioridade políticas públicas e de financiamento, inclusive do BNDES, que induzam investimentos em infraestrutura, aumentando a oferta de gás nacional. Só trazer gás argentino aumentará mais ainda a nossa dependência de importação e, convenhamos, de um país que historicamente vive com grande instabilidade política e regulatória. Ou seja, a História mostra que a Argentina não é um fornecedor confiável.

O gás é o grande protagonista do atual cenário energético mundial. Da mesma forma que o mercado do petróleo sofreu uma grande transformação com os dois choques do petróleo, agora o mercado de gás natural vai viver mudanças em função do choque de preços do gás ocorrido em 2022. Nesse contexto, aumentar a oferta de gás nacional nos próximos anos é fundamental para promover a reindustrialização do Brasil. E como aumentar no curto prazo? Com o crescimento da produção onshore e a redução da reinjeção de gás na Bacia do Amazonas e no pré-sal.

O aumento da oferta nacional de gás, incluindo o biogás, como prioridade, mais o argentino, o boliviano e o gás natural liquefeito (GNL), permitirá o crescimento do mercado com a construção de térmicas e o atendimento do setor químico, siderúrgico, cerâmico, vidreiro, possibilitando, também, a construção de plantas de fertilizantes.

Mario Sergio Conti - Mostra sobre capela Sistina acaba com tchauzinho de Cristo FSP

 


Não há por que esnobar a exposição "Michelangelo: O Mestre da Capela Sistina", organizada em São Paulo pelo Museu da Imagem e do Som, o MIS. Vê-la é mais cômodo que ir ao Vaticano visitar a igreja onde os papas são eleitos há mais de meio milênio.

Lá, a contemplação não é serena nem silenciosa. Seis milhões de turistas vão à capela todos os anos. A multidão observa de pé as paredes com episódios da vida de Moisés e Jesus feitos por Botticelli, Ghirlandaio, Perugino e outros menos votados.

O desenho da Sistina, que imitaria o Templo de Salomão, é um problema adicional. Com 41 metros de comprimento, 13 de largura e incríveis 41 de altura, o visitante tem que ficar de nariz para cima e o pescoço na horizontal para ver os afrescos de Michelangelo. Mas vale a pena.

Fumaça branca sai da chaminé, na Capela Sistina, quando da escolha do argentino Jorge Bergoglio como papa - Lalo de Almeida - 13.mar.13/Folhapress

Com dezenas de personagens, o teto da Sistina mescla videntes gregas —as sibilas— e profetas do Velho Testamento. Deus separa a luz das trevas, a terra da água. Cria Sol e Lua. Dá vida a Adão e Eva, que, safados, não se comportam e são expulsos do Éden por um anjo furibundo.

Há truques ópticos e arquitetônicos, distorções e sincronia, alegorias cabalísticas e erudição bíblica. Odes à razão batem cabeça com toadas melodramáticas. Sem informação prévia é difícil fruir as imagens de Michelangelo, o Renascimento a pino. É proveitoso ler Vasari na véspera.

No centro da imagem estão dois trabalhadores afixando cartazes. O trabalhador do lado esquerdo usa uma vassoura para colar o seu cartaz na parede, o trabalhador da direita está em cima de uma grande escada com o cartaz na mão.  Os cartazes que estão colando compõem uma figura muito maior, uma pintura célebre de Michelângelo.
Ilustração de Bruna Barros para coluna de Mario Sergio Conti de 3.fev.23 - Bruna Barros

O desfecho, o Juízo Final, é em alto estilo. Ele ocupa a parede atrás do altar de alto a baixo, fecha o tempo com alvoroço agônico. Acaba também a Renascença, que dá lugar ao transe Barroco inaugurado por Michelangelo. Há pouca coisa equiparável em matéria de afrescos.

Como Roma é longe e ir lá custa os olhos da cara, a alternativa é a Sistina do MIS. Ela fica na Água Branca e o ingresso custa R$ 30. Desdenhá-la é preconceito pernóstico.

Imagem de referência do projeto da exposição “Michelangelo: Capela Sistina”.
Imagem de referência do projeto da exposição 'Michelangelo: o Mestre da Capela Sistina', no MIS Experience - Divulgação MIS/Experience

O chato, porém, é que se topa aqui com um troço que tem pouco a ver com a Capela Sistina. Impera o escarcéu brutal e brutalizante dos mega-shows.

Os curadores vendem a exposição como "imersiva". Elas estão na moda. Há outras três mostras imersivas na cidade —de Monet, Frida Kahlo e Bansky. No mês que vem virá a de Picasso. O que as caracteriza é a ausência de obras originais, trocadas por reproduções. Nada contra.

As reproduções democratizam o acesso à arte. Walter Benjamin dixit: com elas, as obras perdem a aura de entes únicos e místicos. As reproduções fazem com que se esvaneça a propriedade e, por extensão, a necessidade da classe dominante. A arte é de todos e para todos.

As cópias mecânicas não precisam ser tal e qual os originais. Em "À Procura do Tempo Perdido", Proust escreveu, bela e longamente, sobre a Séfora feita por Boticelli na Sistina. E o escritor nunca pôs os pés em Roma. Baseou-se em reproduções em preto e branco.

Ocorre que "O Mestre da Capela Sistina" é pretensiosa, tem de tudo em matéria de reproduções. Há até cópias da primeira "Pietá", de "Moisés" e de "David". É o de menos que as três esculturas não estejam na Sistina. Mas incomoda muito que sejam broncas e feitas com material mequetrefe.

As salas são estreitas, impedem o recuo para apreciar as ampliações do Todo-Poderoso e da serpente, de Noé e Jeremias, da turma toda. O simulacro do estúdio Michelangelo é primário. Só se salva a maquete da Sistina. Apesar de pequena, dá para perceber o interior da capela.

As legendas tendem ao grandiloquente. E ao confuso. Transcreve-se Goethe em letras garrafais, por exemplo: "Quem não foi à Capela Sistina não pode ter ideia do que um homem é capaz". Logo, vá lá correndo. Logo, quem foi só ao MIS não tem ideia do que Michelangelo era capaz.

Uma funcionária avisa na entrada que é permitido tirar fotos. Ato contínuo, há que se atravessar massas espessas de criaturas que tiram selfies e fotografam umas às outras. É assim em toda parte. Não seria necessário incentivar a incivilidade.

Chega-se, aleluia, a uma sala do tamanho de uma quadra de futsal, tomada por projeções de afrescos de Michelangelo. A "Quinta Sinfonia" de Beethoven detona os tímpanos, urra que o Altíssimo dará vida ao homem. Não dá outra, o dedo de Deus se acerca ao de Adão. Puxa, que criativo.

De supetão, um mar iracundo escarpa as paredes. Um escarcéu de lampejos e trovoadas espouca no céu. Sim, o Dilúvio. A arca de Noé se solta do afresco e singra sobre a procela. Bleargh.

A apoteose do fiasco é o Juízo Final. Peraí, Jesus está agitando o braço direito? Não é possível, mas está. É com um tchauzinho de Cristo que o mundo acaba.