sábado, 4 de fevereiro de 2023

RENAN CALHEIROS O Senado deve instalar uma CPI para investigar os atos golpistas? SIM - FSP

 Renan Calheiros

Senador da República (MDB-AL), é relator da CPI da Covid

A história não está condenada a repetir erros. Uma CPI agora é imperiosa para iluminar os porões infectos do golpismo e punir participantes, mandantes, financiadores e estimuladores, estejam nas ruas, nos quartéis, foragidos ou camuflados em palácios ou mandatos. Uma CPI de Estado para rasgar a fantasia de falsos democratas e fazer uma assepsia civilizatória definitiva.

Governos abominam CPIs pela subtração das rotinas e eventual deslocamento do eixo de poder. Mas essa comissão contra o terrorismo tem especificidades. Ela não se insere no modelo clássico, antagonizando governo e oposição. É um terceiro e decisivo turno opondo a civilidade e a barbárie, a ordem e o caos, a democracia e o golpismo, a institucionalidade e a milícia. Se a CPI da Covid extirpou o câncer Jair Bolsonaro, essa nova investigação servirá para impedir a metástase.

Essa CPI seria a complementação da apuração conduzida pelo Senado durante a pandemia contra o mesmo inimigo e os mesmos métodos: o ódio, a mentira, a morte, a milícia e os segredos. Antes ser o proponente do que objeto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito.

As CPIs são acompanhadas como um "big brother", com transmissões ao vivo e na íntegra e cobertura dos principais noticiários, alcançando decibéis que a investigação tradicional não obtém. É imperioso que o combate aos golpistas agregue todos os Poderes, uma força-tarefa republicana. As CPIs têm poder de convocar, levantar sigilos, requisitar documentos e outras diligências com um alcance superlativo e maior aderência.

A comissão pode convocar, um por um, os golpistas e exibi-los com o desonroso selo do fascismo. Uma exposição pedagógica que contribui para intimidar os poucos que ainda se insurgem contra o Estado democrático de Direito. A CPI funcionaria como um Tribunal de Nuremberg profilático, mostrando ao mundo as hienas do fascismo e imunizando a democracia. Não vamos permitir que eles reproduzam a Noite dos Cristais.

As CPIs são ainda menos complexas do ponto de vista formal e não têm tantas amarras jurídicas, que observam ritos mais morosos. É preciso dividir as responsabilidades, desafogar o Judiciário e desonerar os ministros do STF e do TSE, que deram demonstrações altivas na preservação da democracia diante da prostração lisérgica de alguns. Nenhum esforço é inútil, e nenhuma força dispensável nesse cerco.

Mesmo depois de milhares de prisões, está claro que há outras células terroristas ativas, abastecidas financeiramente para difundir o ódio, o pânico e o caos. Há núcleos terroristas remanescentes, não alcançados pelas prisões, tentando reagrupar a matilha golpista. Quanto mais instituições trabalharem para asfixiá-los, maior e mais célere serão os resultados.

Nessa concertação democrática, queremos ajudar na investigação e no aprimoramento legislativo para emparedar os golpistas. As CPIs, por sua própria dinâmica e visibilidade, produzem um volume de informações públicas muito maior que a rotina das investigações tradicionais e têm potencial para manter os extremistas acossados. A função pedagógica e tática é insubstituível.

É certo que a posição de um presidente eleito pesa. Mas eu me amparo na exortação do próprio Lula: a vigilância é permanente, e o novo governo não deseja "tapinha nas costas". Como democrata, exponho minha convicção sugerindo uma reflexão coletiva, dada a extensão e gravidade do problema. O dia 8 de janeiro, como 1968, não acabou.


Hélio Schwartsman-Sigilo espúrio ,FSP

 

Arthur Lira foi reeleito presidente da Câmara com 464 de 508 votos, e Rodrigo Pacheco foi reconduzido ao comando do Senado após derrotar o candidato bolsonarista pelo placar de 49 a 32. Cidadãos podemos apenas intuir como votou cada parlamentar, já que as eleições para a Mesa das Casas Legislativas são, por força dos regimentos, secretas.

Se há algo que tenho dificuldades em aceitar nas democracias representativas modernas é o voto sigiloso de parlamentares. Cada vez que um deputado ou senador toma uma decisão sem revelá-la a seus eleitores, cria-se um curto-circuito democrático, já que fica impossível para os representados aferir se seus representantes estão correspondendo a suas expectativas.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), cumprimenta apoiadores após ser reeleito para presidir a Casa com votação recorde - Lucio Tavora/Xinhua

Eu não cravaria, porém, uma proibição absoluta a votações secretas. Na infância das democracias, em que parlamentos fracos viviam à sombra de poderes executivos com pendores autoritários, o sigilo foi importante para assegurar que a representação popular não fosse intimidada. Como não há garantias de que jamais experimentaremos retrocesso nas práticas democráticas, é melhor não tirar do Parlamento uma arma que possa utilizar para contrapor-se a pressões indevidas. Mas o sigilo, seja em votações, seja em sessões, deveria, a meu ver, ser reservado para situações excepcionalíssimas, jamais para procedimentos corriqueiros, como as eleições das Mesas.

Algo parecido vale para as votações simbólicas, que têm ampla utilização, mas também fazem com que os parlamentares não explicitem individualmente suas opções. Se, no passado, essa forma de votação ainda resultava em economia de tempo, isso deixou de ser verdade com o advento de tecnologias que permitem aferir os sufrágios em poucos segundos e podem ser acopladas até aos celulares.

Mesmo que a maior parte do eleitorado não ligue, a democracia representativa só se materializa quando os representantes prestam contas de seus atos.


Alvaro Costa e Silva Os golpistas continuam, FSP

 A eleição para a presidência do Senado mostrou como a extrema direita irá se comportar ao fazer oposição ao governo Lula. A ideia é criar artificialmente um clima de radicalização, de terceiro turno interminável no país. Bate-bocas, ameaças, cartazes com provocações de moleque da quarta série, barulho, agitação e, claro, um chorrilho de mentiras nas redes sociais.

Um dia antes da votação, Bolsonaro aproveitou um evento público num restaurante da Flórida (cuja entrada custava de US$10 a US$50, dependendo da proximidade em relação ao palco) para mandar um recado aos cupinchas. Como de praxe, mais uma declaração golpista: "Pode ter certeza, em pouco tempo teremos notícias. Se esse governo continuar na linha que demonstrou nesses primeiros 30 dias, não vai durar muito tempo". Só faltou dar o prazo de 72 horas, como faziam os terroristas acampados em frente aos quartéis.

O eleitorado de Rodrigo Pacheco –que acabou reconduzido ao cargo com folgada margem de votos (49 a 32)– foi bombardeado pelo gabinete do ódio, que voltou a acionar a tropa de robôs e a patrocinar postagens com desinformação na internet. Na terça-feira (31), se você fizesse uma busca no Google com o nome do candidato bolsonarista aparecia em primeiro lugar uma mensagem falsa: "Rogério Marinho é eleito presidente do Senado".

Para os adeptos do jornalismo declaratório, Marinho se vendeu como um democrata interessado na conciliação nacional. Nos bastidores, porém, pregava o impeachment de ministros do STF. Sobretudo o de Alexandre de Moraes, envolvido agora numa história confusa, contada pelo senador Marcos do Val, na qual Bolsonaro, de chinelos e bermuda, trama mais uma etapa do golpe.

Na Câmara, deu a pule de dez. Sem saída, Lula resolveu não comprar briga com o soberano das Alagoas. Mesmo sabendo que Arthur Lira poderá ser mais perigoso para ele do que Eduardo Cunha foi para Dilma.