quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Helio Beltrão - Fed inicia o QT, e isso preocupa mais que os juros, FSP

 O favorável ciclo de 40 anos de queda de taxas de juros em dólares foi enterrado de vez. Desde 1982, a taxa de juros anuais em dólares (prazo de dez anos) caiu continuamente de 15% até estabilizar em torno de 2% a partir de 2011, propiciando um duradouro período de prosperidade. No entanto, recentemente o Fed vem elevando a taxa básica para conter a alta inflação. Consequentemente, a taxa de juros de mercado dobrou para 4% ao ano, e pode subir mais. A festa acabou.

Os investidores oscilam entre a torcida de que a inflação já tenha atingido o pico —o "pior já passou"— e o receio de que o Fed esteja empurrando a economia para uma recessão. Estão mal-acostumados a ganhar dinheiro fácil em ativos de risco com a liquidez farta e demandam uma "pivotada", ou seja, que o Fed gire 180º e pare de apertar os juros.

O Fed pivotará? Não parece provável, exceto em um cenário de grande instabilidade no sistema financeiro internacional.

Fachada do Federal Reserve, localizado em Washington - Kevin Dietsch - 19.set.2022/AFP

Ainda que tardiamente, o Fed está determinado a combater a inflação e afirma que não alterará o curso mesmo no caso de uma eventual recessão. Quando o Fed aperta os freios, alguém se arrebenta ao atravessar o para-brisas.

Não chegamos a esse ponto, mas preocupantemente já surgiram pequenas rachaduras no sistema financeiro e na economia real: as moedas em desvalorização (o iene japonês está no nível mais baixo desde a explosão da bolha, em 1989); a crise dos fundos de pensão do Reino Unido; o baixo crescimento da China (talvez cresça menos que o Brasil neste ano); o choque de energia, especialmente na Europa; e, adicionalmente, as tensões geopolíticas e a Guerra da Ucrânia.

Em dupla manobra, enquanto pisa mais forte no breque dos juros, o Fed vai remover o airbag protetor. Anunciou que desinflará a liquidez criada desde 2008 (superior a duas vezes o PIB brasileiro). Enquanto muitos estão focados na escalada dos juros, poucos compreendem os efeitos deste "quantitative tightening" ("QT"), que começa para valer a partir de agora.

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Desde 2008, o colchão de liquidez concedido aos bancos foi mais impactante que a taxa básica de juros, pois gerou as condições financeiras que estabilizaram os mercados, e colateralmente impulsionaram os preços das ações e outros ativos de risco. Por isso sua reversão preocupa. Os ativos de risco podem sofrer mais.

O QT pode ser a palha a quebrar as costas do camelo, como diz o provérbio árabe, a gota d’água que transborda o balde, como nós, brasileiros, preferimos dizer, ou mesmo o ponto da virada, como diz Malcolm Gladwell.

Note que, ao passo que a alta da taxa básica pode ser interrompida em 2023, a programação é que o enxugamento continue pelos próximos dois anos.

Estamos assistindo ao trailer do filme do camelo paralítico, estrelando o Reino Unido. O novo governo anunciou um orçamento com déficit e chocou os mercados. Os juros dos títulos públicos subiram. Os fundos de pensão de benefício definido, espremidos pelos crescentes pagamentos a aposentados, vinham fazendo apostas com derivativos com títulos públicos. Sua carteira de títulos públicos desvalorizou; foram forçados a vender títulos para fazer caixa. Em um loop diabólico, os juros subiram ainda mais...

Com o QT, o Fed e demais bancos centrais deixarão de comprar títulos públicos. O mercado terá que financiar os governos com recursos que teriam ido para investimentos. Os juros tenderão a subir mais e a acender a luz amarela da sustentabilidade do endividamento público. Os governos de países ricos podem acabar parecidos com os de emergentes: de pires na mão.

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Só 8% dos eleitos para o Congresso são nomes novos na política, OESP

 BRASÍLIA — O Congresso teve uma renovação efetiva de apenas 8% de suas cadeiras nas eleições do último dia 2. O resultado das urnas mostrou que a maioria dos deputados e senadores eleitos já ocupou mandatos, cargos de alto escalão do governo ou é herdeira de tradicionais famílias da política. Sem contar essas situações, sobram apenas 39 deputados sem vínculo político que tomarão posse em 2023. No Senado, só um senador eleito nunca ocupou antes um cargo público.

A posse dos deputados, em fevereiro, provocará a troca de 45% dos assentos na Câmara. Mas essa substituição esconde vínculos que representam a continuidade dos grupos dominantes da política brasileira, como indica levantamento feito pelo Instituto Millenium, ao qual o Estadão teve acesso.

Sem contar essas situações, sobram apenas 39 deputados sem vínculo político que tomarão posse em 2023.
Sem contar essas situações, sobram apenas 39 deputados sem vínculo político que tomarão posse em 2023. Foto: Pablo Valadares/Câmara dos Deputados

O estudo só considera como renovação quem nunca teve mandato. Para os autores, o resultado das urnas não apenas mantém a atual configuração do jogo político em Brasília como dificulta a entrada de novos nomes no Legislativo.

Entre os eleitos há quem vá assumir sob o peso de dinastias, como é o caso das famílias Arraes e Campos, em Pernambuco. João Campos, filho de Eduardo Campos; e Marília Arraes, neta de Miguel Arraes, chegaram à Câmara em 2018. João foi para a prefeitura do Recife e Marília tenta agora ser governadora, mas o clã não ficará sem representantes no Congresso. Pedro Campos (PSB), 26 anos, irmão de João; e Maria Arraes (Solidariedade), 28, irmã de Marília, estão entre os deputados eleitos.

Velhos conhecidos do Congresso, como Eunício Oliveira (MDB), deputado eleito pelo Ceará, aparecem no meio das “novidades”. O currículo de Eunício inclui a presidência do Senado e dois mandatos anteriores na Câmara. Herdeira da principal família política do Maranhão, Roseana Sarney (MDB) também foi eleita deputada, após ter sido quatro vezes governadora, além de senadora. Antes, Roseana passou pela Câmara, assim como Eunício.

Outros “novatos” não trazem a política no sangue, mas foram apadrinhados após ocupar altos cargos em ministérios ou secretarias, como Eduardo Pazuello (PL-RJ), ex-ministro da Saúde; e Mario Frias, que foi secretário de Cultura no governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). Isso sem falar de deputados estaduais, vereadores e daqueles que já estiveram em outros postos da administração pública.

“Há uma tendência de deixar o Congresso menos fragmentado, com nomes estabelecidos. Isso traz uma certa estabilidade para o jogo político, mas o modelo prejudica novos entrantes”, afirmou o cientista político Diogo Costa, um dos autores do estudo, ao lado da jornalista Priscila Chammas e do cientista de dados Wagner Vargas. Para Costa, a baixa renovação se deve à concentração de recursos públicos para financiar quem já faz parte dos círculos políticos. Na lista dos eleitos, os candidatos à reeleição receberam 80% mais recursos do que quem não disputou novo mandato. “O risco é esse modelo ficar engessado e se tornar um padrão”, observou o cientista político.

Há uma tendência de deixar o Congresso menos fragmentado com nomes estabelecidos. Isso traz uma certa estabilidade para o jogo político, mas o modelo prejudica novos entrantes.”

Diogo Costa, cientista político

Candidato a deputado federal com maior votação proporcional do País, Amom Mandel (Cidadania-AM), 21 anos, será o segundo mais jovem da Câmara. Ele foi eleito com 288.555 votos, 14,5% do total de votos válidos do Amazonas. Apesar da idade, Mandel também não se encaixa na renovação efetiva, pois é vereador em Manaus e vem de uma família com cargos no Judiciário do Amazonas.

Domingos Jorge Chalub Pereira, avô do deputado eleito, é desembargador do Tribunal de Justiça do Amazonas e já presidiu a Corte. A mãe, Elza Vitória de Mello, também é juíza no Estado. O padrasto, Mário de Mello, ocupa um cargo de conselheiro do Tribunal de Contas do Amazonas. Mandel disse que sua atuação política, focada na pauta ambiental, não está vinculada à família. “Não tem nova política e velha política. Tem política boa e política ruim, e eu tento fazer a boa. Tenho muitos embates com o meu avô. Não tem essa para mim”, afirmou ele.

Até mesmo na lista dos 39 deputados eleitos que, pelo critério do estudo, representam a efetiva renovação na Câmara, há nomes que já têm histórico político. É o caso de Guilherme Boulos (PSOL), deputado mais votado em São Paulo que foi candidato ao Palácio do Planalto, em 2018; e de Bandeira de Mello (PSB-RJ), ex-presidente do Flamengo com passagens pela Rede e pelo PSB.

Fora desses círculos sobram os influenciadores digitais, que estreiam na política impulsionados por seus seguidores nas redes sociais. É nesse capítulo que entram Delegado da Cunha (PP-SP), famoso por transmitir operações policiais na internet, e Fabio Teruel (MDB-SP), palestrante motivacional e religioso. Entre os novatos “puro sangue” estão, ainda, o ex-procurador da Lava Jato Deltan Dallagnol (Podemos-SP) e o caminhoneiro Zé Trovão (PL-SC), eleito com tornozeleira. Trovão foi punido por desferir ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Para ser eleito, o deputado precisa acumular pelo menos 70 mil votos em Estados médios e grandes, então é muito difícil um novato entrar a não ser transferindo a popularidade de outro lugar, como celebridade ou influenciador.”

João Feres Junior, cientista político

“Para ser eleito, o deputado precisa acumular pelo menos 70 mil votos em Estados médios e grandes. Então, é muito difícil um novato entrar, a não ser transferindo a popularidade de outro lugar, como celebridade ou influenciador”, disse o cientista político João Feres Junior, coordenador do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), órgão vinculado à Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). “A maioria dos partidos não tem democracia interna e é controlada por oligarquias. Uma pessoa influente na burocracia partidária é mais beneficiada, embora ser filho de alguém não qualifique nada.”

No Senado, dos 27 candidatos eleitos no último dia 2, 22 não estão na Casa atualmente. A maioria, no entanto, é formada por políticos experientes, como os ex-governadores Flávio Dino (Maranhão), do PSB, e Renan Filho (Alagoas), do MDB, primogênito do senador Renan Calheiros. Apenas um candidato que venceu a disputa nunca ocupou cargo público: trata-se do empresário ruralista Jaime Bagattoli (PL-RO), apoiador de Bolsonaro.

Como ficam as Casas Legislativas em 2023

Câmara

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Na Câmara dos Deputados, apenas 39 candidatos eleitos este ano não possuem algum tipo de vínculo político. A posse dos deputados, em 2023, levará à troca de 45% dos assentos na Casa, mas, por trás da “renovação”, há uma série de vínculos que representam a continuidade de grupos dominantes da política.

Senado

Somente um senador eleito no dia 2 de outubro nunca ocupou antes um cargo público. A maioria eleita para o Senado é formada por políticos experientes, como o ex-governador Flávio Dino e o ex-governador de Alagoas Renan Filho, filho do senador Renan Calheiros.

Famílias

Clãs tradicionais terão representantes no Congresso a partir de 2023, caso dos Arraes e dos Campos. Em 2018, João Campos, filho de Eduardo Campos; e Marília Arraes, neta de Miguel Arraes, chegaram à Câmara. Em 2022, Pedro Campos, irmão de João; e Maria Arraes, irmã de Marília, foram eleitos deputados.

‘Novatos’

Nomes que ocuparam altos cargos em ministérios ou secretarias, como o general Eduardo Pazuello (PL-RJ), ex-ministro da Saúde; e Mario Frias, que foi secretário de Cultura de Bolsonaro, conquistaram vaga na Câmara.

O ‘fogo amigo’ que atinge Haddad, Vera Rosa, OESP

 Uma bronca dada em dirigentes do PT pelo WhatsApp provocou mal-estar no comitê de Luiz Inácio Lula da Silva. Na mensagem, o deputado Emídio de Souza, coordenador da campanha de Fernando Haddad ao Palácio dos Bandeirantes, definiu a tentativa de culpar o ex-prefeito pelo desempenho de Lula em São Paulo como “miopia pura ou coisa pior”.

Emídio citou “o velho e nefasto ‘fogo amigo’” para pedir que a lavação de roupa suja não fosse feita “no meio da guerra”. O pito de 25 linhas foi enviado há duas semanas no grupo da corrente Construindo um Novo Brasil (CNB), a mesma de Lula e Haddad, majoritária no partido.

Lula não obteve o resultado eleitoral esperado em São Paulo.
Lula não obteve o resultado eleitoral esperado em São Paulo. Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Haddad começou a ser alvo das labaredas vindas da equipe de Lula logo após o primeiro turno. Ao contrário do que indicavam as pesquisas, ele foi para a segunda rodada da disputa atrás do ex-ministro Tarcísio de Freitas, que tem o apoio do presidente Jair Bolsonaro (PL). Além disso, Lula não obteve o resultado esperado em São Paulo, “a joia da coroa”. No maior colégio eleitoral do País, que reproduz o confronto nacional entre o PT e o PL, Bolsonaro saiu na frente.

Ao passar a descompostura nos companheiros, Emídio argumentou que a campanha de Lula e Haddad precisaria ser “totalmente colada”, como a de Tarcísio e Bolsonaro, e cobrou unidade. A estratégia está sendo posta em prática agora, mas o “fogo amigo” ainda não foi sepultado de vez.

“Fiz um apelo à responsabilidade. Melhorou”, disse Emídio à coluna. “É preciso ter juízo.” Pelo WhatsApp, ele orientou os dirigentes a “ocupar as ruas” para virar o jogo.

“O bolsonarismo que vamos derrotar não pode ter no governo de SP um quartel de onde vão se reorganizar para nos atacar”, escreveu o deputado. “O neotucanismo de Doria e Rodrigo não pode sobreviver debaixo da batina de Tarcísio em SP. Parece óbvio, mas tem gente graúda entre nós que parece negar o óbvio”, completou, após mencionar o ex-governador João Doria e seu sucessor, Rodrigo Garcia. Cristão novo no PSDB, Garcia protagonizou a maior derrota do partido, que comandava São Paulo há 28 anos e hoje vive sua pior crise. Logo em seguida, o governador se aliou a Bolsonaro e a Tarcísio.

“Buscamos várias vezes aproximação para tentar estabelecer uma estratégia que levasse PT e PSDB para o segundo turno e não tivemos êxito”, afirmou Haddad em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, na segunda-feira, 17.

Nos bastidores, porém, a campanha de Lula diz que a tática do ex-prefeito, ao atacar Garcia e poupar Tarcísio, acabou antecipando o voto útil contra o PT. “Eu fui obrigado a me defender e essa defesa soou mal, mas ningúem se lembrou de perguntar por que eles partiram para a agressão daquela maneira”, insistiu Haddad. “Eu creio que havia ali um combinado (com Bolsonaro), que se revelou mais plausível pela pressa com que o que sobrou do PSDB aderiu à campanha do Tarcísio.”

Vice de Lula, o ex-governador Geraldo Alckmin – filiado ao PSDB durante 33 anos e hoje no PSB – foi escalado para jogar na lateral direita e “cobrir” o interior paulista, região onde o antipetismo é muito forte. No fim da tarde de sexta-feira, 14, Alckmin participou de um encontro na casa do ex-presidente do PSDB José Aníbal e propôs um roteiro para a senadora Simone Tebet (MDB), que ficou em terceiro lugar na eleição, ajudar na tarefa de quebrar resistências ao PT e pedir votos em São Paulo.

A conversa também reuniu o ex-chanceler Aloysio Nunes e o secretário da Fazenda, Felipe Salto. O “fogo amigo” ali passou longe, ao menos em relação aos petistas. Com uma xícara de café na mão, Alckmin recorreu à sua tradicional linguagem de horóscopo – que agrada ao interlocutor – e teve até direito à “saideira” ao contar seus “causos”. Mas todos eram sobre o PSDB.