quinta-feira, 10 de março de 2022

JUCA KFOURI Real Madrid e Paris Saint-Germain jogaram futebol de sonhos, FSP

 

Um clássico no Santiago Bernabéu lotado e que deveria ter só a cara dos donos da casa teve o primeiro tempo quase todo francês, com Mbappé brilhando e fazendo dois gols para valer um.

Real Madrid pressionava, mas era o Paris Saint-Germain quem criava perigo, três chances claras de gol até abrir o placar.

PUBLICIDADE

O segundo tempo não se apresentou diferente.

Jogo dominado pelo PSG, os madridistas impotentes até que o goleiro italiano Donnarumma fez a lambança do tamanho da Europa e permitiu que Benzema o desarmasse. A bola chegou a Vinicius Junior, que passou ao próprio Benzema para o empate.

Sabem a rara leitora e o raro leitor o que é levar uma ferroada paralisante?

Pois foi o que pareceu ter acontecido com o PSG, em noite profundamente infeliz do zagueiro brasileiro Marquinhos, apagada de Neymar com exceção do lançamento para o gol de Mbappé e quase inexistente de Lionel Messi, em aparente declínio.

Benzema marcou três gols diante do PSG pela Champions League
Benzema marcou três gols diante do PSG pela Champions League - Ricardo Nogueira/FotoFC

Então Vini, Modric e Benzema barbarizaram para construir o placar que levou os madridistas para as quartas de final da Liga dos Campeões da Europa.

Ao fazer mais dois gols e se tornar o terceiro maior artilheiro da história do Real Madrid, Benzema não deixou apenas para trás o mago Alfredo Di Stéfano mas candidatou-se a ser o número 1 do mundo nesta temporada, embora sob a forte concorrência de Lewandowski, Salah e De Bruyne.

Seus gols sentenciaram o futuro de Neymar, mais uma vez frustrado o sonho de levar o milionário time francês ao topo do futebol europeu.

Resta a ele, naquela que segundo o que já disse deve ser sua última Copa do Mundo, comandar a seleção brasileira na busca do hexacampeonato.

Tarefa gigantesca!

Se nós, brasileiros, imaginávamos que veríamos em Madri um duelo entre Neymar e Vini, o que vimos foi o embate francês entre Benzema e Mbappé, que podem até estar juntos no time merengue no ano que vem e certamente estarão no selecionado francês na Copa do Mundo do Qatar.

A sensação é a de que, se cada um por si faz o que faz, juntos serão imparáveis.

Olhar a intensidade dos grandes jogos pelos gramados europeus é o que permite atribuir a eles um esporte diferente do futebol jogado deste lado do mundo. E não é pelos primeiros dez minutos ou pelo esforço ao final dos jogos, mas durante todo o tempo, como se não houvesse amanhã.

Na década de 1990, quando começamos a acompanhar o Campeonato Italiano narrado por Luciano do Valle na TV Bandeirantes, se tínhamos um time extraordinário como o Milan dos três holandeses Rijkaard, Gullit e Van Basten, tínhamos também por aqui equipes campeãs como o São Paulo para lhes fazer frente. Hoje, que pena, não temos mais.

A diferença é cada vez maior, como a da NBA para o nosso basquete.

E boa parte da explicação para a diferença que a cada dia aumenta é óbvia, está na gestão.

Por mais mazelas que haja no mundo da cartolagem em geral, não se vê na Europa entidades como a CBF nem a submissão dos clubes às entidades dirigentes, porque o que prevalece é quem faz o espetáculo, não os privilégios das salas refrigeradas.

Resta aplaudirmos nossos jogadores na casa dos outros: Marquinhos, Militão, Neymar, Vinicius Junior, Rodrygo, tantos, para citar apenas o que estavam no recital de bola que pudemos ver na capital espanhola, muito melhor que quaisquer touradas.

Sérgio Rodrigues Que língua vamos falar amanhã?, FSP

 

Viver mais de três anos sob um governo anti-humanista, tendo que reagir dia após dia aos disparates calculados de uma aberração política e moral como Bolsonaro, deixa a gente meio embotado.

É quase inevitável adiar certas pautas humanistas para algum futuro menos inóspito, como se tratar delas fosse um luxo descabido quando a maior parte da população luta por direitos básicos como comida, teto, dignidade, justiça.

PUBLICIDADE

De certa forma, é luxo mesmo. A sobrevivência vem em primeiro lugar, e a sombra até há pouco impensável de uma guerra nuclear torna tudo ainda mais escuro. Mas um livro recém-lançado sugere que vale a pena pensar na vida como se houvesse amanhã –vai que haja!

Exposição do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, reaberto após quase seis anos fechado - Eduardo Knapp - 12.jul.2021/Folhapress

Falo de "Gramática da Norma de Referência" (Parábola), dos linguistas Francisco Eduardo Vieira e Carlos Alberto Faraco. Espera aí –uma gramática? O que um livro didático tem a ver com a luta do bem contra o mal?

Muita coisa. Sob o título nada sexy se esconde um livro precioso, materialização tardia de algo que a cultura brasileira devia a si mesma desde o século 19: uma gramática normativa sóbria, até careta, com a ousadia calma –e revolucionária– de espelhar a língua falada aqui.

Isso significa ser capaz de, sem arroubos militantes, enunciar verdades solares como estas: "A próclise é a colocação [pronominal] normal; a ênclise é a colocação atípica e, portanto, seus casos precisam ser especificados". (Lembrando: "me dá" é próclise, "dá-me" é ênclise.)

Mas isso não é óbvio? Se liga: na língua brasileira, sim; entre falantes portugueses, na maior parte das vezes soa mais natural o pronome oblíquo vir depois do verbo.

Diante de diferenças como essa, a resposta de muita gente tem sido declarar que por aqui falamos "errado" e tentar espremer nossa língua num padrão artificial. A marteladas, como um bebê com seu brinquedo de encaixar.

Se lembra de quantas vezes lhe disseram que é proibido começar frase com pronome oblíquo (como acabo de fazer)? Proibido por quê? É assim que falam os brasileiros, inclusive os plenamente escolarizados, tudo indica que há séculos.

A colocação pronominal à nossa moda é uma de muitas obviedades linguísticas que o livro de Vieira e Faraco, quinto e último volume da coleção "Escrever na Universidade", retrata ao manejar dados concretos sobre uso linguístico em vez de dogmas.

Em outras palavras, ao mudar o foco da velha norma-padrão –arbitrária, contraditória, distante até da norma portuguesa– para a norma culta da vida real, que os autores chamam de "norma brasileira de referência".

Num livro de anos atrás, o mesmo Faraco cunhou a impagável expressão "norma curta" para nomear o cipoal de regras bestas e pegadinhas que ainda hoje assombra o senso comum e sustenta um aparato normativo que envolve professores de português, revisores, consultores midiáticos e formuladores de concursos.

Mais conservadores do que os velhos gramáticos conservadores –mesmo porque mais ignorantes–, os guardiães da "norma curta" fazem um estrago incalculável em nossa autoestima linguística e na qualidade do português que se aprende nas escolas.

Claro: será sempre mais difícil ensinar o que nunca existiu, aspiração de uma elite que achou melhor falar mal um idioma idealizado, mas branco, do que abraçar a língua mestiça das ruas.

E assim voltamos ao bolsonaresco presente. É uma questão política urgente ensinar aos brasileiros a língua que os brasileiros falam.