quinta-feira, 10 de março de 2022

Fim da guerra às drogas, FSP

 VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)

Na última segunda-feira (7), ao menos 40 entidades da sociedade civil protocolaram ofício e nota técnica sobre participação e controle social nas políticas de drogas junto à administração do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), Câmara Municipal, Ministério Público, Defensoria Pública e Assembleia Legislativa.

As entidades apontam que o desenvolvimento de políticas embasadas na guerra às drogas resulta em déficits para o desenvolvimento social em importantes áreas do interesse público: a) corrupção das instituições públicas e privadas para a coexistência de negócios do crime organizado; b) sistema de Justiça e segurança pública seletivamente violento e punitivo com pobres e negros; c) gastos do Orçamento público em programas com expectativa de comportamentos pautados na abstinência do uso de drogas em uma sociedade atravessada pela medicalização e uso indiscriminado de álcool; e d) interdição da participação e do controle social em uma agenda colaborativa entre Poderes e sociedade civil.

As cidades podem ser membros poderosos no desenvolvimento de agendas alinhadas a compromissos globais e promover ações que diminuem desigualdades, possibilitando o desenvolvimento de políticas pacificadoras que independem de mudanças legislativas federais. E, para tal, é urgente que as cidades enfrentem a pauta da reforma da política de drogas.

Em São Paulo, por exemplo, acelerar a implementação da lei 17.089/2019, que nem sequer implementou o Comitê Gestor da Política Municipal de Drogas previsto na mesma. Onde está o compromisso da prefeitura paulistana em assumir a responsabilidade de sustentar os dispositivos criados pelo próprio Executivo? Faz-se necessário que o comitê gestor seja implementado de fato, criando, inclusive, um novo marco legal de participação e controle social atrelado à construção de um plano municipal de drogas alinhado aos objetivos apontados na Agenda Municipal 2030, que será lançada no próximo dia 12 de março.

A participação da sociedade civil corrobora com os objetivos apontados na agenda. Havendo o interesse desses atores, é possível articular programas de prevenção ao uso de drogas focados na diminuição de violências e cultura de paz; protocolos de cuidado relacionados a usos abusivos de drogas em eventos oficiais; fiscalização da lei 14.724/2008, de gratuidade de água potável em bares e baladas; educação permanente para servidores públicos; produção científica periódica sobre consumo de drogas; unificação de dados públicos; ampliação do protagonismo das pessoas afetadas pelas políticas de drogas; criação de comitê de monitoramento de serviços; criação de redes protetivas para crianças e adolescentes que são exploradas pelo tráfico de drogas; e desenvolvimento de parcerias com instituições de pesquisa para produção de conhecimento sobre uso terapêutico de drogas, começando pela cânabis.

A senha que desarma a "bomba" da guerra às drogas só poderá ser decodificada com medidas firmes que confrontem os códigos inaceitáveis impostos por esta mesma guerra.

Cristiano Maronna
Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP

Felipe A. Martins
Associação Brasileira de Estudos Multidisciplinares Sobre Drogas

Maria Angélica Comis
Centro de Convivência É de Lei

Michel de Castro Marques
Plataforma Brasileira de Política de Drogas

Nathália Oliveira
Iniciativa Negra por Uma Nova Política Sobre Drogas

Maria Hermínia Tavares - O funeral do PSDB, FSP

 A saída de Geraldo Alckmin do PSDB rumo ao PSB e à Vice-Presidência na chapa de Lula pode ser comparada à missa de sétimo dia de um partido que foi uma das vigas mestras do sistema político inaugurado com a democracia, nos longínquos anos 1980. Indistinguível de outras de igual porte, a legenda continuará à disposição dos que ambicionam fazer da política uma profissão.


Na sua origem, o PSDB foi a agremiação centrista de construtores da democracia; de reformadores moderados da economia e das estruturas do Estado; e de inovadores no terreno das políticas sociais. Sustentou com o PT, embora apenas no plano nacional, competição eleitoral centrípeta, que tornou possível a estabilização das regras democráticas e significativo progresso social.

Aproximava-os o compromisso com a democracia; com a garantia das liberdades; e a busca de maior equidade. Distanciavam-se na importância atribuída à moderação fiscal; às atribuições do setor público e dos mercados; e às formas de obter reconhecimento no exterior.

Quando, no poder, o PT conseguiu dominar todo o território do centro à esquerda, o PSDB foi deslizando para a direita, recrutando ali quadros e a maioria do seu eleitorado, ao tempo em que mudavam suas bandeiras e valores. Até 2014 —mas só nas disputas presidenciais— o partido foi o desaguadouro dos votos antipetistas de todos os matizes da direita: ultraliberais ou conservadores; republicanos ou patrimonialistas; democratas ou nostálgicos da ditadura.

Os tucanos começaram a minar seu próprio chão assim que, no dia seguinte à derrota de 2014, Aécio Neves contestou o resultado das urnas —pedra de toque do sistema do qual era um dos fiadores.

O partido continuou a fazê-lo ao aceitar, com malandro entusiasmo, a apropriação da Lava Jato contra seu principal adversário e ao embarcar alegremente na operação —para sempre sujeita a controvérsias— de destituir Dilma Rousseff, dando sustentação ao professor Michel Temer —um substituto com legitimidade contestada e apoio popular zero. A sigla morreu em 2018, quando seus eleitores tradicionais migraram em massa para Jair Bolsonaro, uns a contragosto, outros exultantes por encontrar, enfim, o chefe de suas afinidades.

O PSDB foi a principal vítima da crise política que ajudou a dar à luz e a nutrir, abrindo as portas para o que há de mais primitivo e cruel no país. Deixou órfãos —e a reboque dos ultras— políticos e eleitores que poderiam dar sustentação a uma direita civilizada como as democracias sempre comportam. Mas que nenhum dos candidatos da chamada terceira via parece, por ora, ser capaz de agregar.