quarta-feira, 9 de março de 2022

Governo permite que redução do IPI incida sobre veículos em estoque, FSP

 Ricardo Della Coletta

BRASÍLIA

O presidente Jair Bolsonaro (PL) editou um decreto que permite a incidência da redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), anunciada em fevereiro pelo governo, também sobre veículos em estoque nas concessionárias.

No final do mês passado, o governo aplicou um corte no IPI de diversos produtos, como carros, geladeiras, celulares e televisores. No caso de veículos, a redução foi de 18,5%.

A Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores) vinha pleiteando junto ao ministério da Economia que o benefício se aplicasse também aos carros em estoque nas concessionárias. A federação calcula o estoque atual nas lojas em cerca de 83 mil unidades.

O decreto publicado nesta quarta autoriza que as distribuidoras possam realizar a devolução ficta dos veículos novos que estavam no estoque em 25 de fevereiro de 2022 —dia da edição do decreto original de corte do IPI.

A devolução ficta ocorre apenas pela emissão de documentos fiscais.

Carros estacionados em pátio da fábrica da Volkswagen, em Taubaté - Paulo Whitaker - 19.jun.2015/Reuters

As fabricantes, por sua vez, poderão retornar a nota fiscal do veículo às concessionárias com o imposto reduzido.

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Essas operações de devolução poderão ocorrer até o final de junho deste ano.

"Trata-se de medida que, ao dispor sobre obrigações relacionadas à emissão e ao registro de notas fiscais, almeja viabilizar a redução das alíquotas do IPI incidentes sobre automóveis, além de tornar mais equilibrada a concorrência no mercado, não desfavorecendo as concessionárias que, à época da redução das alíquotas, estavam com baixo estoque", afirmou a Secretaria-Geral da presidência, em nota enviada sobre o novo decreto.

"Em síntese, a medida permite que as concessionárias que já tivessem veículos em estoque na data da diminuição do IPI possam se beneficiar da diminuição de tributação, sem ter que fisicamente devolver o veículo para as produtoras e montadoras de veículos. As revendedoras e concessionárias deverão solicitar a mudança até 30 de junho de 2022, estando autorizada a emissão de nova nota fiscal com o valor de IPI mais baixo, sem que o veículo tenha que ser fisicamente devolvido à montadora", concluiu.

Ruy Castro - É o mesmo estupro, FSP

 A guerra da Ucrânia nos entra dia e noite pelos olhos, ouvidos e corações, mas pergunto-me se temos como avaliar a tragédia dos que estão participando dela no papel de alvo: a população civil. É terrível imaginar que, em meio aos bombardeios, a vida segue inexorável para tantos ucranianos que, há duas semanas, nada tinham a temer do futuro próximo. Penso, por exemplo, nas gestantes com parto previsto para o começo de março nas condições com que sempre sonharam. Como imaginar que suas contrações se dariam num subterrâneo apinhado e imundo?

Como estarão nos abrigos os que se vêem acometidos de apendicite, que exige cuidado imediato? E os pacientes de hemodiálise? E os que dependem de oxigênio e não podem esperar para respirar? Que serviços continuarão funcionando? Quantos hospitais sobraram? Restaram laboratórios? Haverá médicos, enfermeiros e motoristas de ambulância suficientes? Como esses profissionais estarão se alimentando? E quem os estará alimentando?

Os bombeiros estarão dando conta dos incêndios? Até prédios civis estão sendo atingidos: escolas, igrejas, abrigos. Nas últimas casas habitadas faltam comida, luz, água, gás de cozinha e internet. Há cem mil pessoas dentro do metrô e só algumas saem para pegar o que resta nos supermercados —assim como o homem da caverna saía por comida para os outros. Os refugiados rumam para a fronteira a pé, de maca, em cadeiras de rodas ou nos braços de outros. O que dizer dos velhos e das crianças? E dos animais?

Mas temos um motivo de orgulho: os repórteres brasileiros na linha de frente. Estão fazendo um trabalho heroico. É bom saber que alguns brasileiros voltarão da guerra de cabeça erguida.

Porque é tão repulsivo o político que se orgulha de ter se lambuzado à larga com as refugiadas louras quanto o presidente que aproveita a guerra para estuprar as comunidades indígenas. É o mesmo estupro.

Hospital infantil em Mariupol após ser atingido por ataque russo nesta quarta-feira (9) - Exército da Ucrânia/via Reuters

Os sete pecados da memória. José Renato Nalini, OESP

Sempre tive uma relação íntima com a memória. Refugio-me nela com frequência. Agora mais do que antes, pois há tanta coisa boa armazenada. Tempos difíceis nos fazem nostálgicos. Eu já era saudosista antes da pandemia. Agora sou mais ainda. Não consigo pensar como o Dalai Lama, se é que é dele a frase: “Nunca estrague o seu presente por um passado que não tem futuro”. Extraio do passado lições que me servem hoje e me servirão amanhã. Gosto de citar Cecília Meireles: do “jardim das memórias”, só eu tenho a chave! Percorro-o quando quiser. E me delicio com as coisas maravilhosas que vivenciei e que me foram propiciadas.

Aprendi a trabalhar com a memória no ofício judicial. O juiz, principalmente no crime, fica adstrito aos testemunhos. Compenetrei-me que têm razão os antigos, quando chamam o relato humano de “a prostituta das provas”, enquanto que a confissão seria “a rainha das provas”. A palavra é flexível, plástica, pode ser ambígua.

Além disso, memorizar e depor se condiciona a uma série de fatores. A capacidade de percepção, a concatenação das ideias, a atenção aos detalhes, o compartimento onde se guardam as impressões, a qualidade da fala, desde o vernáculo, dispor de vocabulário, a sinonímia, etc. Além do fator emotivo. Cada qual enxerga a cena de acordo com suas singularidades.

Mas de onde vêm os “sete pecados da memória”?

É o nome do livro do psicólogo de Harvard Daniel Schaeter: “Os sete pecados da memória: como a mente esquece e lembra”. Para ele, a tecnologia pode ser útil para a memória, como as agendas digitais que nos notificam sobre compromissos.

Hoje, a internet profissionalizou todas as pessoas, que além de suas ocupações, são também fotógrafas. Tudo é registrado nos celulares. Aquilo que era característica do turista japonês na Europa, com suas máquinas sofisticadas fotografando tudo, hoje é praticado até por crianças. Tudo é registrado e vira mensagem para redes como Instagram, por exemplo.

Quando se fotografa, tem-se a impressão de que a imagem ficou intacta e eternizada. Tem-se à disposição relembrar a viagem. Será que isso não faz esquecer a impressão visual autêntica? Parece que a foto nos dispensa de registrar na lembrança a cena congelada.

De igual forma, o GPS nos dispensa de lembrar o melhor caminho. E as agendas telefônicas nos fazem negligenciar a capacidade de decorar números de familiares e de amigos. Isso acontece até com nossas senhas (e elas não deixam de crescer…). Se elas estão gravadas no celular, qual o sentido de eu ocupar um espaço no meu cérebro para guardá-las?

Tenho sustentado que a educação convencional, quando faz o educando decorar informações que podem ser localizadas com um clique, é irracional. Deixa de lado as competências emocionais, muito mais importantes do que a capacidade mnemônica. Mantenho essa posição, embora não resista a mudar de opinião, quando convencido por argumento mais persuasivo.

O que me preocupa e encontro eco em Schaeter, é a proliferação de inverdades que invadiu o mundo web. A veiculação intensiva de notícias falsas é um perigo para a nossa memória. De tão reiteradas, as mentiras podem se fantasiar de verdades. E há muita meia-verdade bombardeada, com insistente teimosia, nas redes que nos dominam e nos manipulam.

Some-se àquela tendência tão humana de acreditar no mal e desconfiar do bem. Notícias que detonam reputações ganham celeridade e força. Elogios morrem assim que proferidos. A polarização do Brasil, com a criação do espectro “nós versus eles”, é um fator que agrava esse quadro. O professor de psicologia de Harvard apurou que é mais fácil guardar falsidades afinadas com a nossa ideologia do que inverdades que não nos afetam emocionalmente.

É impensável dispensar a tecnologia. Ela nos domina. Quem dá aulas sabe que o alunado está mais atento ao seu mobile do que ao discurso do professor. Por sinal, a mensagem digital é sempre mais interessante, colorida e musicalmente sedutora. Tudo vai piorar com o metaverso. Surgirá o risco de se confundir realidade física e realidade virtual. E vice-versa.

Tem-se de estar atento. E quem está curioso para saber quais são os sete pecados da memória, tem de ler o livro. Não me sinto bem ao me utilizar do spoiler, a divulgação antecipada do final de um livro, filme ou qualquer outra mensagem.

*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022