Adriana Ferraz, O Estado de S.Paulo
05 de março de 2022 | 05h00
Pela primeira vez, a Prefeitura de São Paulo vai abrir concorrência pública para a compra de até 5 mil apartamentos novos ou reformados, com até dez anos de construção, para compor o programa habitacional do Município. Os imóveis serão usados para atender famílias cadastradas na fila da moradia de forma definitiva ou por meio de locação social e vão compor uma ação ampliada que prevê a aquisição de 45 mil unidades da iniciativa privada até o final de 2024 em um investimento estimado de R$ 8 bilhões.
Segundo o prefeito Ricardo Nunes (MDB), a consulta pública anterior à publicação do edital seria lançada neste sábado, 5, nos moldes do programa Pode Entrar, aprovado pela Câmara Municipal ano passado. “Ele muda toda política pública habitacional e cria um novo marco legal que nos dará condições de avançar no atendimento às famílias”, disse Nunes ao Estadão.
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Transformado em lei pelos vereadores, o programa permite, por exemplo, que a Prefeitura compre imóveis de forma pulverizada pela cidade, em prédios populares já ocupados sob duas condições básicas: que o valor máximo esteja de acordo com o edital e que a oferta contemple pelo menos cinco unidades na mesma torre.
De acordo com o programa, passam a ser permitidas também compras de empreendimentos inteiros já em construção ou em fase de licenciamento. Segundo o Estadão apurou, os apartamentos devem ter entre 32 e 70 metros quadrados, com dois quartos e um banheiro. Já os beneficiados deverão ter renda bruta familiar de até seis salários mínimos.
O secretário municipal de Habitação, João Farias, informou que os valores estabelecidos para a compra são de R$ 200 mil, no caso de apartamentos prontos, e de R$ 180 mil, para unidades em fase de construção ou licenciamento. Ao participar do programa, as famílias passam a arcar com os custos do financiamento – feito direto com a Cohab de forma subsidiada e dividido em 30 anos – e com taxas relativas a IPTU e condomínio, por exemplo.
O Município diz que aceitará propostas de imóveis localizados em toda a cidade, mas que dará prioridade aos territórios abastecidos com opções de transporte público, próximos, portanto, a estações de trem e metrô e corredores de ônibus. A intenção, segundo a gestão Nunes, é reduzir os deslocamentos urbanos, ampliando o acesso da população beneficiada aos equipamentos públicos e ao mercado de trabalho.
A consulta pública tem o prazo de 30 dias. Depois, as propostas serão reavaliadas para a publicação definitiva dos editais. “É importante destacar que essa consulta pública vai permitir que a Prefeitura faça a maior aquisição de unidades habitacionais da história de São Paulo. Para se ter uma ideia, nossa meta é chegar a 49 mil até o final da gestão, em 2024, mas apenas esses editais já preveem 45 mil”, afirmou o secretário Farias.
O déficit habitacional da capital paulista passa de 400 mil moradias, levando-se em conta a fila registrada da Cohab, o total de imóveis identificados em áreas de risco (173 mil) e o número de moradores de rua (31 mil).
Para o coordenador do Laboratório Arq.futuro de Cidades do Insper, Tomas Alvim, é importante que a Prefeitura desenvolva modelos alternativos de oferta de moradia, principalmente perto das áreas infraestruturadas. “A iniciativa parece ótima, mas isso, claro, não atende a demanda existente. Continuamos precisando de um programa consistente que torne a moradia a porta de entrada de acesso à cidade e aos serviços públicos, como sempre diz Carmem Silva (ativista e coordenadora do Movimento dos Sem-Teto do Centro, o MSTC). Novas soluções devem fazer parte dessa política habitacional”, afirma.
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A Prefeitura quer uma nova fórmula para calcular o valor da indenização a ser paga a moradores de áreas de risco listados em planos de remoção. A ideia é pagar um bônus de até R$ 30 mil para a desocupação de imóveis com mais de cinco anos classificados de risco muito alto. São mais de 11 mil nesta situação na capital, segundo cálculos do Município.
O prefeito Ricardo Nunes também encomendou à Secretaria Municipal de Habitação um novo programa de moradias populares que contemple parte da população em situação de rua com unidades privativas e ocupação rotativa, ou seja, sem a entrega da posse definitiva. De acordo com o projeto, os apartamentos poderão ter a partir de 12 metros quadrados – com cozinha, sala e banheiro – e uso estimado de um ano.
Enfrentamento ao déficit habitacional exige conjunto de ações
Coordenador do curso de negócios imobiliários da Fundação Getulio Vargas (FGV), Alberto Ajzental explica que a maior parte das famílias em déficit habitacional tem renda bruta entre um e três salários mínimos. “É onde o mercado não consegue atender, porque quem faz a construção não consegue fazer uma coisa tão barata, e quem recebe de um a três salários mínimos não tem renda para comprar”, destaca. Por isso, a intervenção do poder público se justifica.
Para ele, a melhor solução para o problema é o aluguel, não a compra, que exige comprometimento grande de parcela da renda familiar por muito tempo. “Se ela aluga e não pode pagar, não vai perder tanto do investimento, porque não perde o bem”, explica.
A compra de imóveis da iniciativa privada, aponta, evita ineficiência e desvios de recursos. “A Prefeitura não é uma construtora”, diz. “Faz uma concorrência e compra o que é bom”, sugere.
A pesquisadora do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade (LabCidade) da USP, Isadora Guerreiro, diz que a compra de imóveis prontos “responde mais rápido” à crise habitacional. Por outro lado, ao incentivar um nicho do mercado que englobe moradias nos parâmetros fixados pelo poder público, dá autonomia à iniciativa privada. “Deixar na mão da iniciativa privada para que construa onde bem entender é algo que vai contra todas as regras de planejamento da cidade”, avalia.
Nesse sentido, ela questiona a possibilidade de “pulverização” dos imóveis comprados. “Me parece uma contradição com o Plano Diretor, que definiu as áreas de prioridade (para a construção de habitação de interesse social)”, diz, citando os eixos de estruturação urbana, as Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) e o Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios (Peuc).
A pesquisadora destaca que o enfrentamento do déficit habitacional requer ações diversas, pois ele não é um número abstrato, mas sim composto de elementos internos, como precariedade e coabitação, que indicam necessidades distintas. Ela aponta que cerca de 70% do déficit habitacional da Região Metropolitana corresponde a pessoas que enfrentam ônus excessivo de aluguel, que se configura quando mais de 30% do rendimento familiar fica comprometido. / COLABOROU LEON FERRARI