A Unigel, que no fim do ano fez dois contratos no mercado livre de gás para suprir as fábricas de fertilizantes arrendadas da Petrobras em Sergipe e na Bahia, quer acelerar a expansão para tentar ajudar a reduzir a dependência brasileira em relação ao importado, segundo Roberto Noronha, CEO da empresa.
Recentemente, em 2021, vocês deram início a dois contratos no mercado livre de gás. Qual é a importância disso no contexto atual com a guerra? A matéria-prima principal para fazer ureia é o gás natural. Esses contratos são fundamentais. Não há como produzir sem ter um contrato de suprimento constante. Essas unidades precisam ter o fluxo constante de gás o ano todo. Esse é um gás produzido no Brasil.
Qual é o seu grau de preocupação sobre a dependência do Brasil em relação ao fertilizante importado? Eu tenho falado para o governo brasileiro que a vulnerabilidade do Brasil, agora, está meio que escancarada.
O governo russo está recomendando a suspensão da exportação de fertilizante. Os quatro maiores mercados são China, Índia, Brasil e EUA, destes, três, que são China, Índia e EUA, têm uma dependência entre 20% a 25%. O Brasil depende de algo como 80% de fertilizantes importados.
É vulnerabilidade para o principal componente do PIB brasileiro, que é o agronegócio. Então, me preocupa, sim.
E a empresa? Nós investimos pesado para colocar essas unidades que estavam hibernadas para funcionar e, a nossa ideia é seguir expandindo para tentar reduzir um pouco a vulnerabilidade. Nós, obviamente, não prevíamos essa crise, que é inegável.
Entramos antes de que se pensasse que pudesse ter o problema. Agora, nós estamos aqui como solução parcial, porque não temos como atender a demanda toda. Porém, vamos tentar fazer as expansões de forma extremamente rápida para tentar minimizar o problema.
Quanto tempo demora para ligar uma hibernada? Depende do estado da hibernação. Vou pegar o exemplo da planta hibernada em Três Lagoas, nós da Unigel conseguimos fazer reativação muito rápido.
Precisa comprar equipamentos, contratar, treinar gente, negociar matéria-prima, licença, há um processo.
Em um prazo curto, se eu conseguisse entrar hoje na unidade, acredito que em 12 meses, possivelmente, conseguiria colocar a empresa de pé. Não é do dia para a noite.
Uma outra planta hibernada pode ser mais rápido porque não tem que concluir investimento. Depende da situação. Se pegar um projeto já pronto, é mais rápido.
E qual é o investimento? Ele aumenta com a guerra? Antes da guerra, nós investimos mais de R$ 500 milhões para reativar as duas unidades.
Estamos investindo nesse segmento agro, de fertilizantes, uma planta nova de ácido sulfúrico, que vai alimentar uma nova planta de sulfato de amônio. Em 12 meses vamos estar construindo uma planta totalmente nova e reativando uma em Sergipe.
E esse investimento, estamos estimando a planta de ácido sulfúrico outros R$ 500 milhões e a reativação da planta de sulfato de amônio, pelo menos, mais uns R$ 50 milhões a R$ 100 milhões.
Não há muito a ser feito na emergência? A fábrica que existe não é da Unigel. Podemos ajudar no processo. Treinamos uma equipe imensa para produzir ureia.
Poderíamos, eventualmente, tentar fazer alguma coisa em curtíssimo espaço de tempo, mas tem toda uma negociação por trás. Tem muita coisa que tem que ser discutida com o atual dono da fábrica. Seria com a Petrobras.
Pensando no longo prazo, que política pública o Brasil poderia fazer para ajudar a resolver esse problema da dependência? Participei de algumas reuniões da confecção do plano nacional de fertilizantes. O importante para o Brasil estimular investimentos no setor, no meu caso particular de nitrogenado, seria ter matéria-prima competitiva, porque isso significa que você consegue produzir e competir com o importado.
Se olhar para trás, por que nunca houve investimentos maciços em fertilizantes nitrogenados? Ter isonomia tributária, ter custo de logística mais competitivo, como o ministro está tentando fazer com a reativação de ferrovias, tudo isso ajuda.
Mas a essência do problema, para mim, está na matéria-prima competitiva. O Brasil tem recurso, tem o gás, tem a demanda de fertilizante, tem tudo para dar certo. Muitos países que não têm isso conseguem produzir. É uma questão de alinhamento.
Vocês têm alguma pretensão de exportar no radar? Não. Como a demanda do mercado brasileiro é muito maior do que a nossa capacidade de oferta, não temos interesse de exportar ureia. Nem sulfato de amônio, que o Brasil também é um mega importador.
Qual é a sua opinião sobre o posicionamento de Bolsonaro ao evitar criticar Putin pela invasão da Ucrânia sob a justificativa da dependência dos fertilizantes? O Brasil importou da Rússia 1,4 milhão de toneladas de ureia no ano passado. Existe, sim, um volume importante. Não significa que essa ureia não possa vir de outros países.
Sobre o posicionamento do presidente, prefiro não comentar. Nós da Unigel estamos produzindo a plena carga, 1,15 milhão de toneladas ano e com intenção de seguir investindo para ampliar essa produção.
Raio-X
Diretor-presidente na Unigel, membro do conselho diretor e do comitê executivo da Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química). É bacharel em engenharia mecânica pelo ITA e também em direito pela USP. Tem pós-graduação em finanças pela FGV e em administração avançada pelo Insead