quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

É preciso coragem para mudar o modelo econômico fracassado, FSP

 Nelson Marconi

É professor da FGV-Eaesp, foi coordenador do programa de governo de Ciro Gomes em 2018

economia brasileira está comendo poeira há muito tempo. Em 1980, nosso PIB per capita era 15 vezes maior que o chinês e 1,6 vez superior ao sul-coreano; em 2020 equivalia, respectivamente, a apenas 79% e 26% do observado nestes países.

O que fizeram os asiáticos? Perceberam que os países mais bem-sucedidos incentivam a indústria e os setores importantes ao redor; logo, ampliaram sua participação no mercado internacional via exportações de manufaturados, usando e abusando de planejamento, boas práticas macroeconômicas, políticas de desenvolvimento científico e tecnológico e educação, focando em áreas estratégicas e sempre defendendo os interesses de seus países.

Por aqui, entregamos nosso mercado interno, de mão beijada, via moeda apreciada, aos produtores de outros países, sem expandir as exportações de manufaturados; enquanto as vendas no varejo, descontada a inflação, hoje são o dobro do que eram em 2003, a produção industrial está no mesmo patamar de 2005.

A ilustra é uma caricatura de Ciro Gomes
Caricatura de Ciro Gomes, pré-candidato à Presidência - Ilustração Luciano Veronezi

Criaram-se todas as dificuldades possíveis para os produtores locais eficientes atuarem nos mercados interno e externo: além do câmbio, juros altos, estrutura tributária distorcida, políticas industriais ineficazes, investimento insuficiente em educação e ciência e tecnologia e má qualidade dos gastos públicos.

Como resultado, nos desindustrializamos e hoje sentimos a pior consequência deste processo: deixamos de gerar bons empregos e as pessoas estão tendo que se virar na informalidade, em ocupações muito mais precárias, e o PIB per capita do Brasil atual é igual ao de 2010. Perdemos 11 anos.

É possível reverter esse cenário e voltarmos a gerar bons empregos, que é um de nossos objetivos principais, e estimular o real empreendedorismo? Certamente que sim! Precisamos investir mais em educação? Lógico, e o Ceará de Ciro Gomes e seus sucessores é um exemplo mundial. Precisamos participar mais do comércio internacional? Sim, mas estimulando as exportações, e não aniquilando os produtores locais. Como fazer?

Primeiro, é necessário estruturar um cenário macroeconômico favorável a quem produz: devemos equacionar a questão fiscal a médio prazo, tornando a trajetória da dívida pública sustentável, via redução de subsídios e isenções, da mudança da lógica orçamentária —que premia quem gastou mais no passado, da instituição de tributação progressiva sobre lucros e dividendos, heranças e patrimônio, desonerando compensatoriamente a produção, e da melhoria na qualidade do gasto público. Assim, neutralizam-se as pressões contrárias à queda da taxa de juros, viabiliza-se a manutenção da taxa de câmbio em um patamar competitivo e os investimentos públicos que necessitamos para retomar o crescimento neste momento. Também são fundamentais ações para reduzir a inflação e o endividamento privado.

Do ponto de vista estratégico, vemos que EUA, Alemanha e França criaram planos para recuperar suas indústrias e seu espaço na economia mundial, incluindo elevados gastos em infraestrutura e pesquisa e desenvolvimento. Não há como agirmos de outra forma.

Um plano nacional de desenvolvimento pactuado entre os setores público e privado, nos moldes defendidos por Ciro, é essencial, prevendo tanto o desenvolvimento científico e tecnológico como a redução de desigualdades e a melhoria de indicadores sociais, que se recuperarão com a melhoria na qualidade dos empregos, o avanço educacional e políticas específicas para os mais desfavorecidos. A gestão pública deverá ser reorientada para o alcance das metas deste plano, atuando de forma matricial, monitorando e cobrando resultados e premiando o bom desempenho.

A pauta ambiental constitui uma oportunidade de investimentos: o desenvolvimento de novas fontes de energia, a reorientação do uso do petróleo, as alterações na forma de produzir carnes e outros alimentos, a implantação de uma infraestrutura de baixo uso de carbono e os necessários avanços tecnológicos na área da saúde, por exemplo. Todos esses fatores estimularão a inovação e sofisticação tecnológica, incluindo a microeletrônica, softwares e inteligência artificial. E pensemos em todos os serviços que serão demandados por estas atividades.

Há, sim, muito espaço para retomar o crescimento, os bons empregos e a dignidade do povo brasileiro. Mas é necessária disposição e coragem para mudar o modelo econômico fracassado que impera há décadas.

SÉRIE PENSAMENTOS ECONÔMICOS DE PRÉ-CANDIDATOS

GUIDO MANTEGA - Bolsonarismo levou Brasil à crise, e retomada virá com o seu fim, FSP

 Guido Mantega

Foi ministro do Planejamento (2003-2004), presidente do BNDES em 2015 e ministro da Fazenda (2006 a 2014).

No final de 2022 poderemos comemorar o enterro de um dos piores governos da história republicana brasileira. Se for feita uma autópsia no cadáver do bolsonarismo, serão descobertos fortes indícios de um neoliberalismo anacrônico, que não é mais praticado em nenhum país importante do mundo.

A economia brasileira terminou 2021 estagnada e vai continuar assim por todo o ano de 2022. De acordo com a pesquisa Focus do Banco Central (03/01/22), o crescimento do PIB de 2022 não deve passar de 0,36%.

Com esse crescimento pífio, o desemprego permanecerá alto e deverá repetir, em 2022, os 12% de 2021, enquanto a inflação estará recuando dos 10% de 2021, para algo em torno de 6%, às custas de uma feroz política monetária contracionista, que vai paralisar a economia brasileira.

Caricature presidenciáveis Mercado - Lula
Caricatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pré-candidato à Presidência - Ilustração Luciano Veronezi

A fome e a pobreza continuarão aumentando ao sabor do descaso do governo. O auxílio de R$ 400 no Bolsa Família vai beneficiar apenas uma pequena parcela dos necessitados.

Para agravar essa situação, há um avanço da pandemia da Covid-19 e de novas gripes, que podem reduzir o crescimento dos países ricos, afetando diretamente as exportações brasileiras. O banco central americano (Fed) anunciou um endurecimento da política monetária em 2022, com elevação dos juros, o que deverá causar a saída de capitais estrangeiros do país.

Entre 2019 e 2022 o PIB brasileiro terá um crescimento médio de 0,5% ao ano. Um pouco melhor do que o decréscimo médio de -0,13% ao ano do governo Temer, entre 2016 e 2018.

Em vez de colocar o Estado em campo para socorrer as vítimas da crise e estimular a retomada do investimento, como fizeram os países do G20, o governo Bolsonaro reduziu o auxílio emergencial de 2020 para 2021, e vem diminuindo o investimento público desde o início do seu governo.

Essa situação dramática, produzida pela política econômica do ministro Guedes, contrasta com o desempenho da política econômica social desenvolvimentista dos governos Lula e Dilma.

Entre 2003 e 2014 o PIB brasileiro teve um crescimento médio de 3,5% ao ano, enquanto o desemprego caiu para abaixo de 6% da população economicamente ativa. No final de 2014 o Brasil era um país pouco endividado, com uma dívida pública líquida igual a 32,5% do PIB, enquanto o Banco Central acumulava reservas de US$ 374 bilhões. Não à toa, a partir de 2008 o Brasil passou a receber avaliações positivas de grau de investimento, pelas principais empresas de classificação de risco.

Os governos Lula foram marcados pela elevação dos investimentos e por uma política fiscal responsável, que compatibilizou aumento de verbas sociais com os maiores superávits primários da economia brasileira.

A pobreza caiu de 26,7%, em 2002, para 8,4%, em 2014. Pela primeira vez, em 500 anos, a renda dos mais pobres cresceu mais do que a dos mais ricos e a desigualdade diminuiu no país. Foi assim que o Brasil saiu do mapa da fome e tornou-se o sexto maior PIB (Produto Interno Bruto) do mundo, em 2011.

Mas os governos neoliberais reverteram parte desses avanços sociais e econômicos. O governo Temer fez a reforma trabalhista que reduziu direitos e salários, e ainda aprovou a lei do teto de gastos, que produziu inúmeras distorções na gestão orçamentária. As gestões fiscais dos governos Temer e Bolsonaro foram um desastre que, desde 2016, só acumulou déficits primários.

Está claro que não existem saídas fáceis para consertar a situação dramática que será deixada pelos governos Temer e Bolsonaro. É uma herança maldita que fará com que o PIB de 2022 retroceda para os valores de 2013.

Para enfrentar essa situação desafiadora, as forças democráticas deverão elaborar um programa de desenvolvimento econômico e social para a reconstrução do país.

Certamente esse programa deverá conter medidas emergenciais de combate à fome e à miséria, que propiciem condições de sobrevivência da população mais pobre.

O governo deve coordenar um ambicioso plano de investimentos públicos e privados, de modo a ampliar a infraestrutura e aumentar a produtividade, gerando muitos empregos.

É necessário desenhar um programa de investimentos de longo prazo que dê sustentação ao crescimento e ao aumento da produtividade.

É imprescindível realizar uma reforma tributária, que simplifique os impostos federais, estaduais e municipais. É importante também diminuir a taxação dos mais pobres, aumentando os tributos sobre a renda e patrimônio dos 1% mais ricos, de modo a reverter a regressividade da estrutura tributária brasileira.

A política monetária deve manter a inflação sob controle, sem exagerar na dose de juros, para preservar o crescimento e, ao mesmo tempo, evitar um serviço da dívida impagável.

O novo governo deve retomar as políticas industriais e as de investimento tecnológico, que devolvam a competitividade da indústria brasileira. Claro, sem esquecer as questões climáticas e ambientais.

O que está em jogo nas próximas eleições é se continuaremos com a política econômica desastrosa do governo Bolsonaro e de outros candidatos neoliberais, ou se vamos retomar a via do social-desenvolvimentismo rumo ao Estado de bem-estar social.

*Este artigo não expressa o ponto de vista da candidatura Lula, que ainda não foi lançada, sendo o resultado das discussões de um grupo de economistas que assessoram o ex-presidente Lula.

SÉRIE PENSAMENTOS ECONÔM

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

Biden vai contra as BIG MEAT, The News

 

Biden vai contra as BIG MEAT

MUNDO

(Imagem: Jonathan Ernst | Reprodução)

Dos criadores do antitruste das BIG TECH, chegaram as sanções às BIG MEAT. Nessa semana, o governo de Joe Biden anunciou uma medida bilionária para reduzir a forte concentração no setor de processamento de carnes.

  • Joe vai injetar US$ 1 bilhão para expandir a capacidade de pequenas empresas do ramo, visando aumentar a concorrência no setor ultraconcentrado.

Por quê? Acredita-se que com um mercado mais competitivo, os consumidores terão mais opções com preços mais acessíveis. Para se ter uma noção, quatro grandes companhias controlam 85% do mercado de carne bovina nos EUA.

O momento: Os preços da carne subiram 16% na comparação anual em novembro, e o governo acredita que esse aumento está indo além da inflação — por isso, pretende dar um basta.

Por outro lado, há economistas que afirmam que essa “culpa” não faz sentido, já que os preços mais altos também são resultados da falta de trabalhadores — lembra-se da Grande Renúncia? — e das dificuldades da cadeia de suprimento.

De uma forma ou de outra, repreender comportamentos anticompetitivos é algo que Biden parece gostar de fazer. “Mais concorrência, menos monopólios”.

Nota de rodapé: A decisão afetou as ações da Marfrig e da JBS, duas companhias brasileiras, já que 75% das receitas de ambas vem das vendas de carne nos EUA.