quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Ruy Castro - Os esbirros de Bolsonaro, FSP

 

—Às vezes falo aqui nos esbirros de Jair Bolsonaro. Já foi uma palavra comum na imprensa, mas ficou fora de moda, daí leitores me perguntarem o significado. Houve quem a confundisse com espirro, sem saber que, achando repulsivos os espirros de Bolsonaro, eu jamais macularia esse espaço com eles. Para outros, talvez eu quisesse escrever esporro, o que faria sentido —nunca houve presidente tão estúpido e dado a governar por esporros. E ainda outros arriscaram esparro e esbarro. De fato, as duas palavras têm a ver: esparro é aquele que dá um esbarro na vítima para o punguista bater-lhe a carteira. Bolsonaro fica bem nos dois papéis, de esparro e punguista.

Esbirro, tecnicamente, é um agente da polícia, um guarda, um guarda-costas. Mas é ainda sinônimo de beleguim, que, nos dicionários, remete a tira, capanga, jagunço, quadrilheiro, alguém entre a lei e fora dela. Os esbirros a que os velhos jornais se referiam eram a guarda pessoal de Getulio Vargas no Catete, comandada por Gregorio Fortunato, e os de Carlos Lacerda na Guanabara, em torno de Cecil Borer. Muita gente foi para o Caju ou para o Pronto-Socorro depois de passar por eles.

Bolsonaro ampliou o conceito de esbirro. Não se limita mais àqueles rapazes carecas e sarados, incrustados no Bope, na PM e até na Câmara dos Deputados, que ele e seus filhos gostam de condecorar. São agora qualquer um a quem ele delega o trabalho sujo, como o de executar certas medidas cruéis e violentas --Marcelo Queiroga, Augusto Heleno, Braga Neto, Luiz Eduardo Ramos, Fábio Faria, Mario Frias, Sérgio Camargo.

Esbirros que ficarão na história foram também Eduardo Pazuello, Abraham Weintraub, Fabio Wajngarten, Ernesto Araújo, Ricardo Salles, Sergio Moro, muitos mais. Não importa que alguns se tenham voltado contra o chefe. Um dia, ladraram e morderam em seu nome.

Os esbirros de Bolsonaro se julgam finos. Mas não são, não. Esbirro é esbirro.


O QUE A FOLHA PENSA Gambiarra na Guanabara

 

Poluição na baía da Guanabara, às margens da Praça Mauá, no Rio - Vanessa Ataliba/Zimel Press/Folhapress

Diz muito sobre o descaso civilizatório no Brasil que seu antigo Distrito Federal, depois estado da Guanabara, seja banhado por águas de uma das baías mais belas e poluídas do mundo. A maravilhosa cidade que já foi capital nacional tem nos costados um mar de esgotos.

A promessa de limpar a baía da Guanabara enseja a mesma credibilidade —quase nula— do programa de despoluição do rio Tietê, que banha o mais rico e populoso município do país. Aqui não cabe rivalidade, as duas cidades mostram-se incapazes de dar destinação correta aos próprios dejetos.

Moradores de Vigário Geral, no Rio de Janeiro, são vizinhos da estação de tratamento de esgotos (ETE) Pavuna, mas seus rejeitos não vão para lá. Descem pelas galerias pluviais e terminam na baía, assim como os do complexo da Maré, ao lado da ETE Alegria.

Como resultado, essas estações funcionam com só 18% e 28% da capacidade, respectivamente. Ambas integram o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara, de 1994, ao lado de outras duas construídas em três décadas, mas sem completar a ligação dos domicílios à rede de tubulações.

Há perversidade, mais até que incompetência, nesse descalabro. Despendem-se bilhões em obras e dragagens portentosas, ao mesmo tempo em que se negligencia o básico do saneamento para não lançar esgotos in natura no ambiente.

Com a concessão do serviço no Rio de Janeiro, em abril, a meta é beneficiar 90% dos rejeitos até 2033. Prevê-se investimento de R$ 2,7 bilhões, nos próximos cinco anos, para sanear a baía.

Paradoxalmente, a aceleração se dará com o adiamento da disseminação da rede coletora em oito municípios circundantes: Belford Roxo, Duque de Caxias, Itaboraí, Mesquita, Nilópolis, Nova Iguaçu, Rio de Janeiro e São Gonçalo.

Em lugar de tubulações segregadas nas casas, haverá sistema coletor de tempo seco, de implantação mais célere. Os dejetos continuarão fluindo com águas de chuva, para recolhimento antes de alcançarem rios e a baía. O expediente funciona quando não chove muito. Mas seguirá carreando sujidades para a Guanabara sempre que a precipitação se tornar copiosa.

Pretende-se com isso uma despoluição rápida das correntes que deságuam na baía. Uma "solução emergencial", no eufemismo dos técnicos e defensores. Melhor que nada, dirão os conformistas. Mas muitos chamariam de "gambiarra".

editoriais@grupofolha.com.br

Ponto de partida para consertar o Brasil é crescer reduzindo desigualdades, FSP

 Henrique Meirelles

É secretário de Fazenda e Planejamento do Governo do Estado de São Paulo; foi ministro da Fazenda (2016-2018) e presidente do Banco Central do Brasil (2003-2011)

Os dois principais desafios do Brasil são voltar a crescer e reduzir a enorme desigualdade social, que se agravou na última década. A principal causa dos problemas é conhecida: a economia praticamente estagnada, sem recuperar o patamar do PIB pré-recessão de 2015-2016. E o diagnóstico está feito: a redução da desigualdade social depende do crescimento sustentado do emprego e da remuneração dos trabalhadores. E, também, da geração de riquezas e arrecadação tributária, que viabilize programas eficientes e focalizados de transferência de renda aos vulneráveis.

O objetivo imediato do próximo governo é a reversão urgente e eficiente do quadro atual, sob pena de termos mais uma década perdida. Será preciso trazer perspectiva aos jovens das classes de menor poder aquisitivo por meio de geração de oportunidades; estancar a emigração de talentos e de mão de obra qualificada; criar oportunidades a investidores e empreendedores e conter a fuga de recursos que poderiam estar sendo direcionados a investimentos.

A aceleração do crescimento depende do aumento da taxa de investimento –que é substancialmente inferior à média de países vizinhos– e de ganhos de produtividade –que está praticamente estagnada há décadas. Atingir esses objetivos, com escala satisfatória, pressupõe a participação majoritária do setor privado, o que demanda foco e melhor qualidade da ação estatal.

Ilustração mostra uma caricatura do rosto de João Doria
Caricatura de João Doria (PSDB-SP), pré-candidato à Presidência - Ilustração Luciano Veronezi

O momento é particularmente crítico por conta do fim do bônus demográfico, do atraso tecnológico, da necessidade de uma força de trabalho digitalizada, da crescente atenção às questões ambientais e de novas demandas na área da saúde. As mudanças exigem flexibilidade orçamentária para lidar com novas demandas da sociedade, além de capacidade de planejamento e de ações coordenadas com os demais entes da federação.

A ação estatal precisa se concentrar em áreas em que o retorno para a sociedade é maior do que o retorno privado. Fazer menos coisas e fazer bem-feito, com foco no cidadão. Esse é também o caminho para a redução da carga tributária no futuro.

Ao mesmo tempo, os marcos legais são fontes de insegurança jurídica que prejudicam o investimento, a inovação, o empreendedorismo e a produtividade.

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O Estado precisa ser forte (não significa ser grande) para cumprir seu papel de proporcionar qualidade de vida e oportunidades para a prosperidade dos cidadãos. Isso requer:

(1) Restabelecimento de um quadro macroeconômico estável –estabilidade é alicerce do crescimento e condição essencial para o avanço de outros temas estruturais, pois a fragilidade econômica reduz o espaço para a negociação política;

(2) Redução da desigualdade social –com alocação adequada de recursos e melhora na atuação do Estado;

(3) Investimento na formação de capital humano –base para garantir uma vida digna às pessoas e promover uma maior mobilidade social, a educação de crianças e jovens e a capacitação de adultos terá que ser prioridade;

(4) Promoção de um ambiente de negócios que facilite a produção e seja ambientalmente sustentável –aumento da segurança jurídica e criação das condições para que o setor privado amplie o investimento e atue como motor principal de crescimento e geração de emprego e renda, respeitando o meio ambiente e valorizando a nossa diversidade.

No campo ambiental, o Brasil precisa de regras que incentivem ações privadas para acelerar o passo na direção de uma economia carbono zero. Temos condições diferenciadas tanto na geração de energia quanto no consumo nas áreas industrial e de transporte, com os combustíveis verdes ganhando espaço. A preservação da Amazônia é imperativa. Regulamentações claras, que incentivem a preservação do meio ambiente e garantam o valor da floresta em pé, são o caminho para a criação de um mercado que promove a preservação e gera desenvolvimento econômico.

É urgente fazer reformas para tornar as empresas brasileiras mais capazes de competir globalmente. E precisamos promover acordos comerciais com países estratégicos e ampliar a representação comercial nas principais regiões do mundo.

Será essencial avançar concomitantemente nessas várias frentes, pois são ações que se complementam e elevam a efetividade umas das outras. Como não há "bala de prata" para atingir cada um desses objetivos, a definição de prioridades precisa ser cuidadosa, com base em diagnósticos precisos. E apenas uma equipe experiente, com resultados comprovados, será capaz de garantir as transformações necessárias ao Brasil.