domingo, 2 de maio de 2021

Samuel Pessôa - Conversa com um leitor, FSP

 Marcelo Costa Batista, meu leitor assíduo e crítico feroz, escreveu: “Desafio o colunista a apresentar aqui alguma solução para tirar milhares de brasileiros da miséria, gerar desenvolvimento e emprego para os milhares de desempregados e principalmente rever a carga tributária de regressiva para progressiva, inclusive tributando lucros e dividendos em percentuais franceses e noruegueses”.

O desafio do leitor tem uma parte fácil e outra difícil. A fácil é defender a elevação da tributação sobre os mais ricos. Tratei desse tema em algumas colunas no passado. Veja, por exemplo: "Imposto para os ricos""O Buraco é Fundo""Erro Simples" e "Chegou a hora de os ricos contribuírem para o ajuste" (bit.ly/3eILGIK).

A questão aqui é ter um correto diagnóstico do problema. Por exemplo, um trabalhador no contrato CLT que ganha muito já enfrenta carga tributária na casa de 40%, bem superior à alíquota máxima do IRPF, pois a contribuição previdenciária, no que exceder o teto da Previdência, também é imposto.

As empresas que operam no lucro real já pagam IRPJ somada à CSLL de 34%, e as do setor financeiro, 40%. É sempre possível aumentar a alíquota, bem como é preciso medidas que aproximem o lucro tributado do lucro contábil, mas certamente as maiores distorções estão nas empresas que operam no regime tributário especial do lucro presumido e do Simples.

Além de um correto diagnóstico, é saudável não ter leitura conspiratória do problema. Não há um agente maligno responsável pelos nossos males.

Como escrevi na coluna de 30 de maio de 2020, “se a alíquota [de imposto sobre o lucro dos bancos] fosse de 57%, em vez da alíquota média real de 28%, observada no quadriênio 2016-2019, a receita adicional anual para o Tesouro seria de R$ 34 bilhões, menos que as desonerações do IRPF”. (Na coluna original estava 75%, em vez de 57%. Erro meu.)

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Há espaço para elevar a receita com tributação sobre os ricos, mas está longe de ser a panaceia que se imagina.

A parte difícil do desafio do leitor é como produzir crescimento persistente e sustentável com redução da taxa de desemprego e da desigualdade.

Desde os anos 1980 a economia brasileira se encontra estagnada. A produtividade do trabalho cresceu ao ritmo de 0,5% ao ano.

O melhor período que tivemos foram os oito anos da Presidência de Lula. Crescemos com queda do desemprego e redução da desigualdade. Adicionalmente, a produtividade do trabalho, segundo o Observatório da Produtividade do FGV Ibre, cresceu 2,2% ao ano.

Várias circunstâncias tornam difícil replicar as condições daquele período tão positivo.

A primeira foi que FHC passou o bastão para Lula com a economia estabilizada, crescendo 2,5% ao ano, com superávit primário estrutural das contas públicas de 2% do PIB e exportações líquidas de 0,8% do PIB.

No primeiro mandato de Lula, a política macroeconômica foi conservadora. Como consequência, em 2005 o superávit primário estrutural era de 4% do PIB (dois pontos percentuais acima do legado por FHC), as exportações líquidas, de 3,4% do PIB, e, no fim de 2006, a inflação era de 3%. Na coluna de 19 de setembro passado, tratei da evolução e do conceito de déficit primário estrutural no período.

Quando houve a troca do ministro Palocci por Mantega, a política econômica passou a ser não sustentável.

Os seguintes sinais indicam a não sustentabilidade da política econômica praticada entre 2006 e 2010: a inflação subiu de 3% para 4,5%, sendo que o núcleo da inflação de serviços subiu de 4% para 7%; o superávit primário estrutural caiu de 4% do PIB para zero; e as exportações líquidas caíram de 3,4% do PIB para -1%.

O nível dessas estatísticas não era muito preocupante. A dinâmica era.

Como mencionei semana passada, o grande acerto do petismo foi a política de acumulação de reservas, que contribuiu muito para a queda do risco-país e, portanto, para a queda do juro real de equilíbrio.

Assim, em que pese um belo ponto de partida, legado por FHC e pelos primeiros três anos do primeiro mandato, o que eu chamei do período Malocci; o acerto na política de acumulação de reservas; e a forte ajuda das condições internacionais com o aumento dos preços das commodities, que se manteve em níveis elevados até meados de 2011, a política econômica de 2006 a 2010 já era não sustentável.

Quem assumir a Presidência em 2023 terá um ponto de partida fiscal bem pior. Também não se imagina que teremos uma situação internacional tão favorável quanto a que experimentamos na primeira década do século.

A nota positiva é que em 2023 provavelmente estaremos em uma posição cambial tão desvalorizada —ou até um pouco mais— quanto em 2003.

Não é fácil responder ao desafio do leitor.

Correr atrás de chip vira rotina para empresas no Brasil, FSP

 Paula Soprana

SÃO PAULO

A crise na cadeia global de chips semicondutores ameaça novas paralisações em montadoras brasileiras e, após mais de um ano de pandemia, afeta de modo crítico a indústria de eletrônicos, que tenta se adaptar diante da escassez do componente.

insuficiência de chips impacta fábricas de automóveis como General Motors, Ford, Stellantis e Volkswagen em todos os continentes. O problema das matrizes reflete diretamente nas subsidiárias, incluindo o Brasil. Há risco de novas paradas nos próximos meses diante da falta de semicondutores, de acordo com Anfavea, associação do setor.

“As empresas indicam essa possibilidade para as próximas semanas, para maio, caso não haja uma solução", afirma Luiz Carlos Moraes, presidente da Anfavea.

Trabalhadores na linha de montagem de chassis para caminhonetes da GM; falta de semicondutores estão atrasando a produção industrial em vários setores - Jeff Kowalsky/AFP

Em seu balanço do primeiro trimestre, por exemplo, a Ford alertou que reduzirá a produção no segundo trimestre em 50%, ou 1,1 milhão de unidades. A montadora disse que a escassez global de semicondutores custará cerca de US$ 2,5 bilhões.

​As companhias esperam um cenário mais estável para a cadeia no segundo semestre, embora alguns analistas joguem o reajuste apenas para 2022. Por enquanto, as automotivas tentam mitigar o risco acelerando a aquisição de componentes por via aérea, por exemplo, o que encarece a produção.

A indústria de eletroeletrônicos enfrenta o mesmo desafio. Embora se beneficie das vendas —que saltaram durante a pandemia—, 44% das empresas relatam entraves para acessar componentes eletrônicos, incluindo chips, vindos da Ásia, mostra sondagem da Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica) feita em março.

Isso gera atraso na produção e na entrega, além de repasse ao preço para o consumidor final de computadores e celulares. Segundo a associação, 87% das empresas perceberam pressões acima do normal nos valores de componentes e matérias-primas em março, índice que era de 30% em janeiro de 2020.

“As empresas estão buscando fornecedores alternativos no mercado internacional porque não há grande disponibilidade de chips no mercado doméstico”, diz Humberto Barbato, presidente da Abinee.

A explosão na demanda por tablets, celulares, TVs e computadores, motivada pelo trabalho remoto de grande parte da população durante a crise de Covid, é uma das principais causas para o desequilíbrio da cadeia. Os componentes-chave para a fabricação de eletrônicos vêm da Ásia e dos Estados Unidos.

"Os kits de componentes aumentaram, em média, 30% nos últimos 12 meses. Aliado ao aumento do dólar, de mais de 30%, gerou uma grande inflação", diz Alexandre Ostrowiecki, presidente da Multilaser.

A empresa foi menos lesada do que outras porque tem uma planta própria de semicondutores, o que não é comum no mercado nacional, dependente de importação. Mesmo assim, não está imune: a aquisição de bolachas de silício, a matéria-prima dos chips, também está travada.

"Não há previsão de melhora no curto prazo porque os custos lá fora continuam subindo", afirma Ostrowiecki.

Na Positivo, maior fabricante de computadores do país, os dois últimos meses foram os mais difíceis para a compra de chips. “Nosso dia a dia tem sido correr atrás de chip e não vemos luz no fim do túnel para essa questão”, afirma Hélio Rotenberg, presidente da companhia.

“Todas as indústrias do mundo usam chips de controlador de som e o produto está engargalado nas fabricantes.”

Chips semicondutores são essenciais para produtos tecnológicos de ponta, de computadores a carros e ao 5G. Embora o mercado tenha convencionado chamar de "crise de semicondutores", a escassez não é de silício, um dos elementos mais abundantes do planeta, mas do produto manufaturado.

De modo simplificado, um chip semicondutor funciona como um interruptor de luz mecânico, só que ele não se move e depende de uma corrente elétrica para conduzir energia ou não.

"O simples ato de enviar uma foto do celular a outra pessoa envolve o trabalho simultâneo de milhões de transitores, milhões de circuitos de semicondução dentro do chip do celular", diz Sergio Gama, diretor de dispositivos inteligentes da Rockwell para a América Latina.

A crise de abastecimento atingiu o ápice neste ano, embora a indústria já sinalizasse problemas antes da pandemia, quando o ex-presidente americano Donald Trump iniciou uma guerra comercial contra a China.

Para conter o avanço da chinesa Huawei no mercado de 5G, ele impediu a gigante asiática de comprar chips dos Estados Unidos. A chinesa correu para estocar o produto e começou a afetar a entrega a outras companhias.

Veio a pandemia, que alterou os padrões de consumo nas casas, elevando a procura por computadores, smartphones e tablets, que demandaram maior produção fabril. A Apple, por exemplo, registrou entre outubro e dezembro de 2020 o melhor trimestre em seis anos para a venda de iPads.

Paralelo a esse movimento, o setor automobilístico, que utiliza os mesmos chips de celulares, declinou. Quando iniciou seu processo de retomada, no segundo semestre, se deparou com uma procura por carros superior à projetada. As fábricas de chips não deram conta da demanda simultânea das duas indústrias.

Para finalizar a série de problemas, a japonesa Renesas, que responde por 30% do mercado de chips para automóveis, pegou fogo em março. Levará meses para trocar as máquinas atingidas e voltar a suprir o mercado.

O gargalo poderia ser resolvido se as fabricantes asiáticas, que respondem por grande parte do abastecimento, elevassem a produção. Só que a ampliação de plantas de chips são caras e demoradas, e exigem sofisticados processos de automação. As fabricantes teriam que contar com a sorte para ampliar as fábricas sem qualquer certeza sobre o comportamento do consumo do pós-pandemia.

Além disso, foram as maiores beneficiadas com a corrida por chips, registrando aumentos significativos de receita. O mercado global de semicondutores avançou de 6% a 10% em 2020, a depender da consultoria, com vendas superiores a US$ 440 bilhões. Chips de memória, GPUs e 5G impulsionaram a alta, segundo a Gartner.

A projeção para 2021 é de crescimento de 10,9%, de acordo com a World Semiconductor Trade Statistics.

Sem data para a normalização da cadeia global, as indústrias também não podem depender da mudança de governo nos Estados Unidos, que influencia os rumos do mercado detendo grandes fornecedores em seu território. Embora Joe Biden tenha uma postura favorável a soluções multilaterais, o foco do país é o abastecimento interno.

"Mesmo que os Estados Unidos tomem uma atitude para normalizar a questão, isso vai levar muito tempo, porque o abastecimento local é prioridade bipartidária, de republicanos e democratas", afirma Carolina Moehlecke, professora de relações internacionais da FGV.

O governo Biden assinou uma ordem executiva que tenta reduzir a dependência de produtos importados, o que inclui semicondutores.​