domingo, 2 de maio de 2021

LUIZ GUILHERME PIVA Holanda, pandemia e ratos, FSP

 


Luiz Guilherme Piva

Economista, mestre (UFMG) e doutor (USP) em ciência política e autor de ‘Ladrilhadores e Semeadores’ (Editora 34) e ‘A Miséria da Economia e da Política’ (Manole)

Há certa inclinação da Holanda ao esquecimento. É conhecida a afirmação de que, mesmo já tendo estado em Amsterdã, o turista não se lembra muito bem. Também um de seus principais filósofos, Erasmo de Roterdã, ventríloquo da loucura, afirma que não gosta de leitores de boa memória nem bebe com quem se lembra de tudo.

Mas há muito a usufruir do legado holandês. Há quem escolha como contribuição mais valiosa a filosofia de Spinoza (para quem —desculpem a simplificação— tudo o que existe são formas de Deus). Eu prefiro a seleção de futebol de 1974 (que certamente confirma Spinoza). Mas há outras lições importantes para a economia e a política.

Uma delas é a bolha das tulipas. Ela ocorreu na virada do século 16 para o 17 e se caracterizou pela valorização absurda do preço das flores, gerando um imenso mercado de derivativos em que se negociavam contratos futuros dos bulbos. Até que, em 1636, um comprador não honrou o compromisso, os preços viraram pó e a bolha estourou.

Outra é a chamada “doença holandesa”. Trata-se da valorização extrema de determinado bem de exportação de um país, que atrai muitas divisas, valoriza a moeda nacional e desmonta o restante da estrutura produtiva interna. O nome advém da grande valorização do gás natural descoberto na Holanda nos anos 1960: quase toda a indústria do país foi gravemente ferida pela valorização do florim.

Mais recentemente, outro processo que ganhou o nome de “holandês” é um formato de leilão, sobretudo em ofertas de títulos no mercado. O assunto faz parte dos estudos dos premiados com o Nobel de Economia em 2020 (Paul Milgrom e Robert Wilson). Nele inverte-se a lógica de os lances partirem de um preço mínimo: estabelece-se um preço máximo a pagar e as ofertas decaem até a menor oferta aceita pelo vendedor.

​E os ratos?

Em tempos de pandemia e vacinação, é bom recordar o que se passou no início do século 20 no Rio de janeiro. Para combater a peste bubônica, a prefeitura anunciou que compraria os ratos que as pessoas capturassem. Isso fez com que a população passasse a criar ratos para vender, e o contingente de ratos —e os seus preços— subiram. A prefeitura interrompeu a compra e furou a bolha. (Nesse mesmo período, a propósito, a campanha da vacina obrigatória contra a varíola —a Revolta da Vacina— gerou forte reação de segmentos da população e até tentativas de golpe por parte de grupos florianistas —seguidores de Floriano Peixoto, militar que fora presidente da República de 1891 a 1894.)

Bonde tombado na praça da República, no Rio de Janeiro, durante a Revolta da Vacina - Divulgação

A ideia da prefeitura talvez tenha tomado como exemplo a cidade de Hamelin (que não é na Holanda, mas é perto) no século 13. Contratou-se um indivíduo que receberia pelo número de ratos que extinguisse. Ele aceitou por um preço alto e, com sua flauta, atraiu os ratos da cidade para a morte no rio local. Só que não o pagaram. Ele, então, para se vingar, encantou e fez sumir todas as crianças da cidade. Uma forma perversa de se estourar uma bolha.

Ainda bem que, no caso do Rio, não se tratou de uma demanda internacional pelos nossos ratos, porque, além da bolha, teríamos sofrido também com a “doença holandesa” dos roedores, com os preços chegando às alturas no mercado mundial.

A menos que os compradores estrangeiros adotassem o leilão holandês.

TENDÊNCIAS / DEBATES

Minhocão ganha bancos, arquibancadas e acessos temporários a partir deste sábado, OESP

 O Elevado Presidente João Goulart, o Minhocão, ganhará novos acessos, mobiliário urbano e "minipraças" a partir deste sábado, 1º. Embora a ação potencialize o uso do viaduto da cidade de São Paulo como parque, o destino e a data da desativação para veículos seguem indefinidos e em discussão.

O novo mobiliário consiste em três arquibancadas modulares, cinco tablados (com encosto) e 20 bancos modulares, todos de madeira e com a função principal de servir de assento para os frequentadores da parte superior do elevado. As peças não são fixas e serão montadas nas proximidades dos trechos do Terminal Amaral Gurgel e da Praça Marechal Deodoro apenas nos fins de semana. 

Tablados serão instalados nos fins de semana na parte superior do Minhocão
Tablados serão instalados nos fins de semana na parte superior do Minhocão Foto: SMUL/SP-Urbanismo

A iniciativa tem caráter experimental. Nas próximas semanas, a Prefeitura também instalará ombrelones (grandes guarda-sóis), para fazer sombreamento. “Estamos ajustando a forma de fixação desse material para evitar possíveis quebras ou retirada indesejada”, explicou a gestão Bruno Covas (PSDB) em nota.

O mobiliário faz parte do programa Centro Aberto, que também abrirá pela primeira vez as duas unidades prontas debaixo do viaduto, localizadas nos mesmos trechos dos móveis. Elas funcionarão como “minipraças”, com aparelhos de ginástica, bancos, mesas de piquenique e brinquedos para o uso da população em horário livre.

Três arquibancadas também serão instaladas no elevado do centro de São Paulo
Três arquibancadas também serão instaladas no elevado do centro de São Paulo Foto: SMUL/SP-Urbanismo

Neste momento, não haverá, contudo, empréstimo de cadeiras, disponibilização de internet e outras atividades geralmente realizadas pelo programa, que estão pausadas durante a pandemia. As unidades mais conhecidas do Centro Aberto ficam na , como a do Largo São Bento, onde há um deque e, antes da covid-19, eram realizadas partidas de xadrez e ações do Sesc.

As iniciativas são alinhadas ao chamado “urbanismo tático”, que prevê a realização de intervenções rápidas, reversíveis e flexíveis em espaços públicos, adotadas em países como a Dinamarca, a Espanha e a Colômbia. No caso das duas unidades abaixo do Minhocão, também incluem duas escadarias de metal temporárias, que igualmente terão inauguração neste sábado e permitem o acesso à parte superior do elevado. 

 Duas unidades do programa Centro Aberto serão inauguradas neste sábado debaixo do Minhocão
 Duas unidades do programa Centro Aberto serão inauguradas neste sábado debaixo do Minhocão Foto: Tiago Queiroz/Estadão

O custo estimado da instalação das unidades do Centro Aberto e do mobiliário é de R$ 1,8 milhão. Já as escadas são alugadas mensalmente por cerca de R$ 15 mil ao mês e têm permanência prevista de dois anos, de acordo com a gestão municipal.

Os novos acessos foram implantados após recomendação do Ministério Público, assim como há a previsão de instalação de gradis na parte superior até maio. “Paralelamente, a Prefeitura está estudando as condições para instalação de outros acessos definitivos ao longo do elevado”, apontou a gestão em nota.

“O objetivo é tornar o local mais seguro e acessível à população”, acrescentou. “A valorização de espaços de convivência ao ar livre é uma das mudanças de comportamento nas cidades decorrentes da pandemia. Qualificar cada vez mais esses espaços urbanos é um dever dos gestores públicos diante da mais grave crise sanitária.”

Escadas temporárias vão interligar unidades do Centro Aberto à parte superior do Minhocão
Escadas temporárias vão interligar unidades do Centro Aberto à parte superior do Minhocão Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Um teste da instalação do mobiliário foi fotografado por um morador e publicado nas redes sociais nesta semana. "O parque é real. Acho que sai", comemorou uma pessoa nos comentários. Já outra afirmou que "nem precisa de bancos de madeira, e sim de segurança".

Atualmente, o Minhocão está aberto a pedestres aos sábados e domingos, das 8 às 19 horas, mas alterações no funcionamento podem ocorrer a depender da pandemia. Frequentado para fins de lazer e atividade esportiva, o espaço tem ganhado também a atenção de marcas, que transformaram mais de 20 empenas cegas dos edifícios do entorno em murais gigantes

Em paralelo, o Projeto de Intervenção Urbana (PIU) que definirá o destino do Minhocão segue “em andamento” na Prefeitura após consulta pública em 2019, considerando tanto o uso como parque quanto a demolição ou desmonte. Naquele ano, a gestão Covas chegou a anunciar a transformação definitiva do trecho entre o Terminal Amaral Gurgel e a Rua da Consolação em parque, com entrega em 2020, mas voltou atrás.

Construído nos anos 70, durante a gestão de Paulo Maluf, o Minhocão completou 50 anos em 2021 em meio a contrastes, em que as desigualdades sociais do entorno estão evidentes. A parte inferior do viaduto se tornou teto de dezenas de pessoas em situação de rua, enquanto novos edifícios de classe média são lançados no seu entorno. 

A desativação do tráfego de carros na parte superior está determinada no Plano Diretor, de 2014. A lei passa, contudo, por um processo de revisão neste ano

 Escadas de acesso permanecerão no local ao menos por dois anos
 Escadas de acesso permanecerão no local ao menos por dois anos Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Entre os dois principais grupos organizados de moradores voltados a reivindicar um destino ao espaço, a entrega de novos mobiliários e acessos divide opiniões. A associação Parque Minhocão já havia elogiado a iniciativa em matéria do Estadão deste mês, na qual o seu presidente, Felipe Morozini, disse se tratar de “mais um passo importante para o fechamento para carros”.

"Se o elevado já tem o uso feito pelas pessoas, então vamos fazer rampas, escadas, porque as entradas que existem foram teoricamente feitas para carros", aponta. Ele também elogia os Centros Abertos, como uma forma de "requalificação do espaço público".

Na mesma reportagem, Francisco Machado, um dos diretores do Desmonte Minhocão, criticou as novidades, que chamou de “farra de dinheiro público”. Para ele, as escadas e a manutenção da estrutura do elevado pioram a segurança da região, além de outros danos. 

“É lamentável que, no meio dessa pandemia, com milhares de mortes, carência de atendimento do serviço municipal, a Prefeitura esteja despendendo para essas escadarias. Pergunto: qual é a prioridade: saúde pública ou escadarias?”, completa.

O QUE A FOLHA PENSA O ex-superministro, FSP

 

Sem avançar agenda, Guedes perde quadros e prestígio; atuação é hoje defensiva

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O ministro da Economia, Paulo Guedes - Jardiel Carvalho/Folhapress

Outrora tido como superministro, tendo chegado ao comando da economia do país com maior potencial de poder do que qualquer um de seus antecessores, Paulo Guedes se enfraquece desde o início do governo Jair Bolsonaro.

O processo se mostra mais visível nos últimos meses, com seguidos problemas de coordenação com o Congresso. O último episódio foi a desastrosa negociação em torno do Orçamento de 2021. Com meses de atraso, produziu-se uma peça de ficção em que os erros técnicos e de procedimento tem as digitais do Ministério da Economia.

O problema foi atenuado após semanas de negociações que resultaram num veto parcial da peça pelo presidente, mas o episódio deixou sequelas políticas e consolidou entre os parlamentares uma aversão maior ao ministro.

Guedes se mostra ineficaz para fazer avançar as reformas essenciais para a modernização do país. Com promessas desconectadas da realidade, perde prestígio e a capacidade de interlocução política —e declarações desastradas, como a crítica a um filho de porteiro que teria ingressado em faculdade com nota zero, em nada ajudam.

Por vezes, a agenda é prejudicada por ideias fixas que causam controvérsia desnecessária. Tome-se o caso da reforma tributária, talvez a que carregue maior potencial para impulsionar a produtividade.

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Desperdiçou-se uma janela de oportunidade nos primeiros dois anos da atual gestão, quando havia certo alinhamento no Congresso e apoio do então presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para um amplo redesenho da taxação de bens e serviços.

Guedes insistiu na confusa pauta de uma nova CPMF, travando o avanço. Por fim, formulou uma proposta modesta de unificação de tributos federais, que não avançou. Foram esquecidas, ademais, as ideias de mudança do Imposto de Renda para mais justiça social.

Outra frustração se deu com a incapacidade de apresentar um programa coerente de auxílio permanente aos mais vulneráveis. Apesar das numerosas boas ideias disponíveis, nada foi aproveitado.

Também impressiona a perda recorrente de quadros da equipe econômica. A dificuldade para manter uma equipe coesa é outra demonstração de enfraquecimento.

Parece restar a Guedes prestígio com Bolsonaro, o que ao menos ainda lhe confere a capacidade para vetar pautas perigosas e assim evitar danos maiores à credibilidade da política econômica.

Sua posição defensiva não deixa de ter serventia, mas é naturalmente frágil e insuficiente para afastar as dúvidas de que poderá sucumbir a uma agenda populista. Bolsonaro e seus parceiros do centrão, afinal, só pensam em 2022.

editoriais@grupofolha.com.br