Wilson Witzel (PSC) iniciou seu breve governo pedindo paciência. Em seu primeiro discurso no Palácio Guanabara, sede do Governo do Rio de Janeiro, apelou para que os órgãos de controle compreendessem a crise financeira do estado antes de ingressar com medidas judiciais que travassem sua gestão.
Parecia irônico que um ex-juiz que foi eleito defendendo o rigor na gestão pública e o “abate” daqueles que cometiam crimes armados pedisse compreensão a atos semelhantes a de seus antecessores presos.
O Tribunal Especial Misto aprovou por unanimidade o afastamento em definitivo Witzel do Governo do Rio de Janeiro. Os dez membros do colegiado defenderam nesta sexta-feira (30) a condenação do ex-juiz por crime de responsabilidade, superando os dois terços do colegiado necessários para o impeachment.
O tribunal também decidiu inabilitar Witzel por cinco anos ao exercício de qualquer função pública.
Eleito graças à onda bolsonarista que varreu o país em 2018, Witzel se deslumbrou rapidamente com os votos que recebeu. Pediu a confecção de uma faixa de governador fluminense e criou figurinhas no WhatsApp para expor seu sonho de trocar em breve as cores do adorno azul e branco, do estado do Rio de Janeiro, para o verde e amarelo, da Presidência da República.
Inebriado, passou a acreditar que sua eleição não ocorreu graças ao apoio do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) e seu sobrenome, à época poderosa arma eleitoral. Rompeu, então, com o presidente e seus apoiadores, ficando completamente sem base política.
A pandemia do novo coronavírus lhe deu o palco perfeito para antagonizar com o presidente. Foi o primeiro governador no país a determinar medidas rígidas de restrição para circulação de pessoas e passou a atacar diariamente o negacionismo de Bolsonaro.
Foi neste mesmo palco que Witzel caiu. O ex-governador ignorou irregularidades evidentes nas contratações emergenciais reveladas pelo jornalista Ruben Berta em seu site, voltado para a cobertura do estado.
Com base em documentos dos processos eletrônicos públicos —sistema transparente adotado na gestão Witzel, é preciso reconhecer—, o jornalista apontou problemas na compra de respiradores, soro, sabonete e na contratação da organização social Iabas para gerir hospitais de campanha.
Witzel preferiu ignorar as informações, das quais reconheceu ter tomado conhecimento, e só agiu depois que grandes jornais, entre eles a Folha, apontaram essas e outras irregularidades. Era tarde demais.
As investigações do Ministério Público Federal apontaram que as irregularidades contratuais na Saúde eram parte de um suposto esquema de pagamento de propina para Witzel e seus aliados. Edmar Santos, ex-secretário, se tornou delator e acusou Witzel, embora sem apresentar provas claras do repasse de dinheiro supostamente destinado ao ex-governador.
O único dinheiro que entrou na conta da família Witzel foi por meio do escritório de sua mulher, Helena Witzel. Entre os clientes, empresas ligadas, segundo o MPF, a empresários envolvidos no esquema de propina da Saúde.
O sucesso do novo escritório de advocacia da primeira-dama remeteu imediatamente à memória do “boom” da firma de Adriana Ancelmo durante a gestão do marido, Sérgio Cabral (2007-2014), preso há mais de quatro anos.
Witzel deu explicações semelhantes às de Cabral, tentou comparar valores, mas não convenceu.
A paciência pedida pelo ex-juiz no primeiro discurso já tinha acabado entre os deputados da Assembleia Legislativa, com quem sempre teve uma relação tumultuada. O ex-governador do “tiro na cabecinha” caminhava para ser abatido.
O processo de impeachment deixou pouco clara as supostas vantagens financeiras obtidas por Witzel nas duas acusações analisadas no Tribunal Especial Misto: a contratação irregular do Iabas, atribuição da Secretaria de Saúde, e a anulação da punição da organização social Unir Saúde supostamente em benefício do empresário Mário Peixoto.
Sua suposta negligência nos casos, contudo, foi o suficiente. Num processo político, como todo e qualquer impeachment, Witzel foi abatido e se tornou mais um na lista integrada por todos os governadores eleitos ainda vivos no Rio de Janeiro a prestar contas na Justiça Criminal.
Moreira Franco (1987-1991) aguarda definição sobre o destino da ação penal sobre corrupção na Eletronuclear. Anthony Garotinho (1999-2002) acumula passagens pela prisão, tendo inclusive atingido a mulher, Rosinha Garotinho (2003-2006). Sérgio Cabral (2007-2014) soma suas penas praticamente esquecido na cadeia. Luiz Fernando Pezão (2014-2018) passeia sem ser notado com tornozeleira eletrônica no interior do estado.
Witzel, com apenas um ano e oito meses de mandato e com os direitos políticos cassados por cinco anos, caminha para ser mais um na paisagem de corrupção e crime do estado. Será lembrado como o governador que defendeu a morte como política de Estado.
“Wilson Witzel mobilizou um discurso fascista e genocida prometendo mirar na cabecinha. Acabou alvejado por não ter base social e nenhum apoio depois de romper com o espectro bolsonarista”, afirmou a deputada estadual Mônica Francisco (PSOL), ao defender a abertura do processo de impeachment.
Assim como as 2.690 pessoas mortas pela polícia com seu aplauso durante sua gestão —encerrada às 6h do dia 28 de agosto de 2020 pela Polícia Federal—, Witzel se torna mais um na estatística da cadeira ejetável do Palácio Guanabara. Ao menos está vivo para protestar.