quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Ruy Castro Godard, o último da turma, FSP

 

O cineasta faz 90 anos amanhã, sem ninguém para ajudá-lo a soprar as velinhas

  • 5

Jean-Luc Godard, o cineasta mais discutido da história, completa 90 anos amanhã (3). Seu primeiro filme, "Acossado" (1960), fez 60 anos outro dia. O título original, "À Bout de Souffle", significa sem fôlego, em francês. Mas haja fôlego para tantas velinhas, porque Godard terá de soprá-las sozinho —seus colegas François Truffaut, Claude Chabrol, Jacques Rivette, Agnès Varda, Jacques Demy, Chris Marker, Louis Malle, Alain Resnais, Eric Rohmer e Jean Rouch, as estrelas Jean Seberg, Anna Karina e Anne Wiazemski, o fotógrafo Raoul Coutard, o músico Michel Legrand e o produtor Georges de Beauregard, todos já se foram.

Entre 1958 e 1968, com as novas câmeras, mais ágeis, que permitiam filmar na rua, com luz natural, e roteiros escritos no verso de maços de Gitanes, eles fizeram do cinema uma arte incontrolável. O clima político e estético ajudava. Godard foi decisivo para aglutinar aquela turma e, bem típico dele, explodi-la. Todos, alguns para sempre, um dia romperam com ele. Como se sentirá hoje sem um único contemporâneo por perto?

O grosso de seus adoradores éramos nós, os jovens. A notícia de que um novo filme seu saíra em Paris, os artigos a respeito no "Cahiers du Cinéma" e, até que enfim, poder vê-lo no Paissandu e levar a madrugada discutindo-o nos botequins adjacentes —era quase como viver em função de Godard.

Alimentados ano a ano por "Uma Mulher é uma Mulher", "Viver a Vida", "O Desprezo", "Alphaville", "Pierrot le Fou", "A Chinesa", chegamos a 1968 sem saber que Godard estava se despedindo do cinema. Do cinema comercial, claro, porque ele nunca deixou de filmar, embora, coerente, só para mídias exóticas e obscuras. Mas 1968 foi o fim de muita coisa e, ali, nem todos o seguimos.

Eu, por exemplo, fui tratar da vida e nunca mais vi nada que ele fez. Godard também acharia isso coerente. Para ele, o cinema não precisava de plateia.

Cartaz, fotos, anúncios e EPs dos filmes de Godard nos anos 60
Cartaz, fotos, anúncios e EPs dos filmes de Godard nos anos 60 - Heloisa Seixas
Ruy Castro

Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues

Bruno Boghossian E se a esquerda chegar dividida à eleição de 2022?, FSP

  EDIÇÃO IMPRESSA

Apesar das experiências de união em algumas capitais, as eleições de 2020 aprofundaram a divisão que vem sendo cavada há alguns anos na esquerda. Sinais emitidos pelos principais atores desse campo indicam que a composição de uma frente para 2022 está mais distante.

O processo dos últimos meses cristalizou o distanciamento entre o PT e a aliança formada por PDT e PSB. A presidente petista, Gleisi Hoffmann, já disse que as eleições deixaram feridas e que ainda considera difícil um acordo com aquela dupla.

Já o presidente do PSB afirmou que o PT sempre viveu “na contramão da história” e que não vê uma reaproximação com a sigla. “Nós não somos obrigados a seguir o PT. Ele tem o direito de errar, errou muito a vida inteira, mas nós não somos obrigados a seguir”, declarou Carlos Siqueira ao jornal O Globo.

Por sua vez, Ciro Gomes (PDT) disse que o PT e seus aliados “não têm humildade nem capacidade de compreender e se reconciliar com o povo”. Sobrou também para o PSOL de Guilherme Boulos (“radical”) e o PC do B de Flávio Dino (“perderam um pouco a noção da realidade”).

Lula e o então ministro Ciro Gomes (Integração Nacional), em visita do presidente à sede do Banco do Nordeste, em 2004 - Juca Varella/Folhapress

Esse tom sugere que dois ou mais candidatos competitivos devem disputar o voto da esquerda em 2022. Essa divisão aconteceu na última eleição presidencial e não impediu que um desses nomes chegasse ao segundo turno contra Jair Bolsonaro.

[ x ]

Em 2018, a esquerda teve pouco mais de 42% dos votos válidos já no primeiro turno. Só uma pulverização dramática desse eleitorado ou a ocupação do espaço por outro candidato deixaria todos eles de fora da fase final. Na próxima disputa, os impactos dessa divisão vão depender do comportamento daqueles personagens dali por diante.

Se a briga por votos no primeiro turno aumentar o rancor que já se manifesta agora, deve deixar sequelas graves para o segundo turno. Esse afastamento tende a reduzir a mobilização de cabos eleitorais e o engajamento dos apoiadores dos candidatos derrotados. Num embate acirrado, isso pode fazer diferença.

Bruno Boghossian

Jornalista, foi repórter da Sucursal de Brasília. É mestre em ciência política pela Universidade Columbia (EUA).

De Perereca Bicuda a Meu Cookie Brilha, marcas são vetadas por moral e bons costumes, FSP

 Amanda Lemos

SÃO PAULO

Perereca Bicuda, Snopp Droggado, Tesão de Vaca, Meu Cookie Brilha. A criatividade do brasileiro vem muito antes da invenção de memes na internet e cria controvérsias no registro de marcas no Inpi (Instituto Nacional da Propriedade Industrial).

Esses são alguns dos nomes barrados pela Lei da Propriedade Industrial que estabelece que devem ser vetadas “expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes ou que ofenda a honra ou imagem de pessoas ou atente contra liberdade de consciência, crença, culto religioso ou ideia ou sentimento dignos de respeito e veneração”. Segundo especialistas, o órgão não é inflexível.

“Há diversos registros de marca com as palavras ‘porrada’ e ‘safada’, que, para muitos, podem ser consideradas palavras vulgares, mas que o Inpi vem aceitando”, diz Ricardo Mello, diretor da ABPI (Associação Brasileira da Propriedade Intelectual).

0
Logo de marcas que foram indeferidas pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) por atentado à moral e bons costumes - Reproducao

No entanto, cresce a avaliação de que o inciso usado para restringir nomes está carregado de subjetividade, cabendo aos examinadores —e suas percepções pessoais— o parecer final e aprovar ou não o uso.

Em abril, o Inpi aprovou a cerveja F#%*ING BEER, mas barrou a marca de organização de festas F@D#-$E O AMOR em 2019. O argumento para vetar o segundo nome foi que o termo era atentado à moral.

O mesmo ocorreu às marcas Tesão Piá e Tesão de Vaca, de espetáculos ao vivo. A primeira foi aprovada; a segunda, não.

[ x ]

O Inpi também tende a rejeitar marcas com a expressão “jogo do bicho/bixo”, mas Mello diz que o instituto tem aceitado marcas compostas pelas palavras “bet”, “apostas”, “casino/cassino”, desde que não reivindiquem na especificação “serviços de jogos de azar”.

“Na maioria dos casos o Inpi formula a exigência solicitando a exclusão do item”, diz.

“O que falta são critérios mais objetivos para definir atentado à moral e aos bons costumes e uma coerência nas decisões para que as partes possam levar o registro de marca a sério”, afirma Flávia Tremura, sócia da área de marcas no Kasznar Leonardos.

O manual de marcas do Inpi, que orienta tanto o examinador quanto quem requer o registro de uma marca, também acaba sujeito à subjetividade. “Eles dizem que a avaliação deverá levar em conta características do mercado [do segmento escolhido], o público-alvo, canais de distribuição e comercialização. Isso é muito amplo”, diz Tremura.

Outro caso, cita a advogada, foi o da “Negralhada”. A marca de vestuários, que tem no logo uma mulher e um homem com cabelos afro e que faria turbantes, faixas de cabeça e outras roupas, teve o pedido indeferido pelo Inpi.

Já em marcas relacionadas à canabis medicinal, desde 2019, após a regulamentação da Anvisa para uso médico, o Inpi tem sido mais aberto em relação às palavras “hemp” e “Cannabis”. Mas casos que fazem remissão a drogas ilícitas ainda continuam sendo indeferidas, como nos casos do “Snopp Droggado” e “Cannabiseta Hemp Wear”.

“É uma mudança de paradigma muito grande, mostra que o examinador começa a ter um olhar diferente sobre o tema. Ainda assim, é muito subjetivo. Mesmo no uso medicinal, se cai na mão de uma pessoa mais conservadora, ela vai indeferir”, diz Tremura.

OUTRO LADO

O Inpi diz que vem evoluindo na elaboração de mecanismos para assegurar qualidade, transparência e uniformidade nos procedimentos.

Foi criado o Comitê Permanente de Aprimoramento dos Procedimentos e Diretrizes de Exame de Marcas, Desenhos Industriais e Indicações Geográficas, para atualizar procedimentos e manuais.

O órgão afirma que editou normativos para melhorar os critérios para elaboração dos pareceres técnicos, que fundamentam as decisões em pedidos de registro de marcas e de desenhos industriais.

O Inpi explica que, para aprovar uma marca, o examinador deve verificar se a palavra, expressão, desenho ou figura, por si sós, ferem à moral e aos bons costumes, independentemente do produto ou serviço ao qual estejam associadas.

Também cabe ao examinador analisar essa regra tendo em vista a conotação que assumem quando aplicadas.