quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Hélio Schwartsman O encolhimento do PT, FSP

 O PT é um dos partidos que saem derrotados destas eleições. Pela primeira vez em 35 anos, não comandará nenhuma capital do país.

No cômputo geral, viu o total de prefeituras conquistadas reduzir-se de 254 em 2016 para 183 agora, com o incômodo detalhe de que as eleições municipais anteriores já haviam sido catastróficas para a legenda, que despencara de seu recorde de 630 prefeituras em 2012.

E não é só. Em duas das capitais mais dinâmicas, São Paulo e Porto Alegre, nas quais o PT tinha quase que cadeira cativa no segundo turno, os candidatos de esquerda que chegaram à disputa final eram de outros partidos, PSOL e PCdoB.

Esses são fatos objetivos que só um Trump ou um Bolsonaro ousaria negar. Apesar disso, eles não pintam um quadro muito completo da realidade. Se escarafuncharmos bem os dados, encontraremos pelo menos uma boa notícia para a sigla.

Embora tenha vencido em apenas quatro, o PT chegou ao segundo turno em 15 cidades (o maior número de participações entre todas as legendas). Em 2016, haviam sido apenas sete, dos quais saiu derrotado de todos. Acho que dá para afirmar que o eleitor dos maiores centros urbanos recolocou o partido na condição de ator importante, ainda que não o tenha contemplado com tantas vitórias.

Não há nada de muito surpreendente aí. Tirando momentos de recessão democrática como o atual, o embate mais natural de uma democracia é entre forças de centro-esquerda e de centro-direita. O PT havia sido, nas últimas quatro décadas, a sigla que melhor representava a centro-esquerda.

Poderá continuar a exercer esse papel, desde que interprete corretamente os recados dos eleitores e responda a eles. O mais eloquente é que o PT precisa apresentar lideranças renovadas. Não dá para as três prioridades do partido continuarem sendo o salvamento da biografia de Lula, e a quarta, a defesa de regimes como o venezuelano e o cubano.

Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Hélio Schwartsman - Tesão de Vaca e os bons costumes do Inpi, FSP

 

Confesso que fiquei chocado ao ler a reportagem de Amanda Lemos publicada nesta Folha sobre nomes de marcas, como Tesão de Vaca, Meu Cookie Brilha, que foram vetadas pelo poder público por ofender a moral e os bons costumes. É inconcebível que, em pleno século 21, um órgão de Estado, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), gaste recursos fazendo o papel de polícia do pensamento.

E o ridículo torna-se também estúpido quando se considera que estamos falando de atividades de mercado. Se o empresário escolher um nome que seja percebido como ofensivo pelo público, é a sua marca que sofrerá, na forma de vendas reduzidas ou até de boicote explícito. É uma daquelas situações em que abusos já vêm com punição automática, sem a necessidade de intervenção do poder público.

0
Logo de marcas que foram indeferidas pelo Inpi - Reprodução

O argumento de que o Inpi está apenas cumprindo a Lei de Propriedade Industrial (lei nº 9.279), que é quem de fato impõe o veto a marcas que contenham "expressão, figura, desenho ou qualquer outro sinal contrário à moral e aos bons costumes" (art. 124, III), é bem relativo. O diploma, afinal, não impede os técnicos de liberar todos os pedidos de registro, já que inexiste critério objetivo para definir o que seja ofensivo à moral e aos bons costumes. E, como sabe qualquer estudante de primeiro ano de direito, "in dubio, pro reo".

Termino com uma sugestão para os empresários que tiveram o registro de sua marca negado pelo Inpi. Reapresentem sua demanda ao Estado, não como marca, mas como nome de igreja ou símbolo religioso, o que deve conferir alguma proteção. Numa dessas assimetrias legais difíceis de entender, o artigo 44 do Código Civil proíbe o poder público de negar reconhecimento e registro a organizações religiosas, que são livres para organizar-se como bem entenderem e, em princípio, não estão sujeitas a vetos apriorísticos por não estarem de acordo com a moral e os bons costumes.

Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".

Ruína amazônica, Editorial FSP

 O governo federal coreografou com esmero o anúncio do que todos sabiam seria má notícia: a área desmatada na Amazônia voltou a crescer, chegou a 11.088 km² e ultrapassou o temido limiar de 20% de floresta destruída. O esforço de relações públicas, porém, não afasta a péssima repercussão da estatística.

Em lugar de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente responsável por políticas de preservação (em realidade, seu desmonte), a encenação no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) foi comandada por Hamilton Mourão, vice-presidente da República à frente do Conselho da Amazônia.

Se Salles não pode aparecer, o mais correto seria o presidente Jair Bolsonaro demiti-lo.

O general passeou pelas dependências do Inpe e celebrou o apuro tecnológico da instituição na montagem e testes do satélite Amazônia-1. O afago não deixa de ser um progresso, para um governo cujo chefe já acusou pesquisadores de sabotar a imagem do Brasil.

Mourão disse não haver o que comemorar nos 11.088 km² de devastação. De fato, o dado representa quase o triplo da meta no Plano Nacional de Mudança Climática (3.925 km²) e, na prática, inviabiliza compromisso que o país assumiu no Acordo de Paris.

[ x ]

Trata-se da maior cifra desde 2008, a segunda com cinco dígitos sob Bolsonaro e a primeira inteiramente em sua alçada, já que abarca o período de agosto de 2019 a julho de 2020. Não há como isentar-se de responsabilidade.

Muito menos se sustenta a narrativa delirante que nega haver destruição, atribuindo a reação doméstica e internacional a uma conspiração contra o Brasil. Enquanto o general faz mesuras, Salles avança com a missão de manietar Ibama e ICMBio, que teriam meios, experiência e atribuição legal para proteger a floresta.

Assim como no fracasso do combate à pandemia com um general no Ministério da Saúde, Bolsonaro põe as Forças Armadas na linha de tiro transferindo-lhes a contenção da crise amazônica.

Mourão sustenta que a situação melhora, agarrando-se à desaceleração do incremento no desmate (em 2019 a taxa havia sido de 34%), mas não existe cortina de fumaça retórica capaz de camuflar um polígono de 110 km por 100 km.

Com esses 11.088 km² de floresta derrubada, cruza-se o limite inferior da margem projetada por cientistas (20% a 25%) para que o bioma entre em colapso, com a interrupção da turbina de umidade que o sustenta e garante chuvas para a maior parte do setor agrícola.

No ritmo atual, tal desastre pode tornar-se a grande e nefasta obra de Bolsonaro na Amazônia.

editoriais@grupofolha.com.br