segunda-feira, 12 de outubro de 2020

USP lança guia 'verde' para retomada sustentável e pautada por ciência, OESP

 Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo

12 de outubro de 2020 | 05h00

Pesquisadores criaram um guia prático para partidos e candidatos pautarem seus planos de governo pela ciência. Ele conta com 193 itens sobre as principais necessidades das cidades brasileiras e foi desenvolvido pelo Centro de Síntese- Cidades Globais e pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), com base nos objetivos do desenvolvimento sustentável das Nações Unidas para 2030, articulando-se com uma retomada verde da economia brasileira após a pandemia de covid-19.

“Nossa ideia é que essa agenda seja absolutamente suprapartidária e seja usada tanto por candidatos como pela população. Construímos itens gerais, que dão orientação para onde ir”, afirmou o professor Marcos Buckeridge, um dos coordenadores do trabalho. Cerca de 45% dos itens da agenda abordam temas das áreas de Educação (34 itens), Saneamento (30 itens) e Saúde (25 itens). As metas sobre mudanças climáticas são 18 dos itens e outras 17 são relacionadas diretamente com o meio ambiente. Todas as áreas estão inter-relacionadas com as demais, privilegiando a transversalidade dos temas.

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Para Buckeridge, reduzir desigualdades é forma de obter cidades mais saudáveis Foto: FELIPE RAU/ESTADÃO

A agenda elaborada por USP Cidades Globais se junta a duas outras publicadas neste ano por entidades da sociedade civil que também defendem que a retomada no pós-pandemia seja feita em bases sustentáveis: a da Rede Nossa São Paulo/Fundação Tide Setúbal e a do grupo C40, uma articulação internacional de grandes cidades – liderada pelo ex-prefeito de Nova York Michael Bloomberg – para promover políticas de combate às mudanças climáticas. Em comum, todas as propostas aliam o desenvolvimento sustentável ao combate à desigualdade no pós-pandemia. 

Os autores do novo guia acreditam que unir o combate às mudanças climáticas com a redução das desigualdades na cidade é uma forma de se obter uma cidade mais saudável. “Todos têm a ganhar com uma cidade mais saudável. O ar poluído se respira nos Jardins e na periferia”, disse Buckeridge. Os pesquisadores agora vão trabalhar para relacionar ao guia os textos de 1,45 mil teses acadêmicas que tratam de políticas urbanas. “Nosso objetivo é que o gestor tenha à sua disposição os itens relacionados ao desenvolvimento sustentável e a indicação do que foi produzido como ciência a esse respeito.”

Muitas das ações do guia envolvem sugestões para o direcionamento de compras governamentais, como privilegiar as pequenas e médias empresas e a agricultura familiar. “Pensamos em um modelo de desenvolvimento como o alemão, de um capitalismo sustentável, que tem uma quantidade enorme de pequenas empresas.”

O guia traz ainda, como pontos principais, a criação de oportunidades para mulheres, negros e LGBTs e de hortas comunitárias para populações vulneráveis a fim de combater a desigualdade nas cidades bem como indica a substituição da frota de ônibus e de caminhões movidos a combustível fóssil das prefeituras por veículos que usem energia limpa e até o uso da telemedicina para ampliar o acesso da população à saúde.

Negacionismo

Ao relacionar as políticas públicas aos critérios de ciência, além da equidade, o guia da USP reforça uma tendência observada por cientistas políticos nesta eleição que é o surgimento de uma nova polarização na política: a divisão entre os que se sujeitam à ciência e seus conhecimentos e os que tem uma atitude negacionista em relação ao conhecimento, algo acentuado com a pandemia de covid-19.

“A pandemia é o primeiro evento que recupera a política como forma de resolver os problemas da comunidade”, disse o cientista político José Álvaro Moisés. Para ele, essa recuperação mostrou a importância da saúde pública e do combate à desigualdade. Moisés ainda julga ser notável o fato de que esse debate venha da sociedade civil e não dos partidos. “Uma multiplicidade de organizações que está operando temas como o desenvolvimento sustentável.”

Abandono

O papel dos partidos no debate é criticado pelo vereador paulistano Gilberto Natalini (sem partido). “Ninguém está falando da agenda verde como devia.” Após cinco mandatos consecutivos, ele decidiu não concorrer neste ano e romper com seu partido, o PV. “Aprovamos em 2009 a Lei de Mudanças do Clima, mas quase nada saiu do papel. Há um abandono da agenda sustentável.” Em um dos seus últimos atos na Câmara, Natalini vai fazer uma audiência pública para discutir o guia da USP. “É necessário ter uma cidade sobretudo mais viável.”

Máfia em manancial e frota de veículos são desafios

A devastação da Mata Atlântica em área de mananciais e o desafio de se criar uma frota de ônibus ecológica são alguns dos desafios que o futuro prefeito deve enfrentar. A 2.ª edição do Dossiê sobre a devastação da Mata Atlântica em São Paulo mostra que de 2019 para 2020 a área passou de 3 milhões de m² para 7,6 milhões de m² (1,2 milhão de árvores derrubadas). Tudo em nome da criação de loteamentos clandestinos que renderam R$ 2 bilhões a criminosos, a maioria ligada ao Primeiro Comando da Capital (PCC).

“Não é só o crime. Há ainda redução das árvores plantadas pela Prefeitura, de 200 mil por ano para 18 mil em 2019”, diz o vereador Gilberto Natalini (sem partido). Ele criticou ainda a falta de inspeção veicular e a pequena frota ecológica de ônibus. Há 17 ônibus elétricos a bateria e 210 trólebus na cidade.

A Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) informou que em 2019 foram plantadas 38.741 mudas e até agosto de 2020, 23.189 mudas. A SVMA informou que não há previsão para retomada da inspeção veicular. Segundo a Prefeitura, desde 2017, “5.882 ônibus novos mais sustentáveis e menos poluentes foram incluídos no sistema (41,94% da frota)”. O novo contrato do transporte público obriga as empresas a zerar em 20 anos as emissões de dióxido de carbono, óxido de nitrogênio e material particulado.

Para entender: Nações Unidas têm ‘objetivos’

Pouco conhecidos no Brasil, os chamados Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são uma iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU) em sua agenda socioambiental. Ao todo, o plano estabelece 17 objetivos, como o combate à pobreza e à desigualdade econômica, a promoção de uma sociedade mais saudável e a gestão adequada de recursos naturais.

Os objetivos foram traçados em 2015 por chefes e representantes de 193 Estados membros da ONU reunidos em Nova York a fim de criar um plano de ação global para os próximos 15 anos, definindo prioridades para políticas públicas dos países até 2030. A criação do ODS é parte de um debate que envolveu reuniões desde as conferências de Estocolmo (1972), Rio de Janeiro (1992), Johannesburgo (2002) e Rio+20 (2012).

domingo, 11 de outubro de 2020

Qual é o segredo da Weg, a ‘fábrica de bilionários’?, OESP

 Fernando Scheller, O Estado de S. Paulo

11 de outubro de 2020 | 05h00

Dos 33 novos bilionários brasileiros, segundo a mais recente lista divulgada pela revista Forbes, quase um terço – dez – estão ligados à gigante industrial catarinense Weg. A empresa familiar, fundada por três descendentes de alemães em 1961, agora tem 13 herdeiros no seleto clube do bilhão. Essa ascensão está relacionada à impressionante valorização das ações da empresa nos últimos 12 meses, que supera a marca de 240% e elevou seu valor de mercado para mais de R$ 150 bilhões.

Mas qual é, afinal, o segredo da Weg? Há tempos a companhia é considerada um investimento seguro, por seus sólidos e constantes resultados, mas de um ano para cá o mercado financeiro despertou de vez para seus predicados. Apesar da pandemia do novo coronavírus, o papel da Weg subiu 120% neste ano, de acordo com a Economática, liderando a lista de companhias com maior valorização no Ibovespa, principal índice de ações da B3, a Bolsa paulista.

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Werner Voigt, Eggon da Silva e Geraldo Werninghaus, fundadores da Weg Foto: Weg/Divulgação

A inclusão dos herdeiros dos fundadores na lista de bilionários tem razão de ser. Apesar de estar listada na Bolsa desde 1971, quase dois terços da Weg continuam a pertencer, direta e indiretamente, aos familiares de Werner Ricardo Voigt, Eggon João da Silva e Geraldo Werninghaus (os três já falecidos). Inicialmente criada como Eletromotores Jaraguá – referência a Jaraguá do Sul, cidade que até hoje abriga sua matriz –, alguns anos depois a empresa recebeu o nome atual, Weg, aproveitando as iniciais dos nomes dos fundadores. Weg também quer dizer “caminho” em alemão.

A Weg é constantemente citada como um “oásis” de prosperidade no cada vez mais combalido setor industrial brasileiro. Em recente entrevista ao Estadão, o presidente da Itaúsa, Alfredo Setubal, classificou a empresa como uma “outlier” – um ponto fora da curva. Reconhecida nos quesitos cultura organizacional, recursos humanos e inovação, a Weg se viu beneficiada por uma confluência de fatores positivos em meio à turbulência da covid-19.

Segundo a analista Thais Cascello, do Itaú BBA, a companhia mostrou resiliência à crise no segundo trimestre por ter sido beneficiada pela performance do negócio internacional, especialmente em produtos de “ciclo longo”, como motores para indústrias e usinas produtoras de energia. Com 61% da receita arrecadada fora do País, a companhia viu sua receita em real ser inflada pela recente disparada do dólar. Resultado: a geração de caixa atingiu R$ 732 milhões, alta de 36% em relação ao mesmo período de 2019.

Em recente relatório, o Itaú BBA redobra a aposta nesse ciclo positivo para os resultados do terceiro trimestre. O banco coloca a Weg como provável líder em resultados entre julho e setembro e menciona que a empresa pode bater recordes no período. Isso porque outros fatores favoráveis se somam ao quadro do trimestre anterior. “As vendas dos produtos de ciclo curto da Weg, como motores para linha branca e tintas e vernizes para o setor de construção, parece ter tido uma recuperação em ‘V’”, explica Thais.

Trajetória

E pensar que tudo começou com três carros velhos. Os fundadores da Weg começaram a empresa com um capital equivalente a três Fuscas – cada um entrou com um capital que, à época, comprava uma unidade do mais popular dos automóveis do Brasil. A companhia já começou fabricando motores – um dos carros-chefes de seu portfólio até hoje – e, mesmo em meio ao milagre econômico brasileiro, partiu para as exportações em 1970.

Os primeiros passos foram dados nos vizinhos Argentina e Paraguai. Aos poucos, a experiência se estendeu para outras regiões, ganhando velocidade a partir dos anos 2000. Ao fim de 2019, a companhia tinha 58% de seus negócios fora do País. Além de vender produtos fabricados por aqui, a empresa abriu indústrias em mais de uma dezena de mercados, com China e México (responsável por atender o mercado dos EUA) como os mais relevantes. Hoje, a Weg tem 30 mil funcionários pelo mundo, sendo 12 mil no Brasil.

Presidente da Weg há 12 anos, Harry Schmelzer Júnior trabalha na companhia desde 1980. O executivo explica que a companhia deve muito do que é hoje à atuação internacional: essa aposta não só abriu novos mercados, mas – mais importante – deu à Weg acesso a conhecimento e tecnologias que não existiam por aqui.

“A gente sabia que, para brigar com nossas concorrentes, precisávamos ter um produto de qualidade global”, afirma Schmelzer Júnior. Ele lembra que a companhia investe 2,5% de sua receita líquida anual em pesquisa e desenvolvimento.

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Harry Schmelzer Júnior, presidente da Weg, diz que foco são os motores elétricos  Foto: Felipe Rau/Estadão-14/09/2017

Outra característica da Weg, segundo analistas, é a consistência da operação. E isso se reflete em uma longeva equipe de executivos que, assim como o atual presidente, foi criada dentro de casa. Em 59 anos, a empresa teve só três presidentes: o cofundador Eggon João da Silva, seu filho Décio da Silva e, agora, Schmelzer Júnior. “De todos os meus executivos internacionais da área industrial, nesses 40 anos de Weg, só um pediu demissão para ir trabalhar em outro lugar”, orgulha-se Schmelzer.

E o que mantém a equipe motivada? Segundo “seu” Eggon, morto em 2015, são as oportunidades. Para gerar desafios e inovar, ele pregava que a empresa não poderia se restringir – deveria buscar sempre crescer e abrir fronteiras. “A inovação não vem da máquina, vem das pessoas”, costumava dizer.

Energia limpa e digitalização

A estratégia de crescimento da Weg sempre priorizou a absorção de tecnologia e a criação de novos negócios correlatos à atividade principal.

Seguindo as necessidades de seus clientes em motores, a empresa catarinense se tornou também uma força na área de geração de energia, que hoje representa mais de um terço de sua receita total. De olho nesse potencial, a companhia faz agora uma nova grande aposta, com investimentos em fontes alternativas de geração de eletricidade.

De acordo com o presidente da Weg, Harry Schmelzer Júnior, a companhia começou a atuar nessa linha com as PCHs (pequenas centrais hidrelétricas), passou a fornecer equipamentos para energia eólica e também a produzir painéis solares. Agora, conta o executivo, está de olho em tecnologias que ainda não fazem parte do “mainstream” da cadeia energética: o armazenamento de energia em baterias e a geração a partir da queima do lixo.

A transformação dos rejeitos que se acumulam em lixões no Brasil em energia é um projeto possível com a transformação dos resíduos sólidos urbanos em gás – o projeto foi lançado pelo braço de energia da Weg em 2019 e será viabilizado em parceria com governos. Já as baterias são uma forma de a empresa conservar a energia que hoje é produzida por parques eólicos e solares, mas acaba desperdiçada quando o sistema não consegue absorver a oferta.

Dentro da proposta de buscar segmentos correlatos, a companhia também anunciou recentemente sua entrada no desenvolvimento de motores elétricos para veículos.

“No nosso caso, o nosso foco é a tração elétrica para veículos utilitários, como caminhões e ônibus. Além disso, também estamos trabalhando na criação de uma infraestrutura para abastecimento de carros elétricos”, diz Schmelzer Júnior.

Aquisições na pandemia

Outras duas novas frentes são a automação e a digitalização de processos – sempre com prioridade para a área industrial.

“A Weg é uma empresa que, de tempos em tempos, se reinventa. Vinte anos atrás começou a investir no setor de energia, que hoje é um de seus principais negócios. Ela está sempre buscando a inovação – e tem um balanço que permite esse investimento”, explica Thais Cascello, analista do Itaú BBA.

Essa característica pôde ser percebida em plena pandemia de covid-19, quando a empresa anunciou duas aquisições. Em questão de semanas, entre junho e julho, comprou duas startups paulistas voltadas a diferentes aplicações de inteligência artificial a processos industriais: a Mvisia e a BirminD.

Ao derrubar decisão de Marco Aurélio e mandar prender chefão do PCC, Fux considerou que Supremo ficou exposto quanto à ‘seriedade da jurisdição constitucional’, OESP

 Pepita Ortega e Fausto Macedo

11 de outubro de 2020 | 18h46

O novo presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Luiz Fux. Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil

Ao derrubar liminar concedida pelo ministro Marco Aurélio Mello e determinar a prisão de André do Rap, apontado como liderança do PCC, o ministro Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal, entendeu que a Corte ficou exposta quanto à ‘seriedade da jurisdição constitucional’, apontam interlocutores do magistrado. O presidente do STF ressaltou que a decisão foi provocada por um pedido da Procuradoria-Geral da República e determinou a volta ‘imediata’ de André do Rap à prisão, levando em consideração a ‘periculosidade do delinquente solto’ e o risco para a sociedade.

Fux não quer polemizar com o colega da Corte, por isso não está dando declarações sobre o caso de André do Rap, mas disse a interlocutores neste domingo, 11, que viu ‘perigo’ na tese de Marco Aurélio, no sentido de que, se a mesma vingasse, ‘inúmeros réus ‘perigosos’ deveriam ser soltos.

No despacho, Fux afirma que a soltura de André do Rap ‘compromete a ordem e a segurança públicas’. “Paciente 1) de comprovada altíssima periculosidade, 2) com dupla condenação em segundo grau por tráfico transnacional de drogas, 3) investigado por participação de alto nível hierárquico em organização criminosa (Primeiro Comando da Capital – PCC), e 4) com histórico de foragido por mais de 5 ano”, observou o presidente do STF.

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A decisão foi provocada por recurso em que a PGR apontou o risco de que André do Rap pudesse retomar o comando da facção criminosa. “O crime organizado, nem mesmo com a prisão de seus líderes, é facilmente desmantelado. O que dizer com o retorno à liberdade de chefe de organização criminosa?”, questionou a Procuradoria. A competência para análise do recurso apresentado pela PGR, suspensão de liminar, é exclusiva do presidente do STF.

Em outro trecho da decisão, Fux ainda fez referência à Lei Anticrime, usada por Marco Aurélio para determinar a soltura de André do Rap.

“Em análise atenta das decisões proferidas pelo Tribunal Regional Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, verifico que o ponto relativo ao prazo nonagesimal do artigo 316 do Código de Processo Penal sequer foi apreciado pelas instâncias antecedentes. Essa circunstância colide com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que veda o conhecimento do habeas corpus nesses casos, em razão da supressão de instância. Deveras, a decisão concessiva de habeas corpus viola outro entendimento jurisprudencial, qual o de que o habeas corpus não é admissível se a decisão monocrática do STJ não foi desafiada por agravo regimental cabível”, ponderou.

Mesmo com a decisão derrubada, defendeu os fundamentos que o levaram a determinar a soltura de André Oliveira Macedo. O vice-decano disse que desde a sanção da Lei Anticrime ‘cansou de decidir’ com base no dispositivo. Além disso, o ministro afirmou que Fux ‘lamentavelmente implementou autofagia, o que fragiliza a instituição que é o STF’.

O vice-decano tornou-se alvo de uma sucessão de críticas de promotores e procuradores e até do governador João Doria, que anunciou uma força-tarefa para recapturar o suposto traficante.