SÃO PAULO
O Brasil é o campeão mundial na reciclagem de latas de alumínio e, desde 2006, este índice permanece acima de 90%. Os bons números, porém, param por aí: se, por ano, o país gera cerca de 80 milhões de toneladas de resíduos sólidos, apenas 4% disso é reciclado e 40% têm destinação imprópria, mostram dados da Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais).
Essa discrepância ajuda a entender o cenário atual do país, dez anos após a implementação Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). Falta investimento em infraestrutura por parte de políticas públicas e a cadeia de reciclagem ainda depende muito do catador —por isso, tanta latinha reciclada—, que faz um trabalho mal remunerado. Essa é a avaliação dos debatedores do seminário Sustentabilidade e Saneamento, realizado em formato virtual pela Folha nesta terça (29).
Além do impacto ambiental, isso também significa enterrar cerca de R$ 16 bilhões por ano. “Resíduo sólido é uma utilidade, como água e luz”, diz Luiz Gonzaga, diretor-presidente da Abetre (Associação Brasileira de Tratamento de Resíduos e Efluentes), lembrando que resíduos podem gerar emprego e renda, se descartados corretamente, com sua reutilização como matéria-prima ou tornando-se subprodutos.
Ao contrário de Gonzaga, que acha a PNRS moderna, a especialista em resíduos sólidos Sylmara Dias diz que a medida “pensa tecnologias do século 20” e mal dialoga com a realidade. “Pouco avançamos em pensar o resíduo e a multiplicidade de municípios do país, onde 70% é de pequeno porte, com baixa capacidade de investimento e de técnica para lidar com o tamanho do problema que é o resíduo sólido”, afirma.
Professora da Universidade de São Paulo, Dias diz que é preciso superar a lógica de enterrar resíduos e começar a pensar em valorizá-los. “Há uma lógica de levar tudo para o aterro, um sistema muito custoso. Precisamos valorizar o papel do catador e das cooperativas de reciclagem.”
Para o grafiteiro Mundano, que é ativista e fundador a ONG Pimp My Carroça, os catadores têm papel essencial e fazem serviços que deveriam estar a cargo de municípios e empresas: coleta seletiva, limpeza pública e logística reversa. “A maioria dos catadores está num sistema informal e eles fazem prefeituras e empresas economizarem bilhões de reais”, diz.
O ativista também é criador do aplicativo Cataki, que conecta catadores com pessoas que querem reciclar seu lixo. A plataforma é colaborativa e sem fins lucrativos.
Mundano diz que os catadores são mais capacitados do que o senso comum acredita. “No Cataki, 60% usam carros motorizados e muitos têm MEI [microempreendedor individual].”
Para ele, um sistema de inclusão com os catadores resolve a questão ambiental e a social. “O exemplo da lata de alumínio mostra que conseguimos avançar se promovermos disrupção da cadeia. Os catadores são uma força de trabalho que responde com estímulos ao ser reconhecida.”
Gonzaga diz que, em São Paulo, os problemas começam na base da cadeia. “Deveríamos ter uma coleta feita de outra forma, não com caminhões compactadores.”
Como uma bola de neve, se a coleta é feita de maneira inadequada, o resto do ciclo fica comprometido. Além de dificultar o trabalho dos catadores e cooperativas, que precisam gastar mais tempo para separar os materiais, o reaproveitamento cai porque o material fica contaminado.
Na mesma linha de Gonzaga, Dias chama a atenção para a importância de políticas preventivas: “Não podemos olhar para o resíduo só depois que ele foi formado, perturbando a cidade”.
Em São Paulo, todas as empresas com CNPJ precisam ter cadastro de resíduo após uma medida de 2019 instituída pela gestão Bruno Covas (PSDB).
As empresas grandes geradoras de lixo (com mais de 200 litros de resíduos comum por dia), precisam informar as terceirizadas contratadas para a coleta sobre o destino desse material.
Todos os debatedores concordam que a medida é necessária. Mas Mundano defende uma maior flexibilização nas exigências para quem faz a coleta. “Os requisitos só permitem você contratar outras empresas grandes. Uma cooperativa não pode participar de um processo como esse. Se queremos promover coleta seletiva, temos que olhar para o que nós temos, essa mão de obra de catadores.”
Com a proximidade das eleições municipais, Dias chama a atenção para a importância de transparência do poder público. “Precisamos pensar no plano de metas em todas as cidades, mas também no sistema de monitoramento cotidiano do serviço.”
Erramos: o texto foi alterado
Luiz Gonzaga é vice-presidente da Abetre (Associação Brasileira de Empresas de Tratamento de Resíduos e Efluentes), não Abrelpe (Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais). O texto foi corrigido.