terça-feira, 16 de abril de 2019

Guerra dos tolos, João Pereira Coutinho, FSP

Hoje, o objeto fálico de comparação social são as séries de TV consumidas

O telefone toca, a pergunta vem logo a seguir. “Quais as suas expectativas sobre a última temporada da ‘Game of Thrones’?” É de madrugada, talvez umas 10 da manhã. Mas a jornalista, se entendi bem, quer saber quais as minhas expectativas blá-blá-blá?
Em estado semiconsciente, respondo: “Nenhuma”. Ela reage: “Como, nenhuma?”. Informo que nunca vi a série. Há uma pausa do outro lado, como se eu tivesse confessado a minha preferência pelo bestialismo, seguida de um “mas você está brincando”.
Digo que sim, que estou, e que as minhas expectativas são as melhores. Nem consigo dormir com tanta excitação. Desligo o celular, preventivamente, para evitar novas investidas. Regresso ao sarcófago.
Não estava a brincar. Nem sequer a conservar o meu sono estilhaçado. Nunca assisti a “Game of Thrones”. Serei normal?
Aliás, os nomes das séries “imperdíveis”, “imprescindíveis”, “incontornáveis” que nunca me tiveram como cliente dariam para cobrir a fachada do Empire State Building. O que significa que sou um pária em certos círculos, onde a “serite aguda” é a patologia da moda.
Ilustração de Angelo Abu para João Pereira Coutinho de 17.abr.2019
Angelo Abu
Explico melhor. “Serite aguda” é uma obsessão autoinfligida em que adultos razoavelmente sãos iniciam uma competição entre eles para descobrir quem vê a maior quantidade de séries recentes.
Mas não só. Dentro das séries recentes, a serite aguda se desdobra em vários sintomas. Um deles é saber quem viu mais episódios da série em causa e, de preferência, em quantas horas.
O vencedor sente um alívio temporário e uma sensação de superioridade que dura até ao lançamento da próxima série. O derrotado questiona se vale a pena viver.
No fundo, é uma exibição de status levada até suas últimas consequências. Houve um tempo em que os adultos se entretinham a comparar os restaurantes que frequentavam, as férias que faziam, até as notas que os filhos tiravam na escola.
Não mais. Hoje, o objeto fálico de comparação social são as séries de TV consumidas.
No início, tentei brincar com o assunto. E, só para confundir, citava séries que ninguém tinha visto pelo simples fato de que ninguém tinha feito. “Você já assistiu ao ‘Mortos de Medo’, a última da Netflix?”, perguntava eu, “sotto voce”, como se revelasse a última preciosidade do universo.
O comparsa, abismado e tão morto de medo como o nome da série imaginária, dizia que não. Depois passava a palavra. Havia sempre alguém que ia no Google e desfazia o equívoco.
Hoje, opto pela verdade, só a verdade, nada mais que a verdade. “Terminei ‘Família Soprano’ há pouco tempo”, digo eu, como se proferisse uma blasfêmia. A incredulidade chega a ser humilhante. “Família Soprano”? De 1999? O que virá a seguir, meu Deus? “O Barco do Amor”? Risos alarves.
Artisticamente falando, a obsessão pela novidade não faz sentido. Basta pensar em outras expressões artísticas, nas quais o estatuto de clássico não justifica nenhuma atitude de desprezo ou repulsa.
Ler Shakespeare, escutar Bach, assistir a um filme de Hitchcock não é pior do que ler o último romance do escritor X, escutar o mais recente CD do compositor Y ou perder duas horas de vida com o filme recém-estreado do diretor Z. Às vezes, optar pelo clássico é até bem melhor —e, no meu caso, uma fonte recente de melancolia.
Sei do que falo. Todos os dias, quando entro na biblioteca da casa, passo os olhos pelos títulos que vejo nas estantes e um pensamento triste faz o seu ninho nos meus neurônios. “Já não tenho tempo para ler isso tudo.”
Verdade. Nunca tive. Nunca temos. Mas, a caminho da meia-idade, o tempo acelera como nunca e a finitude abate-se sem aviso sobre qualquer bibliófilo racional.
Traduzindo: fará sentido ler o romance “incontornável” da semana quando nunca li do princípio ao fim o “À la Recherche...” de Proust (ou, por falar nisso, o seu discípulo inglês, Anthony Powell)?
Os ansiosos das séries não me parecem racionais. Parecem-me filistinos, no sentido em que Matthew Arnold usou o termo no século 19. A cultura, para eles, não é uma forma de enriquecimento espiritual.
A cultura, sob a forma de séries de TV, é um valor meramente instrumental para exibir status. E, nesse espetáculo, o que interessa não é a qualidade; é a quantidade.
Isso significa que a “Game of Thrones” está fora do meu radar? Errado. Nada está fora. Mas é provável que só espreite o assunto em 2020, ou 2021. Ou nunca.
Há prioridades na vida. “O Barco do Amor” pode ser uma delas.
João Pereira Coutinho
Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

Mirian Goldenberg- Como fazer um milhão em 15 meses, FSP

Como fazer um milhão em 15 meses

Mesmo em meio à crise, consegui alcançar a marca milionária

Não sou linda, loira e jovem, mas também já fiz o meu primeiro milhão. Como consegui fazer um milhão em 15 meses?
A verdade é que nunca imaginei ganhar um milhão exatamente em um ano em que estou sofrendo com a crise política e econômica do Brasil. Em que vi amigos, familiares e alunos irem morar em Portugal, Canadá e EUA por medo da violência e do ódio generalizado. Em que tive problemas de saúde típicos de alguém da minha idade que não se cuida como deveria. Em que a minha insônia e ansiedade só pioraram.
Como sempre fui meio Pollyanna: em um ano com tantas tragédias e crises, enxerguei o meu milhão como um estímulo para escrever um livro baseado na minha pesquisa sobre envelhecimento e felicidade. 
Desde o início de 2015, estou pesquisando homens e mulheres com mais de 90 anos, os superidosos. Eles são magníficos exemplos de uma bela velhice: independentes, ativos, lúcidos, saudáveis e alegres. 
Com esses belos velhos, aprendi mais sobre felicidade do que em todas as minhas pesquisas anteriores. Eles me ensinam a viver com mais alegria, generosidade e sabedoria.
Foi investindo minha energia e tempo na convivência com os meus amigos nonagenários que descobri que é possível me sentir feliz e realizada, mesmo em tempos tão sombrios. São eles os verdadeiros responsáveis pelo meu primeiro milhão. 
Afinal, como ganhei um milhão em 15 meses? O vídeo do meu TED sobre "A Invenção de uma Bela Velhice", publicado no YouTube em janeiro de 2018, chegou agora a um milhão de visualizações. 
Desculpem-me se decepcionei vocês, mas é deste milhão que eu estou falando. O meu novo livro, que será lançado no mês que vem, é um agradecimento carinhoso a todos que assistiram e compartilharam o meu TED e, assim, me tornaram uma nova milionária. Muito obrigada!
Mirian Goldenberg
Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio, é autora de "A Bela Velhice".