terça-feira, 7 de agosto de 2018

TCU apura uso de R$ 2,6 bi pagos a advogados públicos, FSP

Procedimento investiga destino dos honorários divididos entre os servidores

William CastanhoFábio Fabrini
SÃO PAULO e BRASÍLIA
O TCU (Tribunal de Contas da União) instaurou um procedimento para investigar o pagamento de honorários de sucumbência —uma espécie de penduricalho— para advogados públicos federais.
Segundo relatório da Sefip (Secretaria de Fiscalização de Pessoal), estão sob análise R$ 2,6 bilhões repassados a esses servidores.
Os honorários são pagos pela parte derrotada em um processo judicial. Os defensores públicos concursados têm direito a recebê-los por representar a União na Justiça contra empresas, por exemplo.
Advogados da União, procuradores federais, procuradores da Fazenda Nacional e procuradores do Banco Central passaram a ter direito ao rateio do total devido pelas partes derrotadas após uma lei de julho de 2016. Até então, o montante era incorporado ao Orçamento da União.
Entre fevereiro de 2017 e junho deste ano, meses com dados disponíveis no Portal da Transparência, a Folha levantou o pagamento de R$ 906,3 milhões em honorários.
No último mês, 7.872 advogados concursados receberam o benefício —R$ 6.268 cada um. Há meses em que o pagamento passa de R$ 8.000.
Dados referentes ao período entre julho de 2016 e janeiro de 2017 não constam do portal. O relatório da Sefip não informa o período referente ao montante dos pagamentos.
"É um absurdo. O funcionário já recebe salário elevado e, além de ter salário fixo, tem esses honorários", diz Sandro Cabral, professor de estratégia no setor público do Insper.
"Um advogado da iniciativa privada, que não tem salário, faz sentido receber honorários de sucumbência. Ele vai correr o risco do processo", afirma o professor.
O objetivo da auditoria do TCU é identificar casos em que há desrespeito ao teto constitucional —hoje em R$ 33,7 mil.
Esses advogados concursados recebem vencimento inicial de R$ 20,1 mil e final de R$ 26,1 mil, segundo dados do Ministério do Planejamento.
Em meio à discussão sobre o pagamento do auxílio-moradia, de R$ 4.300, para o Judiciário e o Ministério Público, esse benefício causa polêmica.
A colunista Mônica Bergamo, da Folha, em 8 de fevereiro deste ano, mostrou o protesto do juiz Marcelo Bretas, da Operação Lava Jato no Rio, no Twitter, contra o penduricalho dos advogados.
"Vamos discutir o auxílio-moradia de todos ou apenas os dos juízes federais? Alguma discussão sobre os vários auxílios (...) ou mesmo os vultuosos honorários pagos aos advogados públicos?", questionou Bretas.
O auxílio-moradia é alvo de ações no STF (Supremo Tribunal Federal).
O caso está sob relatoria do ministro Luiz Fux e foi retirado da pauta do plenário e encaminhado a uma câmara de conciliação na AGU (Advocacia-Geral da União), na qual as negociações fracassaram.
O Supremo ainda precisa decidir sobre o tema.
"Quem deveria dar o exemplo, que é o Judiciário, talvez seja o campeão de demandas absurdas. O auxílio-moradia é só a cereja do bolo dos penduricalhos", afirma o professor do Insper.
"O nosso grande problema nas contas públicas é que o governo federal ao longo dos anos, e este último em particular, acaba refém de corporações. Como costumo dizer, é uma gincana para ver quem expropria o Estado de forma mais célere", diz Cabral.
Prédio do TCU (Tribunal de Contas da União) - Alan Marques/Folhapress
Após a informação publicada pela Folha, o subprocurador-geral do MPTCU (Ministério Público Junto ao Tribunal de Contas da União), Lucas Rocha Furtado, solicitou a abertura do procedimento.
Na representação, ele recorre ao artigo 37 da Constituição para justificar a apuração dos honorários de sucumbência.
"Esse dispositivo faz saltar aos olhos a nítida e clara intenção constitucional de que o teto remuneratório a ser obrigatoriamente observado na administração pública deva abarcar toda e qualquer parcela ou vantagem remuneratória", escreve Furtado.
No TCU, o caso está sob relatoria do ministro José Múcio Monteiro, "ainda sem deliberações". "Todas as informações estão restritas às partes", afirmou a corte.
Conselho responsável por recursos diz que é entidade privada

OUTRO LADO

A AGU informou que "não pode se pronunciar pois o referido processo tramita sob sigilo". Segundo a pasta, informações sobre valores dos honorários podem ser fornecidas pelo CCHA (Conselho Curador dos Honorários Advocatícios).
O conselho, formado por representantes dos advogados para gerir os recursos, por sua vez, informou que não foi notificado de nenhum processo.
Embora trate de recursos recebidos por servidores que atuam em defesa dos interesses da União, o conselho afirmou que é "importante registrar que o CCHA não é órgão da administração pública, mas entidade privada".
Segundo o CCHA, os valores que constam do Portal da Transparência correspondem aos que foram efetivamente pagos. "Não sabemos informar as razões pelas quais o TCU apontou diferenças", afirmou o conselho.
O órgão disse também que os pagamentos estão amparados em normas e leis, como o Estatuto da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e o CPC (Código de Processo Civil).
"A verba é variável e dependente do resultado positivo nos processos judiciais em que os advogados públicos atuam, constituindo em um estímulo ao incremento da eficiência e eficácia de sua atuação", afirmou o conselho.

ENTENDA

O que são honorários de sucumbência?
O Código de Processo Civil, de 2015, disciplina o pagamento de honorários de sucumbência no artigo 85. A lei estipula que a parte derrotada terá de pagar honorários ao advogado do vencedor
Quem tem direito?
Advogados da União, procuradores federais, procuradores da Fazenda Nacional e procuradores do Banco Central
Quando o direito foi regulamentado?
Até 2016, os recursos eram incorporados ao Orçamento da União. Lei sancionada por Michel Temer reconhece os honorários

São Paulo pode mais, Ivan Marques, FSP

O diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, em evento em São Paulo
O diretor-executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques, em evento em São Paulo - Bruno Poletti - 19.mai.16/Folhapress
No debate nacional sobre segurança pública é comum ouvir São Paulo se gabar de seus números: menor taxa de homicídios do país; maior força policial da América Latina; redução contínua de roubos de veículos desde 2014; escolas de formação de policiais que recebem profissionais de todo Brasil para aprender como preparamos os operadores da segurança pública que fazem do estado o "menos violento" do país.

É também preciso reconhecer a boa transparência: desde 1995, São Paulo tem publicado periodicamente dados da segurança pública, lição de casa básica ainda não aprendida por muitos estados.
Ainda que deixemos de lado o bairrismo bandeirante, é inegável que o estado tem muito o que mostrar ao resto do Brasil.

Todavia, ao analisarmos os problemas paulistas, percebemos que estamos longe de ver solucionadas questões críticas de violência e criminalidade, especialmente se compararmos regiões dentro do próprio estado, que oscilam entre indicadores comparáveis à Suíça, como São José do Rio Pardo, e outros bastante preocupantes, como Lorena.

Pensando na contínua melhoria da capacidade de combater o crime e a violência, o Instituto Sou da Paz lança a agenda "São Paulo Pode Mais na Segurança Pública".

O documento foi construído ouvindo policiais e ex-policiais das Polícias Civil, Militar e Técnico-Científica, promotores de Justiça, magistrados, gestores públicos e outros, compondo uma diversidade de visões amalgamadas nesta proposta que ajuda São Paulo a melhorar ainda mais sua segurança pública.

Dentre os eixos prioritários, impõe-se valorizar os mais de 120 mil policiais a serviço do estado.
Além disso, aprimorar a gestão da política de segurança e o efetivo controle de armas e munições; combater o crime organizado; controlar o sistema prisional e fomentar políticas de prevenção da violência compõem os eixos propostos para o próximo governador. Atacar problemas antigos como a falta de reposição e baixos salários na Polícia Civil são desafios urgentes.

Do mesmo modo, em 2017, policiais foram responsáveis por um terço das mortes violentas na capital. Num estado que se propõe democrático, é fundamental reforçar o controle do uso da força pelas corporações policiais.

Além disso, o combate ao crime organizado no estado demanda o fortalecimento da investigação dos crimes violentos: apenas 38% das mortes geram esclarecimento e uma denúncia com potencial de levar um homicida a julgamento.

Por fim, investir em gestão é o melhor antídoto contra o improviso e o retrocesso.

​Mario Covas (1930-2001) impulsionou a redução de assassinatos em São Paulo nos anos 1990 com a criação de sistemas de informação criminal e georreferenciamento das ocorrências e patrulhamento orientado por manchas criminais. Mas, hoje, são pouco priorizados o programa de gestão por resultados e a disseminação de ferramentas tecnológicas efetivas.

Na próxima eleição, além do governador, escolheremos um plano para a segurança pública paulista. Eficiência e preparo já são marcas importantes de nossa tradição na área. Cabe agora à liderança política desatar os nós que alimentam a violência para que o estado siga se orgulhando de seus indicadores e dos profissionais que alcançam esses resultados.
Ivan Marques
Advogado e diretor-executivo do Instituto Sou da Paz

Sobre homicídios praticados por policiais militares, FSP

Estes não devem diferir das demais mortes violentas

Policiais militares em ação na região da cracolândia, centro de São Paulo
Policiais militares em ação na região da cracolândia, centro de São Paulo - Danilo Verpa - 10.mai.17/Folhapress
O Atlas da Violência 2017 chama a atenção para o debate relativo a atos de letalidade praticados por policiais militares e que faz parte de um movimento para ampliar a competência da Justiça Militar para os casos envolvendo homicídios cometidos por policiais. Alguns chegam a defender que mortes decorrentes de intervenção policial não seriam homicídios e que tratá-las dessa forma atentaria contra a dignidade do profissional de polícia.

Este é um falso argumento. O ato de uma pessoa matar a outra, independentemente da causa, é tipificado no Código Penal como homicídio e se, após investigação, ficar comprovada que esta morte foi cometida em legítima defesa, o autor não será punido. A legislação brasileira é clara ao prever que nesses casos, após investigação isenta, poderá deixar de haver ação penal.

A excludente não muda a tipificação do fato ilícito. Tais mortes não devem ser excluídas das demais mortes violentas. A melhor forma de construir a confiança e a legitimidade dos dados é a transparência.

É fundamental que a decisão do Ministério Público de não denunciar em razão da legítima defesa seja precedida de um isento trabalho de investigação. Casos com resultado de morte são possíveis na atividade policial, mas devem ser investigados até para que os membros das forças policiais não sejam expostos a perigos desnecessários.

A Lei 13.491/2017 expandiu a competência da Justiça Militar da Uniãopara considerar crime militar todos aqueles praticados por integrante das Forças Armadas quando em atividade (relacionado com a função militar típica ou não). E, mesmo afirmando a competência do Júri para integrantes das Polícias Militares (mas não para integrantes da Forças Armadas), teve o "efeito colateral" do envio de crimes como o de tortura para o sistema de Justiça Militar estadual.

No Supremo Tribunal Federal aguardam julgamento —já com manifestações pela procedência da Procuradoria-Geral da República— ações diretas de inconstitucionalidade contra dispositivos legais que afastam crimes dolosos contra a vida da competência do Tribunal do Júri, garantia prevista na nossa Constituição Federal.

A Justiça Militar deve julgar crimes militares praticados por militares e relacionados com atividades que não envolvem civis; e não pode julgar civis.

A ampliação da competência da Justiça Militar da União faz com que, em muitas unidades da Federação, a investigação de crimes cometidos por integrantes das Polícias Militares contra civis esteja sendo feita em inquéritos policiais militares, não mais em inquéritos policiais conduzidos pela Polícia Civil.

Isso contraria recente decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso da Favela Nova Brasília (RJ), que determina que o Brasil deve estabelecer mecanismos normativos para que, em casos de apuração de mortes, tortura ou violência sexual supostamente praticadas em caso de intervenção policial, a investigação aconteça por órgão diferente e independente da força pública envolvida.

A investigação dos crimes é direito da vítima, dos seus familiares e do próprio investigado —que pode, inclusive, se for o caso, ter o apoio jurídico do Estado enquanto não se chega à conclusão da sua culpabilidade ou do afastamento da punição por ter sido um ato legítimo e legal em defesa de si mesmo ou de terceiros.
Luiza Cristina Fonseca Frischeisen e Renato Sérgio de Lima
Subprocuradora-geral da República; diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública