terça-feira, 7 de agosto de 2018

O sujeito indeterminado do PT, Hélio Schwartsman, FSP

Quem ou o que está impedindo Lula de concorrer?

“Querem vetar o direito do povo de escolher livremente o próximo presidente”, diz um trecho da carta de Lula lida na convenção nacional do PT. O uso do sujeito indeterminado, cuja marca aqui é o emprego da terceira pessoa do plural, é suspeito. Quem ou o que está impedindo Lula de concorrer?
Ora, o grande empecilho à candidatura do ex-presidente é a Lei da Ficha Limpa (LC n° 135/2010), que torna inelegíveis aqueles que tenham sofrido certos tipos de condenação penal, desde que proferida por órgão colegiado. Lula ficou nessa condição depois que o TRF-4 confirmou a sentença que lhe fora dada pelo juiz Sergio Moro pelos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro.
De minha parte, nunca fui muito simpático a essa norma, contra a qual escrevi algumas colunas. Mas a Ficha Limpa, é preciso lembrar, foi proposta por movimentos próximos ao PT e aprovada com o apoio unânime da bancada do partido. O próprio Lula, quando a sancionou, fez questão de divulgar que era favorável ao “espírito da lei”.
Não me parece, portanto, que se justifique o uso do sujeito indeterminado. Lula e o PT, ao viabilizar a Ficha Limpa, estão entre aqueles que atuaram para impossibilitar a candidatura do ex-presidente agora, ainda que à época não soubessem disso.
E eu receio que essa tentativa de jogar as próprias responsabilidades para um sujeito indeterminado tenha se tornado um padrão. O site do partido, por exemplo, fala da crise econômica como se ela não tivesse nada a ver com a desastrosa gestão de Dilma Rousseff. Depois das forças ocultas erroneamente atribuídas a Jânio Quadros, nos vemos agora às voltas com os sujeitos indeterminados do PT.
O mais lamentável nessa história é que, enquanto insiste nas ficções que interessam a Lula, o PT deixa de fazer a autocrítica que o habilitaria a seguir como principal partido da esquerda de olho no futuro e não num passado com tanta coisa para ser esquecida.   

Justiça e misericórdia, Opinião FSP



Seguindo orientações do papa Francisco, o Catecismo da Igreja Católica, compêndio oficial da doutrina da maior denominação cristã do planeta, passou a tratar a pena de morte como inadmissível. Sentenciar um ser humano à morte constitui um “ataque à inviolabilidade e dignidade das pessoas”, diz a nova versão do texto.
Quando se compara Francisco com seus antecessores mais recentes, não se está diante de uma revolução a respeito do tema —décadas atrás, João Paulo 2º (papa de 1978 a 2005) já apontava nessa direção. Mas há, de fato, um abismo entre a posição do pontífice argentino e a que prevaleceu historicamente no pensamento católico. 
Com efeito, embora o cristianismo primitivo tenha sido marcado pelas exortações de Jesus a “não resistir ao mal”, “oferecer a outra face” e “amar os inimigos”, a passagem de movimento minoritário a religião oficial do Estado romano levou teólogos a repensarem esse ideário não violento. 
Inspirados no Antigo Testamento, que prescrevia a pena capital para certos pecados, como o assassinato, a adoração a deuses pagãos e atos homossexuais, pensadores como santo Agostinho (século 4º d.C.) defenderam que autoridades legítimas poderiam executar malfeitores, ou mesmo fazer guerras segundo a vontade divina. 
Com pequenas variações, esse foi o ponto de vista que prevaleceu durante séculos. Nas últimas décadas, porém, dois movimentos ajudaram a preparar o caminho para a mudança agora anunciada.
De um lado, a maior abertura ao diálogo com a modernidade levou a Igreja Católica a abraçar a ideia de direitos humanos universais, sobre a qual, até então, tinha reservas.
De outro, o chamado retorno às fontes do cristianismo primitivo fez com que se desse mais peso aos ensinamentos literais dos Evangelhos —e menos a uma tradição segundo a qual o principal dever era apoiar a punição de quem ameaçasse o bem comum. 
Tanto João Paulo 2º quanto Francisco, este com mais veemência, ressaltaram que os tempos mudaram para melhor. Com o avanço do sistema penal, a justificativa para executar um ser humano —a de proteger outras pessoas da violência— deixa de existir, uma vez que se mostra possível atingir esse fim sem tirar mais uma vida. 
É curioso que algumas das reações mais fortes contra a nova tese tenham vindo de católicos americanos politicamente conservadores, contrários ao aborto e favoráveis à pena de morte. Ao menos desse ponto de vista, a decisão de Francisco mostra que reduzir a conduta da Igreja a um tipo de orientação ideológica é simplificador.