segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Estratégia petista é mais racional do que parece, FSP


A estratégia do PT de insistir na candidatura de Lula, consagrada na convenção do partido no último sábado (4), é mais racional do que se pensa.
Como Geraldo Alckmin, Lula aposta que essa eleição será decidida do mesmo jeito que as outras: por coalizões partidárias fortes e pelo desempenho da economia.
Geraldo Alckmin apostou na formação de grandes coalizões. Lula aposta que elegerá o próximo presidente pela situação da economia, que, por ser ruim, favorece a oposição. 
Ao insistir com Lula, o que o PT promete ao eleitorado é a prosperidade dos anos lulistas, que pretende comparar à desolação dos últimos anos. Nesse ponto, "Lula" virou mesmo uma ideia: a ideia de pobres com mais dinheiro no bolso.
 
Nesse contexto, a divulgação do programa de governo petista na última sexta-feira adquire especial relevância. Se o que o PT está vendendo é dinheiro no bolso, o que ele propõe para atingir esse resultado?
O programa divulgado é longo, por isso vou me ater a um ponto que me parece particularmente importante no momento atual: a discussão sobre o que fazer para reequilibrar as contas públicas.
O documento tem pontos positivos (em geral, submersos em insuportável retórica militante): a criação do imposto sobre valor agregado (IVA) é uma boa ideia, a cobrança de impostos sobre juros e dividendos também, o imposto sobre carbono seria um progresso.
No que se refere à Previdência, o programa defende "a convergência entre os regimes próprios da União, dos Estados, do DF e dos Municípios com o regime geral", o que seria ótimo.
Mas quem vinha acompanhando os debates com Fernando Haddad, ou os textos recentes de Nelson Barbosa, esperava mais discussão sobre a crise fiscal.
Teria sido bom propor explicitamente a elevação da idade mínima da aposentadoria. Comparado ao espaço dado às propostas de investimento estatal, a discussão de como financiá-las ao mesmo tempo em que se tapa o rombo fiscal atual é curta.
E a proposta de reforma tributária tem um item que parece ruim: a isenção de imposto de renda para quem ganha até cinco salários mínimos.
Não é uma proposta que favoreça os mais pobres, que já são isentos. Beneficiaria pessoas que, no quadro brasileiro, estão relativamente bem de vida. E faria cair a arrecadação. Pra que isso?
O programa do PT é um documento de transição. É bem melhor do que qualquer coisa que o partido produziu desde que começou a sabotar seus ministros da Fazenda, em 2015.
Mas ainda tem coisas demais do PT do pós-impeachment, o que faz com que a transição comece de um ponto baixo.
E isso tem impactos para além das propostas econômicas. Quem viveu a miséria profunda de ler os documentos oficiais do PT desde 2015 sabe o quanto eles eram cheios de populismo fiscal e revanchismo contra Judiciário e mídia.
Esse histórico de revanchismo torna difícil topar discutir coisas como regulação da mídia ou reforma do Judiciário até que o partido dê mostras de que conduziria essas conversas com serenidade. Ainda não deu.
Mas, justiça seja feita, pela primeira vez, desde 2015, o PT está se movendo intelectualmente. Ainda se move lentamente, e a distância a recuperar é longa. Acho admirável o esforço de Haddad para tirar o partido da ressaca, mas não o invejo.
Celso Rocha de Barros
Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra).

Fruto de palmeira da mata atlântica pode se tornar o 'novo açaí', FSP

Proibição da retirada do palmito incentivou o uso da polpa e gera renda para comunidades tradicionais

LAURA VALENTE
UBATUBA (SP)
Você conhece a juçara. Seu subproduto mais famoso, opalmito, é um antigo frequentador das prateleiras dos supermercados. Com a extração proibida, já que a espécie estava entrando em risco de extinção, comunidades caiçaras, quilombolas e indígenas de Ubatuba, no litoral norte de São Paulo, vêm se voltando para uma outra parte da palmeira —seus frutos.
Na região, já é comum encontrar o produto em feiras de orgânicos, em saquinhos de polpa congelada. A semelhança com o açaí chama a atenção. E está virando negócio.
Keko Anderson, da comunidade de Itamambuca, já trabalhou como coletor do fruto e, hoje, faz testes para criar um "açaí de juçara". "Em vez do guaraná, para adoçar, uso frutas como banana e jaca. O inhame entra para dar consistência no lugar de um emulsificante. E, em vez de conservante, uso limão. Tudo natural", diz. Para ele, o que falta agora é um investidor que leve a produção à larga escala.
Na tentativa de estimular o uso sustentável da palmeira, a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo lançou um concurso de receitas, que está com inscrições abertas. A lista de finalistas sai em outubro. E a final está marcada para o mês seguinte, durante o evento Semana Mesa SP.
A juçara é uma árvore importante na cadeia alimentar da floresta, pois o fruto serve de alimento a pássaros como tucanos e jacutingas. "A ideia de usar o fruto para ajudar a preservar a palmeira surgiu durante os primeiros projetos com sistemas agroflorestais, entre 2006 e 2009", lembra Renata Pinassi, bióloga e secretária-executiva do Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica, o Ipema.
Há oito anos, esse instituto fez um trabalho de capacitação com comunidades tradicionais da região. "Além de aprender o manejo do plantio e preparar a polpa segundo as regras da Anvisa, cada comunidade recebeu um kit com todo o equipamento necessário para montar uma cozinha industrial", lembra Pinassi.  
Os resultados do projeto eram comemorados no festival anual da juçara, nos meses de maio, época alta da safra.
"Foi uma das melhores coisas que aconteceram aqui", diz Laura de Jesus Braga, do quilombo da Fazenda. "Antes a gente fazia a retirada clandestina do palmito. Hoje usa a polpa, vende a muda, lança a semente na mata", conta.
Braga é responsável por algumas das receitas com a polpa da juçara que mais fizeram sucesso pelos festivais. Tanto que a comunidade de Ubatumirim acabou virando o maior núcleo produtor do fruto e fornece a polpa para a merenda escolar da rede municipal.
Dalva Aparecida dos Santos, que vende a polpa em uma feira de Ubatuba, conta um dos seus segredos na hora da despolpa —a extração a frio. "Para amolecer os frutos, a gente pode dar um choque de água quente ou deixar de molho na água fria. Prefiro deixar na água fria, a cor fica mais viva, o roxinho é mais bonito."

VEJA ONDE PROVAR

São Paulo 
Maha Mantra Culinária Orgânica
 r. Fradique Coutinho, 766, tel. (11) 3032-2560
Feira Paturebas 2018
Quando: 4 de agosto, das 13h às 19h, na Casa das Caldeiras, r. Francisco Matarazzo, 2.000, saintvinsaint.com.br/feira/ 
Ubatuba (SP)
Grão Culinária Integral
O que tem: Suco de juçara r. Conceição, 120, tel. (12) 3836-1631
Padaria Integrale 
O que tem: Pão de juçara r. Dr. Esteves da Silva, 360, tel. (12) 3836-1836
Empório Cerealista
O que tem: Polpa de juçara congelada para levar r. Salvador Correa, 28, tel. (12) 3836-1528 
Mangarito
O que tem: Juçara na tigela e suco de juçara com banana e laranja av. Capitão Felipe, 406, tel. (12) 3835-1586
Paraty (RJ)
Manuê
O que tem: Creme de juçara r. João do Prado, 57, tel. (24) 3371-5096
Erramos: o texto foi alterado
O produtor Keko Coimbra é da comunidade de Itamambuca, não de Ubatumirim, em Ubatuba (SP)

A vida ou o Estado - OPINIÃO , MIGUEL DE ALMEIDA, FSP

Eu tenho medo do Estado.

Constituído nos últimos séculos (digamos, a partir de Hobbes, século 17), ajudou a construir a ideia de nação, solidificou os idiomas, além de oferecer identidades. Trouxe o desenvolvimento, as veleidades e, por fim, as mitologias.

Na outra mão, aprofundou as desavenças, forjou rivalidades e ainda vendeu a morte (sua ou do inimigo), em sua defesa, como algo dadivoso. Hehehe.

Pensando bem, por qual motivo você daria sua vida hoje? Pegaria em armas para soltar Lula? Perderia sua vida para defender o Brasil de uma invasão dos Estados Unidos? (Alguns asnos perdem amigos nas redes sociais, para defender seus pontos de vista, mas não passam disso, como definiu Umberto Eco: tolos).

A queda do Muro (menos no Brasil...) enterrou a morte romântica em nome da ideologia.

Só que o Estado, aos poucos, foi tomado por interesses privados de grupos, de corporações e de causas sociais em nome da caridade.

Os lobbies mais organizados conseguem mais mamatas: funcionários públicos, caminhoneiros, partidos políticos, igrejas, empresas automobilísticas... cada qual ganha seu bocado.
O discurso de embrulho começa na esperta direita e envolve a esquerda corporativa. Por que sempre há a denúncia de cartel na construção dos metrôs? As poucas empresas de reconhecida capacidade técnica venderam o peixe de que não se pode permitir a entrada de concorrentes estrangeiros. O Clube dos Dez faz a festa... embora várias delas façam obras de infraestrutura no exterior.
Ao rejeitar a vinda de construtoras estrangeiras, em nome de um tosco nacionalismo e reserva de mercado, quem paga a conta são os contribuintes de sempre.

O Estado gigantesco não é um fenômeno brasileiro. É mundial. Dos Estados Unidos à França, da Espanha à Argentina, o Estado tem sido consumido pelas demandas daninhas.

Em "A Quarta Revolução -- A Corrida Global para Reinventar o Estado", John Micklethwait e Adrian Wooldridge registram o ataque a governos ocidentais e de como grupos (quem não chora não mama) desviam recursos de toda a sociedade para suas demandas. Olha o diesel aí, gente.
Da ideia original de Hobbes —o Estado deveria oferecer segurança aos negócios e algum bem-estar aos incapacitados— evoluímos no Brasil até as isenções fiscais às automobilísticas e às fábricas de refrigerantes—multinacionais na pindaíba, como Coca-Cola e Ambev.

Mesmo Lord Keynes, usado como biombo para os crimes de sempre, defendia que o Estado não deveria consumir mais do que um quarto do Produto Interno Bruto.

A segurança aos cidadãos imaginada por Hobbes derivou em tempos contemporâneos, a partir da ação de religiosos e de outros fundamentalistas, no rapto de nosso corpo. Homossexualidade dava cana na terra da rainha até meados da década de 1960... Os pobres sodomitas, como diria Proust.

Da proibição do aborto ao combate às drogas, o homem contemporâneo teve o livre arbítrio expropriado.
É proibido por legislações obscuras inclusive de como escolher sua própria morte diante de doença incurável. As indústrias da saúde e da segurança agradecem religiosamente a atenção.

Ah, mas cigarro e bebidas alcoólicas, responsáveis por um número fenomenal de mortes e doenças terminais, recebem módicos incentivos fiscais.

Neste momento eleitoral, é o caso de perguntar: qual Estado querem os brasileiros? Vamos modernizar o governo como o fizeram Suécia e Singapura? Ou seremos uma imensa Grécia ou o Rio de Janeiro do Cabral/Pezão? Como se diz, ficamos velhos antes de ficarmos ricos.

Micklethwait e Wooldridge colocam na mesa a reforma de Estado ora em andamento na China, com o vigoroso capitalismo de Estado criando empresas transnacionais. Secundados por funcionários públicos calcados na meritocracia.

A esquerda brasileira odeia meritocracia. Então, está tudo explicado: para um Marcelo Odebrecht fazer sucesso é necessário um José Dirceu. Um Lula não brotaria sem um Geisel.


    Miguel de Almeida
    Escritor e diretor dos documentários "Não Estávamos Ali para Fazer Amigos" e "Tunga, o Esquecimento das Paixões"