Há muita coisa boa a desfrutar com anúncio de que Embraer e Boeing negociam arranjo
Celso Ming, O Estado de S.Paulo
24 Dezembro 2017 | 08h11
O anúncio de que Embraer e Boeing negociam um arranjo não pode ser analisado pela ótica da desnacionalização em marcha, como os aflitos de sempre se apressam em protestar. Tem que ser visto pelo lado do que é melhor para o Brasil. E há aí muita coisa boa a desfrutar.
Há o reconhecimento de que a Embraer conquistou lugar especial no setor. Se não tivesse sido privatizada, como foi em 1994, não passaria de um monte de sucata ou de cabide de empregos, como aconteceu com a Engesa, que fazia veículos bélicos para uso em terra.
A Boeing está vindo atrás porque sentiu que precisa se posicionar no segmento de jatos de médio porte, principalmente depois que a europeia Airbus e a canadense Bombardier anunciaram, em outubro, planos de fusão.
Também é preciso ter em conta que a Embraer, terceira maior produtora de jatos no mundo, se tornou um dos campeões nacionais porque livrou-se de vícios que tomam outros setores da indústria, como subsídios e, principalmente, políticas supostamente nacionalistas, como exigências de conteúdo local. De 17% a 20% dos componentes das aeronaves da Embraer vêm de fora. Ela não foi obrigada a pagar mais caro para desenvolver o que outros países e empresas fazem mais barato. No caso das aeronaves da família E-Jet E2, as asas têm parte da estrutura feita em Portugal; a cabine e seus assentos são do Reino Unido; o motor das turbinas, do Canadá; o sistema estabilizador, dos Estados Unidos; o sistema de controle de flaps vem da Alemanha... E assim vai. A Embraer se especializou em produzir projetos e conceitos.
A Embraer não é uma empresa que tenha um dono. Cerca de 65% de seu capital está pulverizado no mercado. Tem como principais acionistas a norte-americana Brandes (15% do total), a Mondrian (10%), o BNDES (5%) e o fundo Blackrock (5%). O Tesouro brasileiro possui uma golden share, ou prerrogativa de vetar qualquer negócio que contrarie o interesse nacional.
A proposta em negociação não está clara. Mas não dá para dizer que seja de compra pela Boeing. Por disposição estatutária, nenhum acionista pode ter mais do que 35% das ações da empresa.
Mas já dá para antever algumas das vantagens de que desfrutaria a Embraer a partir de uma associação com a Boeing. A primeira delas seria o fortalecimento do seu próprio segmento do mercado que está sendo deslealmente atacado pela Bombardier e pode enfrentar forte concorrência de novos players, especialmente da China, do Japão e da Coreia do Sul. Segunda vantagem, a Embraer poderia partilhar com a Boeing a faixa de aviões de grande porte. E, terceira, ganharia importante reforço em seu capital.
Não faz sentido o discurso de que a Embraer também fabrica aviões militares e, por isso, não se podem misturar interesses das empresas por motivos de segurança nacional. É difícil imaginar que os produtos da Embraer para fins militares sejam segredos importantes para os norte-americanos – até porque qualquer um dos produtos pode ser adquirido no mercado. Em segundo lugar, a Boeing tem mais abrangência e produtos de defesa do que a Embraer.
De todo modo, antes de conhecer melhor o que está em jogo, não se terão os principais elementos para uma melhor avaliação desse pretendido acordo.