segunda-feira, 27 de novembro de 2017

Nova Reforma da Previdência afetaria só 35% dos trabalhadores, OESP

BRASÍLIA - Se a nova versão da reforma previdenciária, mais enxuta, já estivesse em vigor, não teria afetado cerca de dois terços (65,4%) dos beneficiários da Previdência no momento da concessão das aposentadorias ou pensões. O cálculo foi feito pelo consultor do Senado Pedro Nery. O economista usou como base os dados sobre o perfil de quem já está aposentado ou recebe outro benefício previdenciário.
O quadro mostra, portanto, que a grande maioria da população não seria atingida pelas mudanças que o governo tenta aprovar no Congresso Nacional na primeira semana de dezembro. Seriam alcançados pela reforma 34,6% dos trabalhadores.

Reforma da Previdência
proposta mais enxuta de reforma de Previdência vai incluir um novo modelo de regra de cálculo para os benefícios do INSS, mas vai manter a concessão do benefício integral a quem completar 40 anos de contribuição Foto: Wilton Junior|Estadão
Os principais afetados pelo projeto de reforma são os servidores públicos federais e os homens que se aposentam por tempo de contribuição, sem necessidade, hoje, de atingir uma idade mínima. “São justamente os que recebem os benefícios de maior valor, embora representem um contingente pequeno da população”, diz Nery.
Segundo o estudo, 15,8% dos atuais beneficiários se aposentaram por tempo de contribuição antes dos 53 anos (mulheres) e 55 anos (homens). Essas serão as idades mínimas iniciais de transição, caso a reforma seja aprovada, o que impedirá novos pedidos de aposentadoria de pessoas mais novas.
O total de atingidos ainda pode diminuir, porque os Estados e municípios terão prazo de até seis meses para propor regras diferentes a seus servidores, se desejarem. As alterações terão de ser aprovadas pelos Legislativos locais. Até lá, ficam valendo as regras da reforma federal.



Tentativa. Após seis meses de paralisação nas articulações políticas – por conta do processo que culminou com a rejeição, pela Câmara, de duas denúncias contra o presidente Michel Temer –, o governo busca retomar as negociações para a aprovação da reforma da Previdência. Tenta convencer os parlamentares de que as novas regras afetarão apenas a camada mais privilegiada da população.
A flexibilização da proposta original excluiu mudanças que endureciam exigências aos mais pobres. Foi uma estratégia do governo para tentar vencer as resistências, que crescem com a aproximação das eleições. Ficaram de fora do alcance do novo texto os trabalhadores rurais, quem recebe o Benefício de Prestação Continuada (pago a pessoas de baixa renda que são idosas ou com alguma deficiência), militares, além de policiais militares e bombeiros dos Estados. Homens que hoje se aposentam por idade também ficam livres de mudanças, pois a exigência já é de 65 anos para o benefício, neste caso.
Haverá mudança para as mulheres, que hoje, ao se aposentarem pelo critério de idade, precisam chegar aos 60 anos, o que será elevado para 62 anos ao longo de um período de transição.
A nova versão da reforma foi desidratada na tentativa de conseguir mais apoio, mas não pode ser considerada uma “reforminha”, na avaliação de especialistas. Os pontos que ficaram no texto são considerados significativos e de alcance considerável: idade mínima para quase todos, regra de transição, alteração na regra de cálculo do benefício e limitação ao acúmulo de pensões e aposentadorias. Essa última medida é um ponto importante para a economia que o governo espera conseguir.
Para o especialista Leonardo Rolim, da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados, “tudo o que é mais importante ficou”. Em ordem de importância, ele listou a proposta que iguala as regras de trabalhadores do INSS e de servidores, a mudança nas regras da pensão por morte e o fim da aposentadoria por tempo de contribuição.
A questão agora é até que ponto os líderes partidários vão desidratar ainda mais o texto nas negociações que começam no Congresso. Os técnicos alertam que mudanças muito maiores colocam em risco a reforma e a capacidade de o próximo governo fazer as mudanças que serão necessárias, caso uma proposta pouco eficaz seja feita agora.
Idade mínima. Para o economista Manoel Pires, ex-secretário de Política Econômica da Fazenda e pesquisador da FGV, o principal ponto da reforma da Previdência é a idade mínima. “Esse é o item mais importante da discussão e tem um poder de produzir um paradigma importante no sistema, tanto do ponto de vista de igualdade quanto do ponto de vista fiscal. A concepção do sistema muda bastante”, avalia. Nos seus cálculos, a fixação de uma idade mínima reduz sozinha o crescimento do gasto previdenciário em aproximadamente 40%.
Os parlamentares, no entanto, articulam a redução das idades mínimas hoje previstas no texto. “Se reduzir a idade mínima, é melhor deixar para depois. Não dá para imaginar idade mínima menor do que está aí. Se fizer isso, é melhor deixar para 2019. Se não igualar regra de servidores, também é melhor deixar para 2019”, diz o consultor da Câmara dos Deputados Leonardo Rolim. 
Para ele, “mexer em algum detalhe da transição” não seria o fim do mundo, mas considera ser inviável aprovar uma proposta sem nenhuma transição para quem está hoje no mercado de trabalho. “Se for só a geração mais nova atingida pela reforma, vai levar 40 anos para ter efeito. Daqui a 40 anos, o Brasil já acabou. Falo na cara de deputado, (tirar regra de transição) é atestado de ignorância fiscal.”
Pires afirma que é recomendável aprovar uma reforma da Previdência agora para desafogar a intensa agenda de ajustes econômicos que ainda precisará ser feita pelo próximo presidente da República, que inclui a possibilidade de revisão do teto de gastos, as políticas de valorização do salário mínimo e de reajuste de salários do funcionalismo, e a discussão da regra de ouro do Orçamento, que impede a emissão de dívida para pagar despesas correntes e corre o risco de ser descumprida nos próximos anos.

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

Charada ou mistério, OESP

Celso Ming, O Estado de S.Paulo
23 Novembro 2017 | 21h00
Desde agosto, a presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos), Janet Yellen, tem afirmado que a inflação deste ano, bem mais baixa do que aquela com que contava, “é um mistério”.

Yellen
Yellen. Não é a primeira vez que uma autoridade do Fed está perplexa com a inflação baixa Foto: AP Photo/Andrew Harnik, File
Não é a primeira vez que a maior autoridade do Fed se diz perplexa com a persistência de uma inflação rastejante, abaixo da meta. Em fevereiro de 2005, o então presidente do Fed, Alan Greenspan, confessava que o tombo da inflação era para ele uma charada (conundrum). Ele se referia a uma anomalia: enquanto o Fed puxava para cima os juros de curto prazo, o mercado vinha reduzindo o rendimento dos títulos de longo prazo. Esse descasamento comprometia, também, a capacidade do Fed de conduzir as expectativas.



Quando pronunciado em inglês, o termo conundrum soa um tanto tétrico e, na ocasião, serviu para muita piada de conferencistas ou para atender a certo oportunismo comercial. Até mesmo um vinho de qualidade questionável com esse nome passou a ser vendido nos Estados Unidos.
Meses depois, Greenspan julgou ter matado a charada. Em documentos do Fed, sugeriu que a derrubada da inflação nos Estados Unidos foi proporcionada pelo emprego cada vez mais intensivo de Tecnologia da Informação, que vinha achatando os custos de produção e, portanto, vinha concorrendo para derrubar os preços.
Agora, o reconhecimento da existência de um mistério na gênese da inflação dos Estados Unidos parece estar sendo interpretado mais como fundamentação técnica do Fed para aumentar o gradualismo da política de juros básicos do que para discutir sobre as causas da novidade.
Mas, afinal, que mistério é esse? O mercado de trabalho dos Estados Unidos passa por uma fase que historicamente poderia ser considerada como de pleno-emprego: apenas 4,1% da mão de obra ativa está procurando trabalho. É uma situação que tenderia a aumentar a demanda por bens e serviços e, portanto, a puxar a inflação para cima.
Nas últimas semanas, Yellen e outros governadores do Fed avançaram algumas hipóteses. Uma delas é a de que os tais 4,1% de índice de desemprego escondem o fato de que grande número de trabalhadores só vem conseguindo ocupação em tempo parcial. Não estão desempregados, mas ganham menos e essa redução da renda pressiona menos o mercado de consumo. Outra explicação é a de que as operadoras passaram a oferecer planos de uso ilimitado de telefonia celular, situação que não só teria concorrido para redução dos custos da comunicação, como, também, para aumento da produtividade da economia. E uma terceira, a de que os custos da saúde não aumentaram tanto quanto o esperado.
Mas tanto Yellen como outros diretores do Fed reconhecem que ainda não entenderam inteiramente o fenômeno. De onde se conclui que ainda falta explicação e que o mistério continua. E se falta explicação e sobra mistério, também o Fed perde condições de gerenciar as expectativas.
De todo modo, o mercado global continuará inundado de moeda forte, fator que também ajudará a conter a alta do dólar no câmbio do Brasil.
CONFIRA:



» Furo no piso
Também no Brasil, a inflação continua surpreendendo positivamente. O IPCA-15, que é o mesmo índice de preços, com a diferença de que conta o período de 30 dias a partir do dia 15 de cada mês, apontou inflação de 0,32% em novembro. Ou seja, essa prévia mostra que a inflação em 12 meses parou nos 2,77%. Ficou mais provável que 2017 feche com inflação abaixo de 3%, portanto, abaixo do piso da meta. É mais um fator que pode levar o Banco Central a reduzir os juros para abaixo dos 7% ao ano.

quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Intercâmbio ou desperdício?, OESP


A queda significativa do número de bolsistas brasileiros no exterior acompanha o esforço do governo para minimizar o desperdício bilionário de recursos escassos

O Estado de S.Paulo
23 Novembro 2017 | 03h03
Levantamento feito pelo Estado revela que o intercâmbio de alunos de graduação das universidades públicas brasileiras com centros de pesquisa e instituições educacionais estrangeiras caiu 99%, desde o encerramento do programa Ciência sem Fronteiras, no ano passado. Entre as universidades brasileiras analisadas estão as três estaduais paulistas – USP, Unicamp e Unesp – e duas federais, a Unifesp e a UFABC. Entre 2016 e 2017, esta última só recebeu três bolsas de intercâmbio, ante 51 em 2014.
Com base nesses números, entidades estudantis e científicas alegam que o fim do Ciência sem Fronteiras empobrecerá a formação das novas gerações de estudantes universitários, negando-lhes uma formação cosmopolita. Também afirmam que o fechamento desse programa agravará as desigualdades sociais, uma vez que, sem recurso público, a possibilidade de estudar no exterior ficará restrita a quem pode pagar. E disseram, ainda, que a queda do número de bolsistas comprometerá o acesso às principais fontes mundiais de conhecimento científico, prejudicando com isso o desenvolvimento tecnológico do Brasil. “A ciência perdeu a circulação de cérebros, o compartilhamento de conhecimentos e descobertas que havia com os intercâmbios. Como muitos dos atuais alunos de graduação se tornarão futuros pesquisadores, o prejuízo na formação deles tem impacto na ciência”, diz Carlos Roberto Cury, vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência.
Em resposta a essas críticas, o Ministério da Educação (MEC) distribuiu nota afirmando que a queda do número de intercâmbios ocorreu por causa da crise econômica. Também afirmou que as agências de fomento à pesquisa e aperfeiçoamento do pessoal de ensino superior foram orientadas a concentrar os recursos disponíveis em projetos de internacionalização no âmbito da pós-graduação. E anunciou, ainda, que começou a estudar a possibilidade de enviar alunos de ensino médio para estudar no exterior.
Esse debate deixa uma questão importante de lado. Trata-se do enorme estelionato educacional que foi o Ciência sem Fronteiras. Lançado em 2011 pela presidente Dilma Rousseff e usado como bandeira eleitoral na campanha pela reeleição, ele tinha por objetivo reduzir a distância entre as universidades brasileiras e as universidades estrangeiras mais bem classificadas nos rankings internacionais. Mas, em vez de definir critérios precisos, estabelecer metas e priorizar as áreas técnicas nas quais o Brasil é carente de especialistas e que são estratégicas para o desenvolvimento econômico, o governo Dilma financiou indiscriminadamente cursos em quase todas as áreas do conhecimento, inclusive aquelas em que o mercado de trabalho estava saturado.
Como o governo também não exigiu dos bolsistas proficiência no idioma em que as atividades didáticas seriam realizadas, muitos não conseguiram acompanhar os cursos em que se matricularam e voltaram ao País sem aperfeiçoar sua formação intelectual. Também foram detectados vários casos de bolsistas reprovados nos exames de seleção das universidades que escolheram. Por falta de cobrança de resultados, um contingente expressivo abandonou os estudos, usando o valor das bolsas para fazer turismo.
Segundo dados do MEC, em 2015 o Ciência sem Fronteiras custou R$ 3,7 bilhões apenas para atender 35 mil dos 101 mil bolsistas previstos. Em outras palavras, por causa da sucessão de erros administrativos do governo anterior, parte desse investimento jamais retornou ao Brasil em forma de capacitação profissional e qualificação acadêmica com padrão de excelência. Por isso, os gastos com o programa tiveram de ser contabilizados como prejuízo para os cofres públicos. A queda significativa do número de bolsistas brasileiros no exterior acompanha, assim, o esforço do governo para minimizar o desperdício bilionário de recursos escassos.