quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Vera Magalhães - ‘O rei do Brasil’, OESP



Governo de Michel Temer vive uma rebelião contra o ministro Moreira Franco






Vera Magalhães, O Estado de S.Paulo
15 Novembro 2017 | 03h00
No dia em que se comemora a Proclamação da República, o governo de Michel Temer vive uma rebelião contra um ministro descrito por seus pares como candidato a “rei do Brasil”.
A malograda ideia de reforma ministerial ampla para quem for candidato em dezembro deflagrou reação generalizada e imediata de todos os partidos, e deve ser abortada tão rápido quanto surgiu no horizonte. O mentor da ideia, dizem ocupantes de vários blocos da Esplanada, foi Moreira Franco.
Se já havia uma antipatia difusa em relação ao titular da Secretaria-Geral da Presidência, ela se acentuou nas últimas semanas, desde que Moreira concentrou mais atribuições, como coordenar o “Avança Brasil” e cuidar da publicidade oficial. Agora, dizem colegas, quer nomear “integrantes do segundo escalão” para “mandar em todos os ministérios”.
A revolta ganhou um aliado de peso: o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que, apesar do parentesco com Moreira, fez chegar a Temer a contrariedade da base com a ideia de que ministros que o ajudaram a arquivar as duas denúncias de Rodrigo Janot serão escanteados na hora em que começarão a “colher” frutos das políticas implementadas em suas pastas.
Ocupantes do primeiro escalão, lembram auxiliares de Temer, ficariam “na chuva”, sem foro e expostos à 1.ª instância da Lava Jato, como Marcos Pereira (Desenvolvimento) e Gilberto Kassab (Comunicações). Dada a reação à ideia de antecipar a reforma, o mais provável é que se acomode a situação do PP – que deve ganhar Cidades, mas pode perder Agricultura, Saúde ou o comando da Caixa – e tudo o mais fique como está.
RUMO A 2018
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Preocupados com a possibilidade de a saída do PSDB do governo levar o PMDB a investir em uma candidatura que defenda o “legado” de Temer, como defendeu Romero Jucá, aliados de Geraldo Alckmin lançaram um discurso de vacina. Passaram a martelar que o partido fará a defesa “incondicional” das reformas e ainda abrirá “espaço” para que o presidente use os espaços no governo para pacificar a base.
NINHO EM CHAMAS
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terça-feira, 14 de novembro de 2017

São Paulo finaliza Plano Diretor para Ciência, Tecnologia e Inovação , Fapesp



Data:14/11/2017

Sandra Muraki  |  Agência FAPESP – A elaboração do Plano Diretor para Ciência, Tecnologia e Inovação em São Paulo, coordenada pela FAPESP por determinação do Conselho Estadual de Ciência e Tecnologia (Concite), está em fase de finalização e deverá ter uma primeira versão até o início de 2018. Participaram da elaboração 35 pesquisadores de universidades, institutos de pesquisa e empresas.

A convite da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação e Informação (CCTI) da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp), Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, apresentou aos membros do colegiado, em 8 de novembro, os principais desafios que o Plano Diretor aponta para aumentar os impactos social, econômico e científico do Sistema Paulista de Ciência e Tecnologia.

Estiveram presentes à reunião os deputados Orlando Bolçone (presidente da CCTI), Davi Zaia (vice-presidente), Welson Gasparini, Carlos Neder, Jorge Wilson Xerife do Consumidor e Roberto Engler.

Brito Cruz informou aos parlamentares que a elaboração do Plano Diretor contou com a participação das instituições com atividades científicas em São Paulo. Grupos temáticos realizaram levantamentos e apresentaram os pontos aos quais o estado deve dedicar especial atenção. À FAPESP coube, além das suas próprias contribuições, a compilação e a sistematização das informações.

“Um dos pontos de partida para a construção do documento foi o dimensionamento do Sistema Paulista de Ciência e Tecnologia, que se mostrou com certo grau de complexidade, e os investimentos realizados. Foram identificadas 62 instituições com missão orientada para a pesquisa, divididas entre universidades públicas estaduais e federais e institutos de pesquisa, além de quase 15 mil empresas inovadoras. Há também universidades particulares com relevantes atividades de pesquisa”, disse Brito Cruz.

O levantamento indicou a existência de 18 institutos de pesquisa particulares, nove destes em hospitais. O número de pesquisadores no estado chega a 74 mil, sendo que 27 mil deles estão nas empresas.

O trabalho dos comitês do Plano Diretor apontou para desequilíbrios nos níveis de investimento estadual e federal e na formação de recursos humanos em São Paulo.

“Desde 1995, a participação do fomento federal, que era majoritário, vem caindo e sendo substituído paulatinamente pelo estadual, invertendo a relação, sobrecarregando o contribuinte paulista. Cenário semelhante ocorre no oferecimento de vagas em ensino superior. Somente 0,7% dos estudantes paulistas oriundos do ensino médio têm acesso a vagas em instituições federais no estado, ao passo que no Acre 70% dos jovens na mesma condição (ensino médio completo) têm acesso a vagas nessas universidades”, disse Brito Cruz.

Para os formuladores do Plano Diretor, é necessário que o governo estadual estabeleça uma articulação mais efetiva com a esfera federal para que esse tratamento seja mais equilibrado.

A participação da iniciativa privada em atividades de pesquisa é intensa no Estado de São Paulo, segundo os dados apurados. As empresas são responsáveis pelos maiores volumes de investimento em pesquisas (60%), a maior parte executada em seus próprios centros ou departamentos de P&D. O investimento público estadual corresponde a 23% do total e o federal, a 15% – no conjunto dos demais estados, o dispêndio federal responde por 57% do total, o estadual por 17% e o empresarial por 26%.

O Plano Diretor aponta para a oportunidade da busca pelo investimento privado em P&D no estado, inclusive por empresas estrangeiras, contrariando a avaliação de que as multinacionais não investem em pesquisa fora de seus países-sede.

Segundo Brito Cruz, São Paulo precisa usar as oportunidades que estão sendo oferecidas por essas organizações. “Mais do que isso, a qualidade do investimento privado merece atenção, buscando maior competitividade internacional”, disse.

Como exemplo, contou que os dados levantados mostram que nas empresas no Brasil se obtêm 29 registros de patentes a cada 10 mil pesquisadores empregados por empresas. No Japão, essa relação é de 934 para 10 mil.

“Esse cenário não indica que a capacidade dos brasileiros é inferior à dos estrangeiros, mas aponta para uma estratégia menos competitiva da pesquisa empresarial brasileira, que cria menos e adapta mais”, disse Brito Cruz.

Roteiro de ações

Os participantes da reunião na Alesp também destacaram a necessidade de dar mais efetividade aos institutos públicos de pesquisa como instrumentos fundamentais do Sistema Paulista de Ciência e Tecnologia. Essas instituições enfrentam importantes gargalos, como a sustentabilidade financeira e a manutenção do quadro de pesquisadores (redução, idade avançada e salários pouco competitivos).

Segundo Brito Cruz, o Plano Diretor será uma espécie de roteiro de ações que o Estado de São Paulo poderá implementar para fortalecer o impacto social, econômico e científico das atividades de suas entidades de pesquisa e assim conquistar maior competitividade internacional. Mesmo antes da concretização do documento, as instituições começaram a trabalhar nos desafios que foram apontados.

“A FAPESP, por exemplo, já vem criando oportunidades para pesquisas colaborativas entre pesquisadores paulistas e do exterior e se consolida como uma das principais agências no mundo nesse tipo de ação. Também vem promovendo a formação de Centros de Pesquisa em Engenharia, em parceria com empresas. Os bons resultados desse programa possibilitam a criação de novos centros, que têm financiamento de 10 anos compartilhado com empresas e universidades”, disse Brito Cruz.

Os levantamentos realizados para a elaboração do Plano Diretor mostram ainda a produtividade dos pesquisadores brasileiros. Pesquisadores no Estado de São Paulo são autores em quase 50% dos artigos científicos brasileiros publicados por autores do Brasil em revistas científicas internacionais.

Os pesquisadores paulistas publicam mais artigos que os pesquisadores de todos os países da América Latina (excluindo o Brasil). Também aumenta a cada ano o número de artigos em coautoria entre pesquisadores de universidades e de empresas. Mas, da mesma forma com o que se observa na pesquisa empresarial, é preciso estimular maior ousadia e ambição internacional, na busca de mais impacto científico para os resultados.

Ao concluir sua apresentação, o diretor científico da FAPESP elencou os setores destacados no Plano: energia, ambiente, tecnologia de informação e comunicações, equipamentos de telecomunicação, indústria aeroespacial, manufatura avançada, agronegócio, nanotecnologia, saúde, setor automotivo, tecnologia industrial básica, metrópoles e violência e educação.

Brito Cruz destacou ainda que o Plano Diretor aponta a importância de haver uma instância articuladora dos vários entes – estaduais, federais e privados – do Sistema Paulista de Ciência e Tecnologia. Esse papel poderia ser facilitado pelo Concite que, inclusive, seria a autoridade legal responsável pelo Plano Diretor.

Para os formuladores do documento, o Plano Diretor não é de São Paulo, mas para todas as instituições que atuam em São Paulo e, por isso, a articulação de ações entre o governo do Estado, a União e a iniciativa privada é crucial para o desenvolvimento da ciência e tecnologia produzida no estado.


Objetivo é aumentar os impactos social, econômico e científico do Sistema Paulista de CT&I. Elaboração do documento, coordenada pela FAPESP, deverá ser entregue à Assembleia Legislativa até o início de 2018 (Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, e Orlando Bolçone, presidente da CCTI / foto: Alesp)



Fonte: Agência FAPESP
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segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Economia colonial cresceu mais do que a do mundo e o Brasil era mais forte do que os EUA no século 19, Por Euler de França Belém


Jorge Caldeira prova que a Colônia era dinâmica, mostra que o país crescia mais do que outras nações, frisa que a República Velha não deve ser tratada como a Idade Média patropi e explica a estagnação pós-1970
O livro de Jorge Caldeira, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo, dá uma chacoalhada nas interpretações dos historiadores tradicionais, que “não” souberam entender que a economia do Brasil Colônia era dinâmica e poderosa
O livro de Jorge Caldeira, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo, dá uma chacoalhada nas interpretações dos historiadores tradicionais, que “não” souberam entender que a economia do Brasil Colônia era dinâmica e poderosa
“Nem Céu Nem Inferno — Ensaios Para Uma Visão Renovada da História do Brasil” (Três Estrelas, 327 páginas), do doutor em ciência política Jorge Caldeira, contém textos que revisam, de maneira extraordinária, a história do país. “Intuições sobre a ausência do Brasil em ‘O Capital no Século XXI’”, com 32 páginas, é um dos melhores artigos do livro. O autor conecta, direta ou indiretamente, a terra descoberta por Pedro Álvares Cabral ao best seller do economista francês Thomas Piketty publicado pela Editora Intrínseca em 2014.
Jorge Caldeira ressalta que Thomas Piketty praticamente não inclui o Brasil em seu cartapácio de 672 páginas porque o governo brasileiro não divulga dados fiscais. “Piketty não emprega estatísticas trisseculares brasileiras porque elas, com um grau de precisão vagamente semelhante àquelas empregadas no livro, simplesmente inexistem. E não existem porque é fraca no país a tradição que as gerou. Tão fraca que sua história ainda precisa ser contada.”
Em 1974, nos Estados Unidos, os pesquisadores Robert Fogel e Stanley Engerman lançaram “Time on the Cross”. Para elaborar o livro, a dupla empregou “a tecnologia da informação para construir bancos de dados históricos quantitativos sobre a escravidão e técnicas estatísticas para organizar séries capazes de servir de teste para argumentos de economistas e historiadores tradicionais sobre a economia da escravidão”.
Com dados novos ou dados velhos agrupados e rearticulados, Robert Fogel e Stanley Engerman constataram “que o trabalho escravo era tão produtivo quanto o assalariado, de que a qualidade da alimentação dos escravos era semelhante à dos pobres livres e de que a acumulação de capital era muito efetiva na sociedade escravista”. A tese, que provocou um choque na academia, provocou uma revisão na história da escravidão nos Estados Unidos.
Stanley Engerman, com Eugene Genovese, publicou “Race and Slavery in the Western Hemisphere”, em 1975, no qual “a ideologia contava menos que a precisão dos dados no debate”. A história da escravidão passou a ser lida e examinada de maneira mais ampla, com os dados contribuindo para uma revisão geral do que de fato aconteceu nos Estados Unidos e noutros países. Robert Fogel ganhou o Prêmio Nobel de Economia em 1993 e Stanley Engerman firmou-se como “padrão de referência em história econômica”. A “imensa massa de trabalho passado sobre dados quantitativos está por baixo de cada linha de cada gráfico do livro de Piketty. (…) Graças às tradições da pesquisa colaborativa, Piketty foi capaz de encontrar parceiros que o ajudaram a construir as monumentais séries de dados unificadas que estão na base de sua obra”.
A tradição colaborativa americana, apropriada pelo francês Thomas Piketty — que estudou e deu aula nos Estados Unidos —, “passa muito ao largo da vida intelectual brasileira. (…) Ao longo das últimas quatro décadas, prevaleceu por aqui a tradição das disciplinas rigidamente separadas pelas paredes dos departamentos universitários”.
As dificuldades com dados são imensas no Brasil, lamenta Thomas Piketty. “Só há cálculo do PIB brasileiro a partir de 1947, e as inferências mais sistemáticas sobre a economia como um todo só chegam a 1900”, anota Jorge Caldeira. Entre ficar inerte, à espera do d. Sebastião dos dados, e apresentar pelo menos intuições — frise-se que são muito mais do que intuições —, o pesquisador brasileiro prefere a segunda hipótese. O mestre e doutor pela Universidade de São Paulo segue o economista francês, que “trabalha basicamente com duas sérias clássicas: produção, em que olha para a economia pelo lado dos fluxos, e riqueza, em que considera os estoques”. A prioridade é estudar a produção.
Colônia era dinâmica
A economia colonial, segundo a maioria dos livros publicados no Brasil, era estagnada e voltada unicamente para o mercado externo. Jorge Caldeira afirma que se trata de uma visão distorcida. A economia da Colônia era dotada de “certo dinamismo”. “Instalou-se a produção mercantil do açúcar e do tabaco, no Nordeste; criou-se a estrutura do tráfico internacional de escravos, com centro no Rio de Janeiro e braços em Angola e em Buenos Aires; estabeleceu-se um complexo de trocas com as produções nativas, tanto em Belém como em São Paulo, além de uma pecuária no interior do Nordeste”.
O pesquisador frisa que “um indício forte desse dinamismo vem do detalhamento da capacidade de gerar fluxos de produtos e estoques de renda monetária no setor considerado menos dinâmico pelos historiadores tradicionais, o das regiões cujo maior negócio eram as trocas com as produções indígenas”.
O ensaio menciona o capitão Guilherme Pompeu de Almeida e o padre Guilherme Pompeu de Almeida, pai e filho, que montaram uma rede de negócios com o sertão de São Paulo, entre 1630 e 1713. “A rede cresceu a partir de um empreendimento de processamento de ferro, a mercadoria básica para as trocas com os nativos.” O empreendedor fornecia “ferro como adiantamento de capital” e recebia “em troca mercadorias trazidas do sertão. Acumulou renda suficiente para transformar a oficina artesanal em manufatura especializada, com cinco oficinas de fundição e acabamento que ocupavam mais de uma centena de trabalhadores permanentes, entre livres e escravos”.
Com o capital acumulado, o empreendedor construiu uma rede comercial entre o Brasil e o Peru. Ele estava interessado nas moedas de prata de Potosí. “Trazendo moradores e prata pelo sertão, de um lado, e financiando trocas marítimas em Buenos Aires, de outro, o capitão que nunca saía de Santana de Parnaíba passou a acumular cada vez mais prata”, informa Jorge Caldeira.
O padre Guilherme Pompeu de Almeida levou o negócio adiante, ampliando-o. “As moedas de prata trazidas do Peru que herdou foram empregadas por ele em mais negócios com o sertão. Um deles foi financiar os primeiros grandes descobridores de ouro — e os ganhos das descobertas foram aplicados em incursões para comprar gado no Sul e escravos em Salvador, vendidos com altíssimos lucros para os mineradores. O estoque de riqueza manteve a mesma forma da moeda peruana, mas o aumento de escala da acumulação foi brutal”.
Ao contrário do que sugere parte da historiografia, a economia do Brasil Colônia era vigorosa em praticamente todas as regiões. “Pernambuco e Bahia tinham uma dinâmica acelerada de crescimento. Não se tratava apenas do plantio de cana e processamento de açúcar, mas também de uma estrutura de produção local que incluía a pecuária, energia, divisão do trabalho. A região do Recôncavo baiano sediou a produção do tabaco. Traficantes do Rio de Janeiro comandavam os negócios com a África, do qual resultavam tanto o trabalhador vendido como mercadoria como a riqueza na forma de prata. Tal prata leva diretamente para as referências ao estoque, a riqueza acumulada que funcionava como capital.”
A Bahia, conta Jorge Caldeira, “chegou a ter uma Santa Casa que funcionava como banco, capaz de fornecer crédito para os grandes negócios locais”. Pernambuco e Rio de Janeiro são apontados como espaços intermediários, “onde se acumularam capital e crédito suficientes para bancar tanto a expansão produtiva quanto os arriscados negócios oceânicos e internacionais do tráfico de escravos”.
O que o quadro mencionado pelo pesquisador indica é que havia um forte dinamismo na economia da Colônia — “tanto dos fluxos de produção quanto dos estoques de acumulação”. Portanto, no lugar de estagnação e de mercado interno limitado, o que se deve dizer, a partir da análise de Jorge Caldeira, é que “a economia da Colônia até 1700” deve ser vista “como um espaço com características de crescimento”. No mesmo período, segundo Thomas Piketty, havia uma “estabilidade da produção” no restante do mundo. Noutras palavras, enquanto o Brasil crescia, e de maneira extraordinária, o mundo passava por uma fase de estabilidade. O Brasil era a China e o mundo, por assim dizer, era o Brasil de hoje (ao menos o do primeiro governo de Lula da Silva).
Pintar o Brasil Colônia como “atrasado”, muito atrás de outras regiões do globo, resulta mais de ideias equivocadas, mas sedimentadas, do que um retrato do que de fato acontecia na época. O dinamismo econômico da Colônia era “maior que aquele do Ocidente na mesma época”, registra Jorge Caldeira.
Sistema de heranças
O sistema de herança do Brasil Colônia era mais moderno do que o do mundo no período. “A herança igualitária entre irmãos era a regra geral e absoluta na Colônia desde o século 16, enquanto no Reino imperava o princípio da primogenitura. A economia colonial conheceu, muito antes do restante do Ocidente (inclusive dos Estados Unidos), os benefícios da distribuição de oportunidades entre os herdeiros, um estímulo ao empreendedorismo, incentivo ao mérito e à desconcentração de rendas”, revela Jorge Caldeira.
O historiador nota a influência da cultura tupi na questão da herança igualitária. Entre os índios, com o “casamento, os filhos precisavam se mudar para fora, e os genros iam para a casa dos sogros. As mulheres eram educadas para casar com gente ‘de fora’”. Os colonos adotaram a regra tupi: “No século 17, para atrair genros havia o emprego generalizado da instituição do dote, por meio do qual os membros da geração maior adiantavam capital para as mulheres mais jovens que se casavam e se tornavam geralmente sócios dos negócios do novo casal — o que era mais uma forma de incentivar o empreendedorismo”.
Jorge Caldeira, jornalista por formação e historiador por vocação, pisa no calo dos historiadores e faz uma revisão da história brasileira, indicando, por exemplo, que a República Velha não era arcaica. O Brasil cresceu muito no período
Jorge Caldeira, jornalista por formação e historiador por vocação, pisa no calo dos historiadores e faz uma revisão da história brasileira, indicando, por exemplo, que a República Velha não era arcaica. O Brasil cresceu muito no período
Produção interna
A terra vista como mercadoria era outra característica avançada do Brasil Colônia. “Era comprada e vendida à vontade.”
Nos dois primeiros séculos quem mandava na Colônia era a Corte Portuguesa? A Corte era, de fato, “dona” do Brasil. Mas o poder político — a administração — era local. “A autoridade local era quase a totalidade daquilo que se chama ‘governo’.”
Entre 1700 e 1820, o crescimento da economia mundial começa a se acelerar, segundo Thomas Piketty. “O ritmo de crescimento da produção teria passado de 0,1% para 0,5% ao ano, enquanto o crescimento da população teria passado de 0,1% para 0,4% — o que resultaria em um crescimento anual de 0,1% da renda per capita.”
Jorge Caldeira destaca que os números brasileiros, para o período, “já têm certa consistência”. Pode-se ir além da intuição.
O Brasil tinha uma população, em 1819, de 4,39 milhões de pessoas (contando com os índios livres). “A composição da população seria a seguinte: 56,6% de colonos livres; 18,2% de índios livres (portanto um total de 74,8% de pessoas livres); 25,2% escravos. 2,26 milhões de pessoas livres não eram proprietárias de escravos — mas representavam 62% da população.”
O historiador Francisco Vidal Luna escreveu: “A visão dominante começou a ser contestada na década de 1980, com os estudos mostrando que os pequenos proprietários de escravos predominaram na economia extrativa de Minas Gerais nos períodos colonial e imperial. Não só os plantéis foram pequenos mas também a própria posse de escravos distribuiu-se mais amplamente pela sociedade do que antes se supôs”.
O economista Iraci del Nero da Costa comparou “as relações entre a minoria de proprietários de poucos escravos e a maioria dos produtores livres”. Sua conclusão: “O crescimento econômico, mesmo quanto orientado pela expansão do comércio exterior, vinha acompanhado de oportunidades das quais usufruíam também os não proprietários, de sorte que estes não eram excluídos das áreas economicamente mais dinâmicas, nem perdiam sua posição numericamente dominante. A conclusão maior é que, tanto na órbita demográfica como daquela marcada por elementos de natureza socioeconômica, não havia hiato absoluto a distinguir proprietários e não detentores de cativos”.
A partir do que diz Iraci del Nero da Costa, Jorge Caldeira sublinha que, “na virada do século 19, a economia brasileira teria uma dinâmica fundada em domínio da produção interna sobre a parte das transações metropolitanas”.
Eis os dados apresentados por Jorge Caldeira: “Entre 1796 e 1806, as exportações brasileiras corresponderam a 83,7% de todas as colônias portuguesas para a metrópole; no mesmo período, as reexportações dessas mercadorias foram responsáveis por 56,6% das receitas portuguesas no comércio exterior. Na via inversa, o Brasil consumia 78,4% dos produtos enviados por Portugal a todas as suas colônias e 59,1% dos produtos importados pelo Reino. Mas essa alta participação nos negócios metropolitanos era obtida com uma fração relativamente reduzida da produção local. Estudos recentes indicam que algo em torno de 85% da produção brasileira era consumida no mercado interno e apenas 15% era destinada à exportação”.
No último quartel do século 18, enquanto a economia de Portugal passa por uma fase recessiva, “a economia colonial brasileira manteve um ritmo forte de expansão — mesmo com o declínio” da produção de ouro. Jorge Caldeira diz que é “um indício muito forte de que a dinâmica interna” da economia do Brasil, “a produção marcada por trocas mercantis entre pequenos produtores do litoral e do sertão, era já totalmente dominante”.
O ouro substituiu a prata espanhola “como estoque de riqueza e capital que moveu a economia colonial brasileira em um ritmo elevado e permitiu que ela chegasse a um patamar relevante”.
Brasil supera EUA
A economia brasileira, avalia Jorge Caldeira, “era provavelmente maior que a” dos Estados Unidos na primeira metade do século 19. “As duas economias tinham exportações de valor semelhante (em torno de 4 milhões de libras esterlinas anuais), mas o mercado interno brasileiro ocupava uma área bem mais extensa e com atividades mais variadas que as 13 colônias originais.” Pode-se falar que a economia brasileira teve “uma expansão notável ao longo do século 18”.
Noutro período estudado por Thomas Piketty, de 1820 a 1913, com a disseminação do capitalismo, a economia do Ocidente “passa por uma transformação muito profunda”. Jorge Caldeira menciona que “o ritmo de crescimento da produção econômica passa de 0,5% para nada menos de 1,5% ao ano, enquanto o crescimento populacional vai de 0,4% para 0,6%. O crescimento da renda per capita” salta de 0,1% para 0,9% anuais.
Jorge Caldeira analisa primeiro o período que vai de 1820 a 1900. Angus Maddison, citado pelo ensaísta, revela que “a renda per capita do Brasil era de 670 dólares em 1820 — de 704 dólares no final do século. O crescimento teria sido de míseros 5% em um gigantesco período de 80 anos”. A economia local regrediu.
Mas entre 1906 e 1918, segundo estudo de Carlos Peláez e Wilson Suzigan, o Brasil volta a crescer de maneira vertiginosa. “Durante a valorização [do café] a economia brasileira experimentou pela primeira vez uma taxa de crescimento real per capita superior à dos Estados Unidos. A taxa foi provavelmente maior que 2% ao ano. A economia cresceu rapidamente”, sustentam Carlos Peláez e Wilson Suzigan.
A recuperação da economia brasileira, que voltou a crescer, sugere uma coisa pouco realçada por alguns historiadores. Fatores internos foram “responsáveis pela transformação radical”, assinala Jorge Caldeira. O pesquisador indica que a mudança da monarquia para a República, um elemento político-institucional, foi fundamental para produzir o crescimento da economia.
O Império, com suas restrições à iniciativa privada, travou parte da expansão econômica. Na República, com o ministro da Fazenda, Rui Barbosa, iniciou-se uma liberalização da economia. A constituição de empresas não dependia mais do governo, e sim da vontade dos empreendedores. Era uma revolução e o Brasil integrava-se à economia internacional. O Estado finalmente liberava o mercado, o que levou ao crescimento econômico.
Dois decretos de Rui Barbosa modificaram os direitos de propriedade. “Um deles buscava tornar plenamente alienável a terra — eliminando as dificuldades dos credores de tomar propriedades. O segundo dispunha sobre a transformação de outros bens em garantias para empréstimos, o que permitia um imenso impulso para o sistema de crédito. Ele permitia que bancos de desconto se estabelecessem sem autorização do governo.” A Igreja finalmente separou-se do Estado.
Por meio de uma reforma tributária, o governo começou a transferir impostos para os Estados. Os governadores das províncias passaram a ser eleitos. Em 1906, os governadores uniram-se com o objetivo de regular o mercado internacional de café e “firmar uma taxa de câmbio favorável”. Jorge Caldeira conclui que mudanças institucionais, destravando as relações do governo com o mercado, foram responsáveis pelo crescimento econômico acelerado. “Já a partir de 1906, ocorreu uma violenta aceleração do crescimento: já a partir de 1906 as taxas brasileiras haviam superado as do crescimento da economia dos Estados Unidos — e mantinham um ritmo muito superior à média mundial do período.”
Tratar a República Velha como um período de atraso — a nossa Idade Média — é um equívoco que não resiste ao exame dos dados, afiança Jorge Caldeira. O julgamento de alguns historiadores é que ficou “velho”, não a primeira República.
Superando a China
Thomas Piketty e seu livro “O Capital no Século XXI” (abaixo): o  economista e pesquisador não pôde incluir o Brasil no seu best seller  mundial porque não o governo brasileiro não fornece dados fiscais
Thomas Piketty e seu livro “O Capital no Século XXI” (abaixo): oeconomista e pesquisador não pôde incluir o Brasil no seu best seller mundial porque não o governo brasileiro não fornece dados fiscais
Thomas Piketty mostra que, no período de 1913 a 2012, o crescimento da economia mundial passou de 1,6% para 3% ao ano. De acordo com Jorge Caldeira, entre 1913 e os anos 70, “a economia brasileira tem, provavelmente, um dos melhores desempenhos em termos de crescimento econômico per capita em todo o planeta — às vezes superado apenas pelo do Japão”.
Por que o Brasil cresceu tanto no período? Jorge Caldeira sugere que as causas são institucionais: “a manutenção do crescimento com abertura econômica ao longo dos anos 1920; a rápida adequação à crise de 1929, com uma intervenção governamental capaz de minorar as perdas em relação ao restante do mundo; políticas consistentes de industrialização no pós-Segunda Guerra Mundial. (…) Em 1973, o PIB brasileiro era maior, em números absolutos, que o da China”.
A partir da década de 1970, o Brasil cresce menos. Jorge Caldeira aponta como causas “mudanças institucionais às quais o Brasil não se adaptou — fim do padrão-ouro, condições legais favorecedoras dos fluxos de capital de empresas e investimentos entre países, construção de unidades supranacionais (Comunidade Europeia e Zona do Euro), fim da Guerra Fria”.
O historiador elenca também mudanças produtivas: “separação de plantas industriais e sedes corporativas entre diversos países, telecomunicações que permitem lançamentos financeiros em tempo real, internet, robotização, produção just in time”.
Baseado em Thomas Piketty, que admira com certo fervor, Jorge Caldeira expõe que os Estados nacionais, como o Brasil, estão perdendo força. “O peso dos Estados nacionais vai se tornando menor com o progresso da acumulação privada em escala mundial.”
Um dos objetivos de Jorge Caldeira é, a partir de suas intuições, arranjar um “lugar” para o Brasil no livro — quem sabe, num capítulo futuro — de Thomas Piketty. Notando a especificidade da economia patropi, observa que há bons e maus momentos, e em ritmos diferentes da economia internacional. Uma de suas contribuições é explicitar que a especificidade decorre de questões internas e institucionais, não externas. A política, por vezes, incentiva ou provoca o declínio da economia. “As causas para o pífio desempenho brasileiro do período pós-1970 talvez devessem ser procuradas nas decisões nacionais.”
42269836As escolhas dos gestores brasileiros não estavam de acordo com a “mudança de sinais na direção da acumulação global e privada” — na década de 1970. “A primeira reação nacional ao processo caminhou na direção inversa do movimento geral de abertura de capitais globais e de fortalecimento da participação privada na acumulação de riqueza: a partir de 1974 [no governo do general Ernesto Geisel], o Brasil deu início a um ciclo de investimentos feitos na suposição de que o mercado nacional deveria ser o motor quase único de seu desenvolvimento — e que o Estado nacional seria o grande controlador do processo de acumulação. O resultado não foi exatamente melhorar a posição do país na economia mundial, como se viu a partir do início da década de 1980”, disserta Jorge Caldeira.
Nos anos 1990, nos governos de Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, o Estado decidiu por “uma inserção tardia na mudança” global. Porém, na década seguinte, com o PT no poder, a partir de 2003, houve uma reversão — “com mais uma rodada de investimentos cujo norte seria novamente um crescimento fundado no mercado nacional e na acumulação controlada pelo governo via favores”.
No final do ensaio, Jorge Caldeira apresenta mais uma intuição: “o surgimento de estatísticas [o governo brasileiro se recusa a apresentar dados fiscais] que permitam argumentar da forma global de Piketty para o período pós-anos 1970 pode vir a mostrar uma correlação entre fraqueza da acumulação no setor privado (o único capaz de, na globalização, reter riqueza como estoque) e o baixo crescimento da produção brasileira”.
Buscar um lugar para o Brasil, no mundo e nas análises de grande fôlego — como a de Thomas Piketty —, depende da divulgação de dados fiscais confiáveis. Depende do governo brasileiro. O ensaio de Jorge Caldeira dá uma chacoalhada em certos historiadores (noutro ensaio, Caio Prado Junior fica muito mal) e demais pesquisadores, que, no lugar de pesquisar dados novos e examinar dados velhos com lentes novas, preferem, no geral, repetir teses antiquadas e não permitem uma compreensão mais ampla do país.