domingo, 5 de fevereiro de 2017

Fatos Alternativos, O Globo

Fato alternativo. Como definiu a assessora de Donald Trump, Kellyanne Conway, é uma afirmação que contraria evidências, não se pode provar e continua sendo repetida oficialmente, como a oferecida por seu colega Sean Spicer, porta-voz da Casa Branca, sobre a cerimônia de posse de Trump. Ou a justificativa do presidente para a derrota no voto popular, a preferência de “milhões de imigrantes ilegais” por Hillary Clinton, embora eles não possam votar e nenhum indício de que o fizeram tenha sido apresentado às autoridades, que tampouco encontraram irregularidades.
A verdade. Trump perdeu as eleições no voto popular, chegou à Casa Branca com a menor aprovação da História moderna, não atraiu o maior público das cerimônias de posse como disse seu porta-voz — e, é claro, nada disso importa agora. Trump é o presidente dos EUA. E entrar num embate público motivado por seu ego ferido só demonstra despreparo para o posto. Trump age como o apresentador de reality show; não quer ser um bom presidente, mas ter audiência. Mente aos eleitores para assegurar popularidade, e tenta desmoralizar a imprensa, porque a verdade não lhe é favorável.
O problema de agir como um apresentador de reality show movido pela audiência é que no mundo real suas canetadas afetam a vida de bilhões de pessoas.
Fato alternativo. O muro na fronteira com México e outras medidas agressivas anti-imigração protegeriam os americanos de “criminosos e traficantes e gangues”, disse Trump diante de pessoas que perderam familiares em crimes envolvendo ilegais, pessoas convidadas pelo presidente para servir de plateia à assinatura do decreto, e submetidas ao constrangimento de relatar sua dor publicamente, como nos piores programas de auditório.
A verdade. A fronteira dos EUA com o México já é uma das mais patrulhadas do mundo entre dois países em paz. A entrada de mexicanos ilegais nos EUA está em queda desde 2009, enquanto aumentou o número de asiáticos, centro-americanos e africanos, segundo o Pew Research Center. A experiência sugere, no entanto, que o controle maior pode ter efeito contrário: até os anos 1990, mexicanos iam e voltavam no ritmo da demanda por trabalhadores braçais. Com maior controle, passaram a fazer a travessia (mais cara e arriscada) uma só vez, com a família e para se estabelecer. Porque são ilegais, trabalham majoritariamente em funções que os americanos desprezam, na lavoura e construção civil, como temporários. Não tomam, portanto, empregos formais. Nenhum dos muitos estudos ao longo de décadas de imigração para os EUA, comprovou a relação de Trump entre imigração e criminalidade.
Fato alternativo. Bloquear a entrada de refugiados sírios e suspender a imigração de Irã, Iraque, Líbia, Somália, Sudão, Síria e Iêmen, países muçulmanos, é medida de segurança nacional.







'Ou acordo vira lei ou acabamos com ele', diz ministro do Trabalho, OESP

BRASÍLIA - O ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, rebate as críticas de que dar força de lei a contratos coletivos de trabalho negociados entre patrões e trabalhadores, principal ponto da minirreforma proposta pelo governo Michel Temer ao Congresso, atende a um antigo pleito do empresariado. “Então, vamos terminar com acordo coletivo. Ou tem força de lei para ser respeitado ou não tem”. 
Nogueira, que decora o gabinete na Esplanada com foto do ex-presidente Getúlio Vargas, aposta no impacto da aprovação da minirreforma neste primeiro semestre para a recuperar o mercado de trabalho. 
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Como o governo vai trabalhar para reverter o quadro de desemprego?
Na verdade, a taxa não está aumentando. De dezembro de 2014 a dezembro de 2015, mais de 1,5 milhão de postos de trabalho foram fechados. De 2015 a 2016, foram 200 mil a menos. A comparação mostra que os números vêm reduzindo gradativamente. O governo já tomou as medidas necessárias. A PEC dos gastos, estabelecendo controle nos gastos públicos. O corte para dentro, com redução entre 25% e 30% dos cargos em comissão. A proposta de reforma da Previdência, buscando um caráter de sustentabilidade. E a modernização da legislação trabalhista, que não se sobrepõe à lei. Não é o acordado sobre o legislado, porque se o acordado prevalecesse, não precisaria existir a lei. A convenção coletiva poderá dar força de lei para o trabalhador escolher a forma mais vantajosa para usufruir de seus direitos. Por exemplo: a convenção coletiva não poderá aumentar a jornada de trabalho de 44 horas semanais, ou 220 mensais.
Hoje é permitido jornada de 12 por 36 horas para algumas categorias. Outras podem adotar a jornada flexível?
Sim, desde que seja uma decisão da convenção coletiva e se respeite o período de intervalo do descanso. Hoje, não tem impedimento. O pessoal da saúde e os vigilantes entendem que essa é uma regra vantajosa. Qual o problema? É que não tem segurança jurídica, até mesmo para essas categorias. Nossa proposta tem como eixo a segurança jurídica para que esses itens, se decididos na convenção coletiva, tenham força de lei.
Críticos dizem que isso privilegia as empresas devido à dificuldade dos trabalhadores negociarem acordos.
Então vamos terminar com acordo coletivo. Ou tem força de lei para ser respeitado ou não tem. O sindicato representa o interesse coletivo do trabalhador. A convenção coletiva terá força de lei para deliberar sobre a forma como a jornada de trabalho – desde que respeitadas as 44 horas semanais ou 220 horas mensais – poderá ser executada, observando os dispositivos da CLT: intervalo de descanso, limite de 12 horas, como já está previsto na CLT. Não dá pra noticiar que o governo pretende elevar o limite da jornada para 12 horas. É injusto. Isso já está na CLT. A regra geral é de que horas extras só são pactuadas dentro daquilo que exceder as 44 horas semanais. 
O que muda, então?
Há, sim, uma mudança. Porque (hoje) a CLT prevê 12 horas numa situação excepcional. Quando se pega os dados da CLT e do TST se corrobora a visão de que, dentro do limite de 12 horas, pode-se pactuar as 44 horas semanais. Pode-se flexibilizar isso aí. Ou damos segurança jurídica às convenções coletivas ou terminamos com elas. Não dá para continuar com o sindicato acertando o acordo e depois, lá na frente, um trabalhador entra na Justiça e o juiz diz que torna nulo o acordo coletivo para pagar a hora extra. A Justiça tem de ser plana, não pode ser complacente com um lado e nem rigorosa com o outro, senão não mudamos o País. A responsabilidade tem de ser mútua: de quem contrata e de quem é contratado. Qual o padrão sem convenção? Oito horas diárias e 44 semanais. Com convenção coletiva o trabalhador poderá definir a forma de executar as 44 horas semanais.
O sr. acredita que litígios trabalhistas serão reduzidos, com os acordos tendo força de lei?
Sim, porque vai trazer segurança jurídica. Grande parte dos litígios hoje se dá em razão de acordos coletivos que, depois, são tornados nulos. O governo Temer tem a característica de ser aberto ao diálogo. O governo não tem proposta de buscar adesão, busca a participação da sociedade para aprimorar a proposta inicial. A convenção coletiva irá deliberar sobre o banco de horas, para que a compensação seja equivalente ao pagamento da hora extra, 1 por 1,5 (para cada hora trabalhada a mais, o equivalente a uma hora e meia no banco de horas). Estamos aprimorando a representação dos trabalhadores nos assentos na convenção de trabalho. A convenção coletiva poderá deliberar também sobre a participação nos lucros, pró-trabalhador.
Por que o governo tirou a urgência do projeto de reforma trabalhista?
Nem chamo de reforma, prefiro modernização. Atualizar com a realidade do mundo. O projeto entra agora, já foi mandada a mensagem. Constituímos um grupo técnico, com dois representantes de cada central para acompanhar a reforma no ministério. Acredito que será votado ainda no primeiro semestre. O Brasil não pode esperar mais. Vamos empreender todos os esforços. Mas quem define a agenda do Legislativo é o Legislativo.
Há algum ponto inegociável na proposta?
Essa proposta é do trabalhador, construída junto com o governo. A deliberação não se toma de forma unilateral. Tanto trabalhador quanto empregador e governo têm consenso num ponto: o Brasil tem 12 milhões de pessoas que não têm endereço para trabalhar. É necessário unir empregador e trabalhador. Tem que ter disposição para o diálogo, o Brasil não pode esperar mais.
Especialistas afirmam que a taxa de desemprego vai piorar um pouco, antes de começar a melhorar...
Quem está apostando que o Brasil não vai dar certo vai errar. O Brasil tem potencial. Temos 60 milhões de pessoas que não têm uma atividade econômica e esse número não surgiu nos últimos seis meses e nem esse número de 12 milhões de desempregados surgiu nos últimos seis meses.
Quando o senhor acredita que vai começar a redução das taxas de desemprego? 
Gostaria de te dar uma data, como eu desejo isso. Mas a geração de empregos depende de um conjunto do resultado da economia, não depende só do Ministério. Tenho muito respeito pelos analistas. Às vezes, acertam, às vezes, erram. Quero apostar que dessa vez vão errar.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

A atriz obrigada a defender o parto da neta em hospital público mostrou que o Brasil está doente. Por Donato



Postado em 01 Feb 2017
por : 
Antonia Fontenelle
Antonia Fontenelle

O Brasil está doente. A chaga talvez não esteja classificada na literatura médica, mas existe, é perniciosa e seus portadores não querem ser tratados pelo SUS. É coisa de pobre.
A atriz Antonia Fontenelle, cuja carreira já trilhou novelas de TV, acompanhou e postou nas redes sociais o nascimento de sua neta.
Famosa, Antonia tem muitos seguidores. O que a surpreendeu foi a repercussão negativa de boa parte deles a respeito de um detalhe do parto: ele ocorreu em um hospital da rede pública, o Miguel Couto, no Rio de Janeiro.
De tão descabidos, e em quantidade espantosa, Antonia Fontenelle viu-se compelida a se explicar.
“Quando soube que a Tabil (namorada de seu filho) estava grávida, ela estava com três meses de gestação. Fiz um bom plano de saúde para ela, mas para parto existe uma carência de um ano. Para os exames não tem. Eu já sabia disso, mas não ia deixar ela tratar a gravidez toda na rede pública porque soube de situações passadas em que ela passou mal, precisou fazer exames e não conseguiu. Meu obstetra a acompanhou do começo ao fim. Só que um parto custa em torno de R$ 40 mil na rede particular e não tenho, hoje, condições de pagar isso”, disse.
Ao que tudo indica, foi a condição financeira que fez com que sua neta nascesse de parto natural num hospital público. Para Antonia, também parece ter sido uma experiência nova.
E não de todo ruim, pelo contrário. Mas parece ter sido isso um acinte para seus seguidores que possuem a cultura já mais que inculcada em suas cabeças de que tudo que é público é péssimo e é exclusivo para pobres.
“Miguel Couto???”, perguntou um deles, assim, abismado.
Também não faltaram os que fizessem conexões rasteiras: “Olha a crise, até a neta da Fontenelle nascendo em hospital público”, disse outra.
Que doença é essa que estabelece que serviços públicos são para pobres e os demais devem utilizar os fornecedores da rede privada?
Quem conseguiu inocular esse vírus que faz com que contribuintes fiquem constrangidos de usar o serviço que foi pago na forma de impostos e que todos têm direito? E como foi feito para que se acredite piamente que tudo que é público é péssimo?
A atriz fez questão de relatar seu contato com o que chamou de ‘mundo paralelo’:
“Se estivesse em outro momento da minha vida iria proporcionar a Tabil um parto como o meu, mas não pude. Mesmo assim, foi tudo digno. E pensando nessa experiência, em que pude estar lá conversando com ela, vendo as mães chegando muito nervosas e depois as acalmando, vejo que foi um dia muito especial e de muita reflexão. Porque a verdade é que a gente vive em um mundo paralelo”, afirmou Antonia.
Claro, ela observou aspectos negativos, mas o ‘caos’ que ela (e muitos de seus seguidores imaginam) não existia.
“Vi que o Miguel Couto tem uma boa direção, mas precisa de mais aparato (…) Ontem a obstetra que nos atendeu, eu contei, fez uns dez partos, isso só no horário que eu estava lá.” Pelo visto, ninguém morreu. “O que vejo nas redes sociais é gente dizendo que sou rica e fui tirar o lugar de uma pessoa pobre. Eu pago impostos, a Tabil também, assim como meu filho. O serviço público é para a população. Daí as pessoas vêm me criticar? Eu estava lá, do começo ao fim, acompanhando, dando apoio e amor. Se alguma coisa desse errado ou ela fosse mal-atendida, o Brasil inteiro ia saber disso. Não vejo nada de errado em usar o serviço público”, afirmou Antonia.
O National Health Service é o sistema público de saúde inglês. Emprega 1,3 milhão de pessoas, atende a 1 milhão de pacientes a cada 36 horas e é considerado a maior estrutura de saúde pública do mundo.
De tão querido pela população satisfeita com o atendimento, foi homenageado na festa de abertura dos Jogos Olímpicos de Londres.
Já por aqui, como bem diagnosticou Antonia Fontenelle, criaram-se mundos paralelos, de ricos e de pobres. Essa doença se chama classismo, apartheid, segregação. Tem em genéricos e de marcas também. É vendida não em anúncios, mas em reportagens de TV.