domingo, 12 de abril de 2015

Editorial: Passo à frente, FSP (terceirização)


10/04/2015  02h00
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Contrariando o PT, parte do governo federal e algumas centrais sindicais, a Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira (8) o projeto de lei 4.330, que regulamenta a contratação de mão de obra terceirizada. Trata-se de importante passo no sentido de modernizar o mercado de trabalho no Brasil.
Em tramitação há 11 anos, o texto –que ainda pode ser alterado por emendas na própria Câmara antes de ser encaminhado ao Senado– vem preencher lacuna normativa cada vez mais relevante: o país não dispõe de um marco jurídico para esse tipo de relação laboral.
Na ausência de regras claras, a Justiça estabeleceu que contratações dessa natureza poderiam se dar só nas chamadas atividades-meio, não diretamente vinculadas ao núcleo produtivo da firma. Por tal entendimento, as atividades-fim não são passíveis de terceirização.
A uma companhia de autopeças ou a um banco, por exemplo, é dado terceirizar serviços de limpeza e segurança, mas não, respectivamente, as funções de torneiro mecânico e caixa.
Essa limitação, que o projeto extingue, gera insegurança jurídica: nem sempre é óbvia a distinção entre as atividades. Do ponto de vista dos funcionários, a terceirização desregrada traz riscos de precarização das relações trabalhistas.
A evolução tecnológica reforçou a tendência à especialização. Hoje, as empresas se concentram em tarefas cada vez mais específicas para ganhar produtividade, diluindo a ideia de atividade-fim.
O recurso a serviços especializados de terceiros abrange fatias crescentes do produto final e de atividades associadas, como pesquisa, desenho industrial, publicidade e vendas.
Não faz sentido restringir artificialmente os contratos laborais, que devem ser livremente pactuados entre as partes. Cabe à lei fixar princípios gerais de modo a preservar os direitos dos trabalhadores e assegurar o cumprimento das obrigações tributárias e previdenciárias por parte das empresas.
Entre outras garantias, o projeto aprovado na Câmara determina que a firma contratada seja especializada, no intuito de evitar a proliferação de meros intermediários. A contratante, por sua vez, deverá fiscalizar o cumprimento dos direitos trabalhistas, sendo corresponsável por eles.
Além disso, os terceirizados que exercem atividades-fim serão representados pelos sindicatos dessas categorias, e não pelos sindicatos de funcionários terceirizados.
Fica difícil enxergar, como quer a CUT, onde está a precarização. Mais que isso: ao modernizar e dinamizar o mercado de trabalho, o projeto votado pelos deputados contribuirá para aumentar a produtividade e, assim, expandir a criação de empregos. 


O Qualis e o silêncio dos pesquisadores brasileiros



POR MAURÍCIO TUFFANI
01/04/15  13:27
6,8 mil12931

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Enquanto aqui no Brasil a comunidade científica praticamente ignora a presença de mais de 200 revistas acadêmicas de reputação suspeita que foram aceitas no Qualis Periódicos, fora do país já começaram discussões sobre essa base de dados que serve para orientar pesquisadores, professores e pós-graduandos brasileiros a escolher publicações científicas para seus trabalhos.
Tudo começou na semana passada, quando o biblioteconomista Jeffrey Beall, professor da Universidade do Colorado em Denver, nos Estados Unidos, enviou para uma lista de discussão os links de alguns de meus recents posts sobre a aceitação dessas publicações pela agência federal Capes (Coordenadoria de Aperfeiçoamento de  Pessoal de Nível Superior).
A postagem de Beall gerou discussões e também sugestões de especialistas no tema da comunicação científica por meio do acesso livre na internet. Apresentarei essas sugestões assim que elas tiverem sido apreciadas pela Capes.
O Qualis abrange cerca de 30 mil títulos, segundo a Capes. Sua classificação nos níveis A1, A2, B1, B2, B3, B4, B5 e C é usada também em processos seletivos para contratações e promoções e em avaliações individuais e institucionais para concessões de bolsas e auxílios.
Acesso livre
Os periódicos predatórios são revistas acadêmicas editadas por empresas que exploram sem rigor científico uma importante iniciativa de comunicação científica que surgiu com a internet. Trata-se do Open Access (acesso aberto), o modelo editorial de publicação de artigos em acesso livre, baseado na cobrança de taxas de autores ou no custeio por parte de instituições científicas.
Tanto no Open Access como no modelo tradicional mantido por assinaturas anuais ou pela cobrança por artigo baixado pela internet, os periódicos bem conceituados demoram meses e até mais de um ano para analisar e aceitar artigos, ou rejeitá-los.
Lixo acadêmico
Os publishers predatórios não só reduzem a poucas semanas o intervalo entre a apresentação e a aceitação de artigos, mas também são menos seletivos e rigorosos nesse processo.
É importante ressaltar que bons estudos também têm sido publicados em periódicos predatórios. Mas isso só agrava o problema, pois significa que salários de pesquisadores, seu tempo de trabalho e recursos para pesquisas acabaram se transformando em artigos largados em publicações desprestigiadas e até mesmo consideradas “lixo acadêmico” pela comunidade científica internacional. No caso do Brasil, quase todo o dinheiro envolvido nessa atividade vem de cofres públicos.
Avisos
Nas entrevistas que realizei, cientistas de alto prestígio nacional e internacional afirmaram que a inclusão dos chamados periódicos predatórios no Qualis era uma falha grave por parte da Capes. Mas quase todos eles pediram para não serem identificados.
No início dessa apuração, o que me deixou intrigado foi o fato de que eu havia selecionado pesquisadores não só com bons currículos, mas também que já haviam assumido posicionamentos autênticos, críticos e firmes sobre questões em torno da ciência no Brasil.
O total de periódicos que listei em meu post “Pós-graduação brasileira aceita 201 revistas “predatórias’” (9.mar) corresponde a 0,67% do total de 30 mil títulos. Isso não seria motivo para tanta preocupação. [Atenção: a informação foi atualizada com o post “Sobe para 235 a lista de predatórios da pós-graduação brasileira” (3.abr)]
Maquiagem
O tamanho da encrenca, porém, começou a ficar claro logo depois. Apesar de esse percentual de predatórios no Qualis ser pequeno, ele mostra uma vulnerabilidade indesejável dessa base de dados. Além disso, esse problema começou a mostrar a conexão com outras aberrações, como a realização de“eventos caça-níqueis”, em condições até anedóticas e constrangedoras.
Outra distorção que constatei foi a “maquiagem serial” de trabalhos apresentados em conferências, como se eles fossem artigos aprovados por peer review de periódico. E isso aconteceu em um evento na Unicamp, uma das melhores universidades brasileiras, a única com a USP no ranking das melhores do mundo do Times Higher Education.
Disparidades
Para complicar, minha apuração dos periódicos predatórios do Qualis revelou uma outra esquisitice que atinge dessa base de dados que pode prejudicar publicações de boa reputação: uma mesma revista pode ser classificada em diversos níveis de qualidade. Essa variação não seria problemática se ela se restringisse a níveis de qualidade próximos e envolvesse áreas de especialidades muito distintas.
Acontece que há oscilações que vão desde o pior e mais baixo nível de classificação —aplicável somente a publicações com deficiências extremas— aos mais elevados, relativos a padrões de excelência. E, o que é pior, entre áreas muito próximas  (“A avaliação ‘quântica’ de revistas científicas no Brasil”, 16.mar)
Estagnação
Como vimos acima, a vulnerabilidade e a inconsistência dessa base de dados indicam que o problema é maior que a presença dos predatórios. Após a criação do Qualis em 1998, houve o crescimento da publicação de trabalhos acadêmicos brasileiros, que na prestigiada base de dados Web of Sciencequase quadruplicou de 2000 a 2013.
No entanto, os indicadores de qualidade dessas publicações mostraramestagnação nesse mesmo período. Pior: esses índices cresceram em poucas instituições de pesquisa de grande produção quantitativa. Isso matematicamente significa que o conjunto do restante da  produção nacional não estagnou, mas caiu em qualidade.
Iceberg
Nesse mesmo período, currículos têm sido recheados com base nesse crescimento quantitativo sem correspondência na qualidade. Isso influenciou não só contratações e promoções, inclusive salariais —tudo por meio de concursos públicos—, mas também avaliações de produtividade individuais e institucionais, concessões de bolsas e auxílios.
O silêncio quase absoluto dos pesquisadores brasileiros em relação aos predatórios não se deve apenas à cumplicidade ou ao risco de constrangimentos com os que fazem uso  desse tipo de publicação. O problema maior são os buracos que eles revelam no Qualis.
Esses buracos expõem uma parte importante de todo um sistema de avaliação de desempenho. E, com base nesse sistema, nestes últimos anos não só foram construídas carreiras e reputações acadêmicas, mas também foram feitos investimentos e estabelecidas prioridades institucionais.
Limpeza
Remover do Qualis os periódicos predatórios poderia certamente resultar em muitas reclamações e protestos. Isso levaria a Capes e outras instituições a deixarem de contabilizar os artigos publicados nessas revistas.
Mas acredito que de uma forma ou de outra é o que acabará acontecendo. E será muito mais rápido se a defesa da manutenção desses títulos depender dos próprios publishers. (Muitas vezes tenho dificuldades para usar os próprios argumentos deles como defesa, como “outro lado”.)
Acredito que a eliminação dos predatórios acontecerá apesar desse silêncio da quase totalidade dos pesquisadores brasileiros.  Muitos dos coordenadores e coordenadores adjuntos dos 48 comitês assessores da Capes são pesquisadores respeitados em termos de excelência acadêmica e reputação por seriedade. Conheço pessoalmente alguns que certamente não compactuarão com essa avacalhação.
Mas não acredito em uma reformulação que leve nosso sistema nacional de pós-graduação a combater a tolerância com revistas de baixa qualidade. É grande demais o contingente que nos últimos anos se formou, cresceu e adquiriu direitos, inclusive trabalhistas, fazendo uso de publicações fracas e desprestigiadas. E tudo isso aconteceu dentro de nossa tradição brasileira de apostar no crescimento da quantidade com a promessa de um posterior aumento da qualidade que nunca acontece.
Vespeiro
Com essas e outras, dá para entender muito bem o motivo pelo qual alguns célebres pesquisadores não estavam dispostos a dar entrevistas e arrumar mais um confronto na vida. O problema deles era “mexer com um vespeiro”. O célebre “Epitáfio para M.”, de Berthold Brecht (1898-1956), que em tradução livre transcrevo a seguir, ilustra bem o que poderia ser esse embate.
Dos tubarões eu escapei
Os tigres eu matei
Fui devorado
Pelos percevejos.*
Entendo eles. Eu mesmo muitas vezes tenho dito que o mais desgastante não é enfrentar leões, mas os bandos de hienas. Felizmente alguns pesquisadores brasileiros já estão passando da preocupação para a indignação.
* Den Haien entrann ich
   Die Tiger erlegte ich
   Aufgefressen wurde ich
   Von den Wanzen.

O PT hoje: uma triste nulidade política nas palavras de Fábio Konder Komparato


10/04/2015
FABIO KONDER COMPARATO é um dos mais eminente juristas brasileiros e pensador da realidade social, especialmente na perspectiva ético-política e na crítcia à Civilização Capitalista. O artigo que publicamos, aparecido em CARTA CAPITAL no dia 10/4/2015 quer trazer aos leitores elementos para um juizo crítico e bem fundado da atual crise brasileira e o papel do Partido dos Trabalhadores nela. O artigo diz as verdades com o termos justos e moderados mas sempre buscando o verdadeiro e justo: Lboff
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Uma triste nulidade
É impossível decifrar os objetivos atuais do Partido dos Trabalhadores
Hipócrates, o Pai da Medicina, denominou krisis o momento preciso em que o olhar experiente do médico observa uma mudança súbita no estado do paciente, o instante em que se declaram nitidamente os sintomas da moléstia, ensejando o diagnóstico e o prognóstico.
Seremos capazes de fazer um juízo hipocrático da recente piora apresentada no estado mórbido, no qual se encontra, há muito tempo, a vida política brasileira? Creio que o diagnóstico deve ser feito em razão da realidade substancial de nossa sociedade, caracterizada pela estrutura de poder e pela mentalidade coletiva predominante.
No Brasil, desde os tempos coloniais, o poder supremo sempre pertenceu a dois grupos intimamente associados: os potentados privados e os grandes agentes estatais. Cada um deles exerce um poder ao mesmo tempo, em seu próprio benefício e complementar ao do outro. Os agentes do Estado dispõem da competência oficial de mando. Os potentados privados, da dominação econômica, agora acrescida do poder ideológico, com base no controle dos principais veículos de comunicação de massa.
Trata-se da essência do regime capitalista, pois, como bem advertiu o grande historiador francês Fernand Braudel, “o capitalismo só triunfa quando se alia ao Estado; quando é o Estado”.
Quanto à mentalidade coletiva predominante, isso é, o conjunto das convicções e preferências valorativas que influenciam decisivamente o comportamento social, ela foi entre nós moldada por quase quatro séculos de escravidão legal.
Essa herança maldita acarretou, em ambos os grupos soberanos acima nomeados, um status de completa irresponsabilidade política, pois desde sempre eles se acharam, tais como os senhores de escravos, superiores à lei e isentos de todo controle. De onde o fato de a corrupção, nas altas esferas do poder público e no setor paraestatal, ter sido até agora tacitamente aceita como costume consolidado e irreformável.
Quanto às classes pobres, o longo passado escravocrata nelas inculcou uma atitude de permanente submissão. O pobre não quer exercer poder algum, prefere, antes, ser bem tratado pelos poderosos. Na verdade, o conjunto dos pobres jamais teve consciência dos seus direitos, por eles confundidos com favores recebidos dos que mandam.
No tocante à classe média, seus integrantes procuram em regra atuar como clientes dos grandes empresários, proclamando-se, a todo o tempo, defensores da lei e da ordem. Eles sempre desprezaram a classe pobre, ou temeram sua ascensão na escala social.
Para completar esse triste quadro, e seguindo a velha prática do mundo capitalista, nossos grupos dominantes aqui forjaram, desde o início, uma duplicidade de ordenamentos jurídicos: o oficial e o real. No Brasil colônia, as ordenações do rei de Portugal mereciam respeito, mas não obediência. O direito efetivo era o que os administradores oriundos da metrópole combinavam com os senhores de engenho e grandes fazendeiros. A partir da Independência, as Constituições aqui promulgadas seguiram o modelo dos países culturalmente adiantados, para melhor dissimular a primitiva realidade oligárquica, vigorante na prática.
A Constituição de 1988 não faz exceção à regra. Ela declara solenemente, logo em seu primeiro artigo, que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente”. Na prática, os ditos representantes do povo são eleitos, em sua quase totalidade, mediante financiamento empresarial. E o Congresso Nacional dispõe de competência exclusiva para “autorizar referendo e convocar plebiscito” (art. 49, inciso XV). Ou seja, o povo não exerce poder algum, nem direta nem indiretamente. Ele é simples figurante no teatro político.
Acontece que no centro da organização oficial do Estado brasileiro acha-se o seu chefe, isto é, o presidente da República. É de sua habilidade pessoal que depende o funcionamento, sem sobressaltos, desse sistema político de dupla face. Cabe-lhe manter, sob a aparência de respeito à Constituição e às leis, um bom relacionamento com os soberanos de fato, sem esquecer de agradar ao “povão”, dispensando-lhe módicas benesses.
Foi o que fez brilhantemente Lula durante oito anos. E é o que Dilma, por patente inabilidade, revelou-se incapaz de compreender e realizar, numa fase de prolongado desfalecimento da economia, no Brasil e no mundo. Ela entrou em choque com o Congresso Nacional, desconsiderou o Supremo Tribunal Federal (até hoje não nomeou o sucessor do Ministro Joaquim Barbosa, aposentado em 31 de julho de 2014) e acabou por se indispor com o empresariado, a baixa classe média e até a classe pobre, ao implementar a política de ajuste fiscal.
E o PT no bojo dessa crise?
Ele revelou-se uma triste nulidade política, decepcionando todos os que, como eu, se entusiasmaram com a sua fundação, em 1980. A nulidade é bem demonstrada pela leitura de seu atual estatuto, aprovado em 2013. Nele, por incrível que pareça, não há uma só palavra, ainda que de simples retórica, sobre os objetivos do partido. Todo o seu conteúdo diz respeito à organização interna, à qual, aliás, pode ser adotada por qualquer outra legenda.
Se esse diagnóstico é acertado, o que se há de fazer não é simplesmente aliviar a crise, mas atacar as causas profundas da moléstia.
Para tanto, a via cirúrgica, do tipo impeachment da presidenta ou golpe militar, não só é ineficaz como deletéria.
O que nos compete é iniciar desde logo a terapêutica adequada, consistente em quebrar a soberania oligárquica e reformar nossa mentalidade coletiva. Tudo à luz dos princípios da República (supremacia do bem comum do povo sobre os interesses particulares), da democracia autêntica (soberania do povo, fundada em crescente igualdade social), e do Estado de Direito, com o controle institucional de todos os poderes, inclusive o do povo soberano.
Bem sei que se trata de caminho longo e difícil. Não se pode esquecer que na vida política o essencial é fixar um objetivo claro para o bem da comunidade, e lutar por ele. Não é deixar as coisas como estão, para ver como ficam.
Fábio Konder Comparato é jurista e professor emérito da USP