domingo, 17 de agosto de 2014

As universidades estão fora da agenda


Em janeiro passado, o governo federal fechou a maior faculdade de medicina do país, a Gama Filho. Era uma catedral de mutretas, mas tinha 2.400 alunos que pagavam regularmente suas mensalidades e foram mandados para o inferno burocrático das transferências. Em abril, o reitor da Universidade de São Paulo, a maior e melhor do país, anunciou que em dois anos a instituição poderá esgotar suas reservas financeiras, pois em 24 meses comeu R$ 1,3 bilhão de um caixa de R$ 3,6 bilhões.
Claro, os doutores gastam 105% do orçamento de R$ 4,5 bilhões para pagar a folha de pagamento. Até 2012 o atual reitor, Marco Antonio Zago, e seu antecessor, João Grandino Rodas, ganhavam acima do teto legal de R$ 18 mil mensais. Um, R$ 24 mil. O outro, R$ 23 mil.
Esses assuntos estão fora dos palanques. Se coisa parecida estivesse acontecendo no Uzbequistão, alguém estaria reclamando. Nos dois casos, a ruína foi construída ao longo dos anos. A fiscalização do Ministério da Educação sabia que a Gama Filho acabaria explodindo. Os doutores da USP sabiam que estavam arruinando as contas da Casa. Em janeiro de 2013, ela já gastava 93% do orçamento com a folha. Em julho passado, a conta chegou a 105%.
Nas duas outras universidades do Estado, a Unicamp e a Unesp, a situação é parecida. Não se pode dizer que o governo de São Paulo lhes nega dinheiro, pois suas receitas estão fixadas na Constituição: para elas vai 9,57% da arrecadação do imposto de circulação de mercadorias que fica para o Estado. Num cálculo grosseiro, quem compra uma mercadoria de R$ 1.000 pinga uns R$ 13 na USP, Unesp e Unicamp.
Esse dispositivo sustenta a autonomia financeira das universidades, mas elas detonaram suas autonomias contábeis. Como o dinheiro é público, a cada estouro os hierarcas falam em austeridade, prometem cortes e obtêm greves. Há departamentos da USP nos quais, em 13 anos, aconteceram 12 greves. No ano passado, a reitoria esteve invadida durante 42 dias. As últimas greves parciais de USP, Unicamp e Unesp duraram mais de 70 dias. Na Unesp de Araraquara, 136 dias, sempre com a expectativa do pagamento dos dias parados. Se os recursos aumentam, a ciranda recomeça com mais expansões, contratações e gestão temerária.
No debate dessa questão superpõem-se conflituosamente diferentes visões da universidade. Admita-se que todos têm razão, ainda assim a aritmética prevalece. Briga-se por qualquer coisa. A família do banqueiro Pedro Conde deu R$ 1 milhão à Faculdade de Direito para a construção de um auditório que levaria seu nome. Envolvida em picuinhas e paixões políticas, a doação virou um litígio judicial. Bilionários brasileiros já deram mais de 100 milhões de dólares para universidades americanas, nenhum passou por esse tipo de constrangimento.
Panelinhas, inépcias e esbanjamentos fazem parte do cotidiano de todas as universidades do mundo. Elas se diferenciam na extensão dos danos que causam às instituições e na rede de cumplicidades e/ou tolerâncias em que se amparam. Uma piada preconceituosa contra mulheres disparou um processo que acabou no defenestramento do presidente de Harvard, em 2006. De lá para cá, pelo menos seis reitores foram mandados para casa.
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DILMA
A doutora Dilma pisou no freio e pediu que o projeto PLS 559 fosse retirado da pauta de votação do Senado para que o Planalto estudasse e discutisse melhor o caso.
Ele praticamente revoga a lei das licitações em vigor e cria diversas gracinhas ao gosto de todos, das empreiteiras que fazem hidrelétricas federais aos fornecedores de papel higiênico municipal. Acredita-se que ele voltará à pauta do Senado daqui a uns 30 dias. No crepúsculo dos mandatos, setembro será o grande mês da safra arrecadatória dos candidatos.
A melhor das gracinhas era uma emenda segundo a qual uma empresa ganhava a licitação para construir um aeroporto, ou seja lá o que for, e levava junto o direito de administrar o shopping e os hotéis que estivessem no projeto.
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BARBOSA NO TWITTER
Joaquim Barbosa saiu do Supremo Tribunal, mas foi para o Twitter. Tem 26 mil seguidores e já deu os primeiros tiros, prometendo continuar.
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MADAME NATASHA
Natasha concedeu sua enésima bolsa de estudo à doutora Dilma pela revelação de que "há uma assimetria de informações entre nós, mortais, e o setor de petróleo". O mundo do petróleo pode ser complicado, mas a doutora cria assimetrias de compreensão quando fala em dilmês.
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HUMOR
Há prefeitos que colocam seus retratos nas páginas de suas administrações no Facebook. Fernando Haddad inovou. No dia 29 de julho, aparecia uma fotografia de um detalhe do prédio da prefeitura. Em primeiro plano, um poste.
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ENFIM, O INÍCIO DA CAMPANHA
No próximo dia 19 começam o horário de propaganda gratuita na televisão e a campanha eleitoral a vera. Se Deus é brasileiro, os candidatos começarão a falar língua de gente. Por enquanto, falam em "reforma tributária". É uma lorota, porque só tem sentido se for detalhada.
No mais, coisa tributária é assunto relacionado com tribos indígenas. "Centro da meta", numa hipótese bem educada, é a marca do pênalti. Além disso, há excesso de cerebrações em torno das pesquisas eleitorais. Desde maio, elas dizem mais ou menos a mesma coisa. A doutora, submetida a uma saudável contradita, arrisca ser levada a um segundo turno.
Pesquisas têm seu valor, mas, divinizadas como se fossem o centro da questão, viram um blá-blá-blá dispersivo. Por exemplo: o que sua família fará no domingo? Resposta: na segunda, tínhamos 35% de vontade de ir para a praia; na sexta, ficamos com apenas 32%, dentro da margem de erro. E daí? Vale lembrar que nas velhas democracias as pesquisas são subsídios acessórios.
Grosso modo, um terço do eleitorado não vota em Dilma. Esse é o índice de rejeição do PT desde 2002. Aécio Neves e Eduardo Campos continuam fazendo campanhas destinadas a converter os crédulos. O crédulo dobra seu ódio ao PT, mas seu voto continua do mesmo tamanho.
Na televisão, Dilma entrará com o dobro do tempo dos seus dois adversários, os efeitos especiais de João Santana e, para o bem ou para o mal, 12 anos de poder.
Imaginando-se um casal –Waldemar e Mariluce– com os problemas e projetos de uma família com renda de três salários mínimos, o que é que Aécio e Campos vão botar na mesa? Quem souber, como diria Ancelmo Gois, mande cartas para a Redação. 

Alternativas da Justiça - EDITORIAL FOLHA DE SP (pauta Nalini)


FOLHA DE SP - 17/08


Presidente eleito do STF e do CNJ acerta ao apontar necessidade de desafogar o Judiciário, estimulando mecanismos extrajudiciais


Eleito para presidir o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) pelos próximos dois anos, o ministro Ricardo Lewandowski sinalizou, na última quinta-feira (14), que sua gestão à frente do Poder Judiciário terá como uma de suas marcas o estímulo aos meios alternativos de solução de conflitos.

Há, de fato, enorme descompasso entre a estrutura judiciária nacional e o número de ações a ela submetidas. São, como calculou Lewandowski, "quase 100 milhões de processos em tramitação para apenas 18 mil juízes, dos tribunais federais, estaduais, trabalhistas, eleitorais e militares".

Na opinião do ministro, a situação decorre de uma certa mentalidade vigente no universo jurídico brasileiro, segundo a qual "todos os conflitos e problemas sociais serão resolvidos mediante o ajuizamento de um processo".

O resultado é conhecido: juízes assoberbados e uma Justiça que, pela sobrecarga, demora demais a dizer quem tem razão em uma controvérsia. A lentidão custa caro não só às partes diretamente envolvidas mas também ao país, incapaz, por exemplo, de oferecer um ambiente atraente para os negócios.

Felizmente, avolumam-se os sinais de que os operadores do Direito dão conta do esgotamento dessa visão tradicional da profissão. Em artigo publicado nesta Folha, Marcos da Costa, presidente da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, defendeu maior estímulo às vias de negociação que dispensam a interferência do Judiciário.

Enquadram-se nessa categoria mecanismos como a mediação e a conciliação --em que os próprios envolvidos buscam um acordo--, além da arbitragem, em que as partes se submetem à opinião de especialistas no assunto e aceitam a decisão por eles emitida.

Todos esses instrumentos já vinham sendo estimulados por Joaquim Barbosa à frente do CNJ. É alvissareiro, por mais desavenças que o recém-aposentado ministro e Lewandowski tivessem, que prevaleça a orientação institucional desse órgão de importância crescente na organização da Justiça.

Se quiser dar uma contribuição específica nessa seara, Lewandowski poderia expandir os esforços para que também o Estado brasileiro, em todas as suas figuras jurídicas, use os meios alternativos nos processos de que é parte.

Afinal, não há como desafogar o Judiciário sem considerar o peso do maior litigante do país --o poder público está em 51% dos processos em tramitação nos tribunais.

Investigação com bom senso - FABIO MEDINA OSÓRIO (pauta Nalini)


O GLOBO - 17/08


Projeto que fortalece MP para investigar autoridades revela uma insustentável desconfiança em relação ao Judiciário, como se este fosse responsável por impunidade



Tramita no Senado projeto de lei que fortalece sobremaneira o Ministério Público para investigar autoridades e altera o alcance da atual Lei de Improbidade Administrativa (8.429/92), que completou 22 anos no início de junho. Trata-se de projeto de lei do Senado (PLS) 286, de 2012, que propõe alterações na legislação para facilitar o acesso do MP a dados sobre patrimônio e rendimento das pessoas alvejadas por esse tipo de investigação.

Conforme o texto, de autoria do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB), o acesso do MP a tais dados passaria a ser feito em tempo real, permitindo a promotores e procuradores da República fazer consultas sobre a evolução patrimonial e rendimentos dos agentes públicos investigados. O texto original exigia autorização judicial para essa providência.

A matéria foi ao crivo da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado e já obteve parecer favorável do relator, o senador Pedro Taques (PDT-MT), ex-procurador da República. Nesse contexto, Taques apresentou emenda ao texto, permitindo, na lei, que a autorização possa ser obtida por meio de acordos de cooperação e convênios a serem firmados entre o MP e órgãos da administração tributária.

Aumenta, pois, o campo da atuação entre as instituições. Taques ainda sugeriu, em sua emenda, que o acesso aos dados seja ampliado, também, para cônjuges, filhos e demais dependentes econômicos dos agentes públicos acusados de improbidade.

Segundo o último balanço do Cadastro Nacional de Improbidade, alimentado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), foram condenadas nestes 22 anos de vigência da lei quase oito mil pessoas. No total, estes números consistiram em 6.578 condenações em ações nos Tribunais de Justiça e 1.253 nos Tribunais Regionais Federais, desde o início da vigência da Lei 8.429/92.

Tais condenações incluem, além da suspensão dos direitos políticos e da perda da função pública, o pagamento de R$ 2,11 bilhões entre ressarcimento do dano causado à administração pública, perda de bens e pagamento de multa civil.

Não há estatísticas qualitativas apontando a tipologia das condenações, e muito menos análises detalhadas a respeito das causas de improcedências. Não se pode afirmar, portanto, se o quantitativo apontado neste banco de dados resulta significativo, satisfatório ou inadequado à realidade do Brasil.

Acontece que, por força da Constituição de 1988, o acesso a dados fiscais e tributários que envolvem a privacidade da pessoa humana ou jurídica só pode ocorrer através de ordem judicial. Ampliar os poderes do MP neste espectro de vida íntima e privada de pessoas físicas ou jurídicas necessita de reforma constitucional, o que poderia ser feito por emenda à Constituição.

Não me parece razoável nem ajustado ao texto constitucional outorgar ao MP, por projeto de lei, poderes de acessar diretamente dados bancários, fiscais ou tributários de pessoas investigadas. Não há razão alguma para que o Congresso abdique de seus poderes de alteração constitucional. O que resulta realmente inviável seria alterar a Constituição por meio de projeto de lei, quando se sabe que a Constituinte de 1988 previu numerosas hipóteses de quebra de sigilo por ordem judicial e garantiu direitos fundamentais à privacidade, intimidade e reserva de informações nas áreas fiscal, tributária e bancária.

Esse tipo de projeto revela uma insustentável desconfiança em relação ao Poder Judiciário, como se este fosse responsável por algum tipo de impunidade no país. Não se pode aceitar tal insinuação. Veja-se que o MP dispõe do inquérito civil, poderoso instrumento investigatório. No entanto, poucos cursos de investigação existem nos mais diversos Ministérios Públicos do Brasil, e não me consta que os editais de concursos contenham matérias relacionadas a poderes investigatórios, ou a ciência da investigação. Talvez por esse caminho se expliquem eventuais lacunas punitivas. Não cabe ao legislador mudar ambiente constitucional.