segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Cantareira é vista como insuficiente desde 2004

Outorga da Sabesp já previa dependência excessiva do sistema e cobrava novas fontes

17 de fevereiro de 2014 | 8h 58

Ricardo Brandt e Fabio Leite - O Estado de S. Paulo
A necessidade de se encontrar novas fontes hídricas e o volume limitado de água produzido pelo Sistema Cantareira, que abastece 47% da Região Metropolitana, são problemas que os governos estadual e federal conheciam desde 2004 e que foram agravados pela seca fora de época deste verão. Mas as duas principais alternativas de captação de água a curto prazo sofreram atrasos e só devem ser concluídas em 2018.
No documento de concessão da outorga dada à Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) em 2004 para explorar por dez anos a Cantareira, o artigo 16 estipulava que a empresa deveria realizar em 30 meses "estudos e projetos que viabilizem a redução de sua dependência do sistema". A renovação da outorga deve ser feita em agosto deste ano.
Quando o plano foi entregue pela Sabesp em 2006, o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE) e o Estado consideraram que ele "não atendia plenamente ao anseio expresso no artigo" e determinou que o próprio governo realizasse estudos mais abrangentes.
Iniciado em 2008 e concluído apenas em outubro do ano passado, o Plano Diretor de Recursos Hídricos para a Macrometrópole Paulista aponta que o atual sistema de abastecimento das 180 cidades (uma mancha urbana de 52 mil quilômetros quadrados) deixaria pelo menos 79, entre elas São Paulo, Campinas, Piracicaba e Santos, com falta de água se houvesse cenário equivalente ao da pior seca da história, entre 1951 e 1956. "A região não dispõe de dispositivos hidráulicos capazes de garantir o suprimento de água bruta quando da ocorrência de eventos críticos de escassez. O próprio conteúdo do artigo 16 já sugere a existência da limitação", registra o estudo.
Entre dezembro passado e janeiro deste ano, o Cantareira já registrou o mais baixo índice de chuva desde o início das medições, há 84 anos. Se a estiagem continuar nos próximos anos, 60% dos lares da capital ficariam com as torneiras secas, segundo o estudo. Em Campinas, o índice chegaria a 90%. "Estamos falando da primeira e da terceira maior economia do País, que concentra 28% do PIB nacional, que tem a água como um fator limitante", diz Rui Brasil Assis, assessor especial da Secretaria do Saneamento e Recursos Hídricos do Estado.
Segundo o plano, até 2035 a população da macrometrópole saltará dos atuais 30 milhões para 37 milhões. O consumo de água, hoje de 223 mil litros por segundo, crescerá para 283 mil. A diferença equivale a quase duas Cantareiras (que produz 36 mil litros por segundo).
Soluções. O estudo aponta que terão de ser investidos de R$ 4 bilhões a R$ 10 bilhões em novos reservatórios, captações e sistemas de transferência. O estudo aponta 20 alternativas. Foram estudadas propostas de retirada de água do Aquífero Guarani (descartada durante as análises) até a busca em regiões distantes, como no Alto Paranapanema, que custaria R$ 8,7 milhões. Foram feitas simulações combinando dez das 20 propostas. Cada combinação seria suficiente para suprir a demanda até 2035.
A principal conclusão é que, se houver investimento e vontade política, atrelados às reduções do consumo e desperdício, o colapso pode ser evitado. Hoje, cinco projetos estão em andamento e poderão aumentar em pelo menos 15 mil litros por segundo a oferta hídrica, mas as duas principais alternativas a curto prazo atrasaram e estão previstas para 2018, data-limite projetada no estudo.
A primeira é a construção das barragens de Pedreira, no Rio Jaguari, e Duas Pontes, no Rio Camanducaia, em Amparo, que servirão de reserva estratégica para estiagem em Campinas e terão vazões médias de quase 10 mil litros por segundo cada uma. O governo publicou semana passada decreto para desapropriar as áreas de até 4,6 km² e lançou edital para contratar o estudo de impacto ambiental, com prazo de 17 meses.
A segunda é a construção de uma represa no Rio Piraí, em Ibiúna, por meio de uma Parceria Público-Privada (PPP), para levar 4,7 mil litros de água por segundo por 83 km de tubulação. O sistema, batizado de São Lourenço, vai abastecer 1,5 milhão de pessoas. Ele sofreu atraso de dois anos, mas as obras começaram no fim de 2013 pelas empreiteiras Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez.
"Não há mais como pensar o saneamento e o fornecimento de água de maneira individualizada dentro da macrometrópole", afirma o secretário-chefe da Casa Civil, Edson Aparecido.

Caminho do saneamento na Região Metropolitana de São Paulo

ETA: Estação de tratamento de água
1. ETA Guarau: 1972 – Sistema Produtor Cantareira. Capacidade Nominal: 33 m3/s
2. ETA Engenheiro Rodolfo José da Costa e Silva: 1953 – Sistema Produtor Guarapiranga. Capacidade Nominal: 14 m3/s
3. ETA Taiaçupeba: 1992 – Sistema Produtor Alto Tietê. Capacidade Nominal: 10 m3/s
4. ETA Rio Grande: 1954 – Sistema Produtor Rio Grande. Capacidade Nominal: 5 m3/s
5. ETA Casa Grande: 1937 – Sistema Produtor Rio Claro. Capacidade Nominal: 4 m3/s
6. ETA Alto Cotia: 1915 – Sistema Produtor Alto Cotia. Capacidade Nominal: 1,2 m3/s
7. ETA Baixo Cotia: 1963 – Sistema Produtor Baixo Cotia. Capacidade Nominal: 0,9 m3/s
8. ETA Ribeirão da Estiva: 1967 – Sistema Produtor Ribeirão da Estiva. Capacidade Nominal: 0,1 m3/s
ETE: Estação de tratamento de esgoto
1. ETE Barueri: 1988 – Capacidade Nominal: 9,5 m3/s
2. ETE ABC: 1998 – Capacidade Nominal: 3 m3/s
3. ETE Parque Novo Mundo: 1998 – Capacidade Nominal: 2,5 m3/s
4. ETE Suzano: 1982 – Capacidade Nominal: 1,5 m3/s
5. ETE São Miguel Paulista: 1998 – Capacidade Nominal: 1,5 m3/s

Televisão versus celular


16 de fevereiro de 2014 | 2h 06

RENATO CRUZ - O Estado de S.Paulo
Não vai ser barato desligar a TV analógica. Na semana passada, a Sociedade Brasileira de Engenharia de Televisão (SET) divulgou um estudo sobre a interferência do celular de quarta geração (4G) na TV digital. A ideia do governo é vender ainda neste ano os canais analógicos de televisão para que as operadoras de telecomunicações os utilizem para a 4G.
Os testes, conduzidos pela Universidade Mackenzie, mostraram a necessidade de modificar antenas e de acrescentar filtros em transmissores de telefonia celular e em televisores. No Japão, a estimativa de custos para combater as interferências é de US$ 3 bilhões. Segundo estudo do Mackenzie, se nada for feito aqui, o início do uso da 4G em 700 MHz (faixa dos canais analógicos de TV) pode resultar em interrupção da recepção do sinal, imagens congeladas ou até tela preta.
E essa é só uma parte dos custos do apagão analógico. Ainda não foi definido como será financiada a compra de conversores digitais para quem depende do sinal analógico de TV aberta. Nos Estados Unidos, um programa de subsídios para quem precisasse comprar conversores recebeu US$ 1,5 bilhão em recursos. Cada família tinha direito a até dois cupons de US$ 40 para adquirir seus equipamentos.
Pelo que o governo vem falando, o custo da transição deve ficar a cargo das operadoras de telecomunicações. Recentemente, o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, disse que planeja elevar o valor mínimo das outorgas de 4G em 700 MHz, de R$ 6 bilhões para R$ 8 bilhões. O aumento serviria para reforçar o caixa e conter a pressão sobre a política fiscal.
Resta saber se as operadoras estão preparadas para assumir um custo mais alto das outorgas, ao mesmo tempo em que instalam uma nova rede e ainda fazem investimentos para permitir o desligamento do sinal analógico.
O estudo da SET sugere que a Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel) reforce as exigências de sua resolução 625/2013, que define as condições de convivência entre a 4G em 700 MHz e a TV digital. O SindiTelebrasil, que reúne as operadoras de telecomunicações, informou que aguarda testes que estão sendo feitos pela Anatel, em conjunto com as empresas.
"É expectativa das telecomunicações que esses estudos, que devem ser conclusivos para a realidade brasileira, sejam disponibilizados pela Anatel e seus custos decorrentes sejam considerados antes da definição da proposta de Consulta Pública do Edital de uso de 700 MHz", disse a entidade, em nota.
A destinação dos 700 MHz pode facilitar bastante a instalação da tecnologia 4G no Brasil. Como a faixa é mais baixa que a atual (de 2.500 MHz), as antenas terão um raio de cobertura maior. É uma questão física. Além disso, o sinal consegue atravessar paredes com mais facilidade.

Por que só um tipo de ônibus pega fogo?, por LEÃO SERVA



Dos veículos incendiados, 94% são de empresas; 6% são das cooperativas de antigos 'perueiros'
Do início do ano até sexta, 45 ônibus foram incendiados em São Paulo, causando prejuízo de R$ 23 milhões. Nenhum dos episódios envolveu discussão sobre ônibus ou tarifas, mas um fato chama atenção nos crimes: dos veículos queimados, 42 (94%) são de propriedade de empresas; só três (ou 6%) são de cooperativas (dos antigos perueiros).
São Paulo tem dois sistemas de ônibus de transporte público: os intermunicipais (de propriedade de empresas, administrados pelo Estado, usam o cartão BOM) e os municipais (administrados pela prefeitura, usam Bilhete Único).
O sistema municipal, por sua vez, está dividido entre "empresas concessionárias" (oito consórcios que ganharam a concorrência de 2003 para explorar linhas longas, corredores e o centro); e "permissionárias" (12 cooperativas de proprietários independentes exploram linhas locais, de um bairro a outro ou aos corredores). Visualmente, são veículos semelhantes.
Em 2003, ao criar o Bilhete Único, o secretário Jilmar Tatto (que voltou ao cargo em 2013) estabeleceu os dois modelos; os permissionários tiveram contratos de sete anos, renováveis por mais três (total, dez, completados no ano passado); as empresas que ganharam a concorrência tiveram contratos de dez anos, renováveis por mais cinco (máximo até 2018).
Ao assumir a prefeitura, Fernando Haddad iniciou uma concorrência para reestruturar o sistema. Tatto apresentou proposta detalhada. Com as manifestações de junho, o prefeito decidiu contratar uma auditoria e adiar o processo. Na sexta-feira, Jilmar Tatto disse à coluna que a nova licitação deve ficar para o ano que vem.
Há uma disputa intensa entre os dois tipos de contratados do município: em 2004, as concessionárias faziam 70% das viagens e as permissionárias, 30%; hoje, trocaram de posição: as cooperativas levam mais da metade dos passageiros. Estão em jogo fatias de um bolo que vale cerca de R$ 6 bilhões/ano.
Quando o atual sistema era negociado, a então prefeita Marta Suplicy usou colete a prova de balas, dizendo-se ameaçada por máfias do transporte público. Mas, desde 2004, continuam sem conclusão as investigações sobre a suposta influência do crime organizado nas cooperativas.
Embora insista que "a polícia tem que investigar todas as hipóteses", o secretário Tatto diz que os incêndios "parecem manifestações específicas de questões locais, sem ligação com transportes". O secretário da Segurança Pública, Fernando Grella, também diz: "Não descartamos nenhuma hipótese". Mas intui algo diferente: "Em alguns casos, parece haver ação orquestrada".
Ainda não há conclusões. Na sexta, ele computava "42 autores foram identificados, 37 deles presos ou apreendidos (os menores)".
Na cidade circulam cerca de 15 mil ônibus municipais, sendo 60% das concessionárias e 40% de permissionárias (os intermunicipais são outros 4,8 mil). Mas, novamente, 94% dos veículos incendiados são de empresas e só 6%, de cooperativas. Em nenhum bairro a proporção entre os dois tipos é essa. Isso quer dizer que os responsáveis pela queima dos ônibus (que custam R$ 500 mil cada) escolhem seus alvos.
O que se pode concluir disso? Até aqui, nada. Mas fica a dúvida significativa: por que só um tipo de ônibus pega fogo?