domingo, 17 de novembro de 2013

Haddad desiste de projeto de parques de Kassab


Prefeitura alega falta de recursos para pagar por áreas de utilidade pública; decretos de 7 terrenos já expiraram

16 de novembro de 2013 | 17h 28

Artur Rodrigues e Fabio Leite
Alegando falta de dinheiro, a gestão Fernando Haddad vai abrir mão de terrenos que tiveram decretos de utilidade pública (DUPs) feitos pelo ex-prefeito Gilberto Kassab para virar parques. Só neste ano, sete deles já expiraram, incluindo o do Parque Augusta, na região central, e ao menos mais 44 vencerão até 2016.
No Plano Plurianual de 2014 a 2017, Haddad prevê a construção de quatro parques, indicando que as áreas serão liberadas à iniciativa privada.
Hoje, a cidade tem 96 parques e uma média de 2,6 metros quadrados de área verde pública de lazer por pessoa. Em algumas regiões, como Parelheiros, no extremo sul, o índice cai para 0,31 m² por pessoa, apesar da grande reserva natural no bairro. O local seria um dos principais beneficiados pelos decretos, cinco no total.
O diretor do Departamento de Parques e Áreas Verdes (Depave), Milton Persoli, disse, durante audiência pública da Câmara, que a Prefeitura está analisando 64 áreas de DUPs com vencimento até 2017, mas adiantou que faltam recursos. "Se fosse comprar todas, seria um custo altíssimo", afirmou.
Uma das áreas de DUPs já perdidas é a do Parque Augusta, de 25 mil m². O empresário Armando Conde vendeu a área às construtoras Cyrela e Setin, que devem erguer duas torres no local. "Para a Prefeitura efetivar um parque desses, deveria gastar inicialmente R$ 70 milhões. Então, foi feita uma avaliação e nessa avaliação a DUP caducou", justificou Persoli.
Membro do grupo de trabalho de meio ambiente da Rede Nossa São Paulo, a bióloga Marília Ferraz afirma que a cidade corre o risco de perder o patrimônio ambiental ao não fazer os parques planejados. "O grande problema é que a nova gestão não tem política ambiental. Além de não criar parques, está se desfazendo de alguns", diz.
Segundo dados deixados pela gestão Kassab, Haddad recebeu 133.024.265 m ² em parques planejados com os decretos. Parte da verba para os locais está depositada no Fundo Especial do Meio Ambiente.
Prazo. A atual gestão afirma que, "como a validade de um DUP é de 5 anos, muitos deles (decretos) estão expirando e a Prefeitura não tem verba para comprar esses terrenos. Portanto, eles estão voltando para seus proprietários".
  

As vantagens da solidão - MARTHA MEDEIROS


ZERO HORA - 17/11

Sozinha para sempre, nem pensar. Mas há que se valorizar as vantagens de se passar um tempo desacompanhada. A solidão não será um bicho de sete cabeças se você tiver bom humor e souber se divertir com o momento de entressafra.

Por exemplo, sozinha você não mente, não finge, não se faz de sonsa. Ninguém é mais autêntico do que um solitário. Não precisa fazer de conta que está gostando da conversa, não precisa inventar desculpas para ir embora, não precisa dizer que está tudo bem quando está tudo bem nada.

Sozinha você não comete gafes. Não esquece o nome da tia do seu marido, não confunde o sobrepeso da prima dele com gravidez, não pergunta pela mãe do melhor amigo dele. Não te contaram? Está presa por assalto a mão armada.

Sozinha você não dá vexame por ter bebido demais, você não ameaça tirar a roupa no final da festa, não se insinua para o namorado da filha dos outros. Sozinha você provavelmente ficou em casa no sábado e não termina a noite sendo o trending topic do twitter.

E não bate-boca, não faz fofoca, não fala alto demais, não provoca ninguém. Sozinha você é perfeita.

Já que um jantarzinho a dois está fora de cogitação, não julgará a maneira como seu amado maneja os talheres, o jeito que ele dança, quanto deixa de gorjeta, a miséria do seu vocabulário, aquela insistência dele em cortar o cabelo numa espelunca do centro. Quantas vezes a gente se arrepende por ter aberto a boca demais? Por ter se intrometido onde não devia? Sozinha, você é uma lady.

Sem relação estável com ninguém, você não cobra fidelidade, não reclama da bagunça, não faz perguntas repetitivas e indiscretas. E ao viajar só, longe das manias de um acompanhante, você não faz a louca diante de uma roubada, não inventa desculpas para fugir de uma indiada, não ameaça fazer as malas e voltar sozinha – já está sozinha mesmo.

Você praticamente fica sem o que contar para o padre no confessionário. Você não peca.

Acabou-se a fama de chegar sempre atrasada. Ou de ser pontual demais. Ou de furar encontros. Você não chega nem sai, você está fora do circuito.

Sozinha você economiza batom, lingerie, depilação, cabeleireiro, academia. Em compensação, gasta demais em croissants, biscoito recheado, bombons de licor. Quem é que vai se importar se você engordar dois ou três quilos?

Sozinha você é a maluca que dança no meio da sala, a demente que fala com as plantas, a artista que canta alto no chuveiro, a crente que faz pedidos para a primeira estrela que surge no céu. Você pede o quê, mesmo? Que essa solidão abençoada não seja vitalícia: que dure no máximo até o fim de novembro. Deus a livre de não ter em quem dar um beijo no Réveillon.

Com a prisão de Dirceu e Genoino, fecha-se um ciclo


A democracia se consolida nos grandes processos bem conduzidos de inclusão social e política.
Em determinados momentos da história, emergem novas forças políticas, inicialmente em estado bruto, ganhando espaço com a radicalização do discurso contra o status quo.
Em todos os tempos, as democracias passam por processos de estratificação nos quais os grupos que chegaram antes ao poder levantam um conjunto amplo de obstáculos – políticos, econômicos e legais – para impedir a ascensão dos que chegam depois.
Trava-se, então, uma luta feroz, na qual os grupos emergentes radicalizam o discurso, enfrentam as leis, as restrições e vão abrindo espaço na porrada.
É a entrada definitiva no jogo político que disciplina esas forças, enriquece a política e reduz os espaços de turbulência. Todos ganham. Rompe-se a inércia dos partidos tradicionais, amaina-se o radicalismo dos emergentes; abre-se mais espaço para a inclusão; permite-se uma rotatividade de poder que derruba a estratificação anterior.
Sem essas lideranças, as disputas políticas iniciais enveredam para o conflito permanente, deixando o legado de nações conflagradas, como na Colômbia e no México.
Daí a importância essencial dos líderes que unificam a ação, impedem a explosão das manadas e montam estratégias factíveis de tomada do poder dentro das regras do jogo.
Acabam enfrentando duas espécies de incompreensão. Dos adversários políticos, a desconfiança sobre suas reais intenções, manobrando o receio que toda sociedade tem em relação ao novo. Dos aliados, a crítica contra o que chamam de “acomodamento”, a troca do sonho por ações pragmáticas.
Em seu estudo sobre Mirabeau, Ortega y Gasset define bem o perfil do estadista e de outros personagens clássicos da política: o pusilânime e o intelectual. O estadista só tem compromisso com a mudança do Estado. É capaz de alianças com o diabo, desde que permita a suprema ambição de mudar um país, um povo. Já o intelectual se vale todos os argumentos do escrúpulo como álibi para a não ação.
Aliás, nada mais cômodo que o niilismo de um Chico de Oliveira, do bom mocismo de Eduardo Suplicy, dos homens que pairam acima dos conflitos, como Cristovam Buarque, dos apenas moralistas, como Pedro Simon. Para não se exporem, não propõem nada, não se comprometem com nada, a não ser com propostas genéricas de aprovação unânime que demonstrem seus bons sentimentos, sua boa índole, sua integridade intelectual – e que quase nunca resultam em mudanças essenciais.

As mudanças no PT

É por esse prisma que deve ser analisada a atuação não apenas de Lula, mas de José Dirceu e José Genoíno.
Ambos passaram pela luta armada. Com a redemocratização, ingressaram na luta política e das ideias. E ambos foram essenciais para a formação do novo partido e para a consolidação do mito Lula.
Na formação do PT, cada qual desempenhou função distinta.
José Genoíno sempre foi o intelectual refinado. Durante um bom período dos anos 90 tornou-se um dos mais influentes formadores de opinião do Congresso e do país, com suas análises sobre regimento da Câmara, sobre reforma política, sobre defesa.
Já José Dirceu era o “operador”, trabalhando pragmaticamente para unificar o PT em torno de um projeto de tomada do poder e, a partir daí, de reformas.
A estratégia política do PT passava por sua institucionalização, por um movimento em direção à centro-esquerda, ocupando o espaço da socialdemocracia aberto pelo PSDB – devido à guinada neoliberal conduzida por Fernando Henrique Cardoso e à ausência de lideranças sindicais.
Não foi um desafio fácil. O PT logrou juntar em torno de si uma multiplicidade de movimentos sociais, a parte mais legítima do partido mas, ao mesmo tempo, a parte menos talhada para a tomada de poder. Foram movimentos que surgiram à margem do jogo político, desenvolvendo-se nos desvãos da sociedade civil e sem nenhuma vontade de se sujar com a política tradicional.
Por outro lado, o papel unificador de Lula o impedia de entrar em divididas. Tinha que ser permanentemente o mediador.

O papel do operador Dirceu

Sobrava para Dirceu o papel pesado de mergulhar no barro. De um lado, com o enquadramento das diversas tendências – o que fez com mão de ferro -, dando ao PT uma homogeneidade que tirava o brilho inicial do partido, mas conferia eficiência no jogo político tradicional trazendo-o para o centro.
E o jogo político exigia muito mais do que enquadrar os grupos sociais do PT.
As barreiras eram enormes. Passava por montar formas de financiamento eleitoral, pela aproximação com o status quo econômico, pelos pactos com os grupos que atuam na superestrutura do poder, com os operadores dos grandes interesses de Estado, pelo mercado, pelo estamento militar, pela mídia.
Dirceu foi essencial para essa transição, tanto para dentro como para fora.
Um retrato honesto dele, mostrará a liderança inconteste sobre largas faixas do PT, o único a se ombrear com Lula em influência interna e com uma visão do todo que o coloca a léguas de distância de outros pensadores do partido.
Mas também era dono de um voluntarismo até imprudente.
Lembro-me de uma conversa com ele em 1994 em Brasília, com Lula liderando as pesquisas. Falava do projeto popular do PT e do projeto de Nação das Forças Armadas, sugerindo um pacto não muito democrático.
Não por outro motivo, em diversas oportunidades Lula confessou que, se tivesse sido eleito em 1994, teria quebrado a cara.
Com o tempo, o voluntarismo foi sendo institucionalizado. Internamente, no governo, Dirceu exercia uma pressão similar à de Sérgio Motta sobre FHC. Queria avançar mais, queria menos cautela na política econômica, queria um projeto de industrialização.
Sua grande obra de arte política, nos subterrâneos do poder, no entanto, foi ter mapeado os elos da superestrutura que garantia FHC e inserido o PT no jogo.
Esse mapeamento resultou na viagem aos Estados Unidos, desarmando as desconfianças do Departamento de Estado, dos empresários e da mídia; a ocupação de cargos-chave no Estado, que facilitaram negociações políticas com grupos de influência. Nada que não fosse empregado pelos partidos que já haviam chegado ao poder e que precisaram garantir a governabilidade em um presidencialismo torto como o nosso.

O veneno do excesso de poder

Assim como Sérgio Motta, no entanto, as demonstrações de excesso de poder tornaram-no alvo preferencial da mídia.
Trata-se de uma regra midiática clássica, que não foi seguida por ambos. Quando a mídia sente alguém com superpoderes, torna-se um desafio derrubá-lo. Com exceção de ACM e José Serra – a quem os grupos de mídia deviam favores essenciais e, em alguns casos, a própria sobrevivência -, todos os políticos que exibiram musculatura excessiva – de Fernando Collor ao próprio FHC (no período de deslumbramento), de Sérgio Motta a José Dirceu - terminaram fuzilados.
No auge do poder de Dirceu, creio que foi o Elio Gaspari quem o alertou para o excesso de exibição de influência. Foi em vão.
O reinado terminou em um episódio banal, a história dos R$ 3 mil de propina a um funcionário dos Correios. Tratava-se de uma armação de Carlinhos Cachoeira com a revista Veja, visando desalojar o grupo de Roberto Jefferson para reabilitar os aliados de Cachoeira (http://bit.ly/19sMvtX).
O que era claramente uma operação criminosa midiática, de repente transformou-se em um caso político, por mero problema de comunicação. Roberto Jefferson julgou que a denúncia tinha partido do “superpoderoso” Dirceu, para amainar sua fome por cargos. E deu início ao episódio conhecido por “mensalão”.
E aí Dirceu – e o próprio Genoíno – sentiram o que significa ter chegado tardiamente ao jogo político, não dispor de “berço” e de blindagem contra as armadilhas institucionais do Judiciário e da mídia.

A cara feia da elite

É uma armadilha fatal. Para chegar ao poder, tem que se chegar de acordo com as regras definidas por quem já é poder. Mas, sem ter sido poder, não se tem a mesma blindagem dos poderosos “de berço”.
O episódio do “mensalão” acabou explodindo, revelando – em toda sua extensão – a hipocrisia política e jurídica brasileira, o uso seletivo das denúncias, o falso moralismo do STF (Supremo Tribunal Federal).
Nos anos 40, Nelson Rockefeller tinha um diagnóstico preciso sobre o subdesenvolvimento brasileiro: havia a necessidade de um choque de modernidade, de criação de uma classe média urbana que superasse o atraso ancestral das elites brasileiras, dominada pelo pensamento de velhos coronéis.
Uma coisa é a leitura fria dos livros de história, as análises de terceiros sobre a República Velha, sobre o jogo político dos anos 30, 40, 50. Outra, é a exposição dos vícios brasileiros em plena era da informação.
Para a historiografia brasileira, o “mensalão” é um episódio definitivo, para entender a natureza de certa elite brasileira, a maneira como o conservadorismo vai se impondo, amalgamando candidatos a reformadores de poucas décadas atrás, transformando-os em cópias do senador McCarthy. E não apenas no discurso antissocial e na exploração primária ao anticomunismo mais tosco, mas na insensibilidade geral, de chutar adversários caídos, de executar adversários moribundos no campo de batalha, de abrir mão de qualquer gesto de grandeza.
Expõe, também, de maneira definitiva as misérias do STF.
Aliás, Lula e o PT foram punidos pela absoluta desconsideração pelo maior órgão jurídico brasileiro. Só o desprezo pelo STF pode explicar a nomeação de magistrados do nível de Ayres Britto, Luiz Fux, Joaquim Barbosa e Dias Tofolli, somando-se aos inacreditáveis Gilmar Mendes e Marco Aurélio de Mello, à fragilidade de Rosa Weber e Carmen Lucia e ao oportunismo de Celso de Mello.
O resultado final do julgamento foi o acirramento da radicalização, o primado da vingança sobre a justiça, a exposição do deslumbramento oportunista de Ministros sem respeito pelo cargo.
No plano político, sedimentam no PT a mística de Genoino e Dirceu.
Se deixam ou não o jogo político, não se sabe. Mas, com sua prisão, fecha-se um ciclo que levou um partido de base ao poder, institucionalizou um novo jogo político e, sem o radicalismo dos sonhadores sem compromissos, permitiu mudar a face social do país.
Não logrou criar um projeto de Nação, como pensava Dirceu. Mas deixou sua contribuição para a luta civilizatória nacional.
A democracia brasileira deve muito a ambos.