Jornalista chamado para ajudar nas pesquisas do colegiado que apura abusos da ditadura fala sobre racha entre os atuais integrantes do grupo
14 de julho de 2013 | 2h 05
JOÃO DOMINGOS / BRASÍLIA - O Estado de S.Paulo
O impasse na Comissão da Verdade chegou a tal ponto que pode causar a implosão do grupo criado para investigar a violação de direitos humanos no Brasil entre os anos de 1946 e 1988. É o que afirma o jornalista Luiz Cláudio Cunha, assessor do colegiado até a semana passada.
Dos sete integrantes nomeados pela presidente Dilma Rousseff em maio do ano passado, já desistiram o ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp e o ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles.
Dos membros restantes, o diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, a psicanalista Maria Rita Kehl e os advogados José Carlos Dias e José Paulo Cavalcanti se uniram contra Rosa Cardoso, de todos a mais ligada à presidente Dilma Rousseff, de quem foi advogada na ditadura militar (1964-1988).
As divergências entre os dois grupos têm origem na divulgação de investigações, revisão da Lei da Anistia, com punições a agentes do Estado que atuaram na ditadura, e abertura dos arquivos do regime militar. Dipp e Fonteles, que já saíram, além de Rosa, são a favor de que os documentos sejam tornados públicos antes mesmo do término dos trabalhos da Comissão da Verdade, previsto para o fim do ano que vem. Os outros são contrários.
"O estilo do Fonteles é exatamente o contrário do Paulo Sérgio Pinheiro. Ele publicou dez textos na página da Comissão da Verdade. Ele ia para o Arquivo Nacional, cruzava os dados e fazia um texto. Pinheiro foi contra. E, quando foi coordenador (a cada três meses um dos integrantes assume a coordenadoria) quis proibir o Fonteles de fazer isto. Mas o Fonteles respondeu que continuaria fazendo", diz Cunha, autor de reportagem da revista Veja que salvou a vida dos uruguaios Universindo Díaz e Lilian Celiberti, sequestrados por policiais brasileiros em 1979. Com a reportagem ele venceu os Prêmios Esso, Vladimir Herzog e Abril. Em 2008, ele publicou pela editora L&PM o livro Operação Condor: o sequestro dos uruguaios, com o qual obteve o segundo lugar no Prêmio Jabuti.
"Há um problema grave na Comissão da Verdade. As reuniões dos componentes não podem ser assistidas por nenhum assessor e não têm ata. A Comissão da Verdade do Brasil não tem memória. E sabe por quê? Porque o Pinheiro quer que atue de forma secreta." Pinheiro diz que não quer comentar as declarações.
Burocracia. Ainda segundo o jornalista demitido na semana passada, o grupo agora majoritário na comissão é burocrata. "Se a comissão tenta fazer reuniões abertas é uma dificuldade, uma burocracia. Hoje a Comissão da Verdade tem mais ou menos 60 pessoas trabalhando, entre consultores, colaboradores e outros. Dois terços deste pessoal são atividade meio. Só um terço, vinte pessoas, está ligado à pesquisa - quando deveria ser o inverso. Um país deste tamanho, com 21 anos de ditadura para pesquisar... Isto se considerarmos o período de 64 a 75. Sem falar do resto. Uma tarefa maluca. E se não há a participação, empenho e colaboração da imprensa, das entidades da universidade, tudo fica muito mais difícil", afirma.
Cunha diz haver ainda uma distorção numérica. "Existem treze áreas temáticas: no Araguaia são dois pesquisadores, Fundamentos do Golpe Militar apenas dois. A Condor tem dois pesquisadores. Mortes e Desaparecidos políticos, o centro da comissão, tem dois pesquisadores. O Estado Ditatorial Militar tem uma pesquisadora. Mas no item coordenado por Pinheiro - O papel das Igrejas na ditadura - são 14 pessoas. A parte centrada no Itamaraty, também dele, tem 15."