domingo, 23 de junho de 2013

Anonymous quem? - JULIANA SAYURI

O Estado de S. Paulo - 23/06

Rosto branco, fino e ovalado, bochechas rosadas, cavanhaque estilo cafajeste e bigode debochado, olhos puxadinhos, sobrancelhas arqueadas e um sorriso de Monalisa um tanto cruel e sarcástico. Esse personagem poderia ser eu, poderia ser você, poderia ser a torcida do Corinthians acampada no Zuccotti Park em euforia semelhante à primeira conquista da Libertadores. Você já viu esse rosto. Seria um personagem esquecido, fosse tão identificável quanto um discreto Wally perdido nas coloridas multidões. Ao contrário, porém, tem uma face muitíssimo pop: Guy Fawkes (1570-1606).

E Fawkes marcou presença no Brasil nesses dias, em duas vertentes. Por um lado, a máscara do soldado inglês catapultada pelo hollywoodiano V de Vingança (2006) estrelou um punhado de fotografias no Facebook, no Instagram e na imprensa, durante as diversas agitações sociais efervescentes no País. Estava diluído entre os manifestantes na rua. Na segunda-feira, uma manifestação histórica. Na quinta, uma festa estranha com gente esquisita. Uns com balaclavas coloridas, outros com lenços palestinos forjados na Bolívia, muitos com o rosto à mostra (e às vezes a tapa). Também estavam presentes uns que se querem os novos caras-pintadas, com guache verde e amarelo feito blush nas maçãs, e outros que, fanfarrões, brandiam cartazes com os dizeres V de Vinagre, uma referência ao "subversivo" ácido acético proibido na manifestação paulistana do Movimento Passe Livre na semana passada. Mas, cara-pálida, uma figurinha realmente carimbada nas últimas manifestações foi "V". No Rio, a máscara de feições sinistras custava R$ 20 na semana passada - agora, o hit tem preço promocional de R$ 10. Há até uma versão tupiniquim, com o rosto pincelado na cor amarelo ovo. Na terça-feira, ambulantes paulistanos venderam 500 máscaras a R$ 10, valor tabelado, dizem, em questão de minutos. Item versátil, encaixou-se nas diversas e difusas causas mostradas pelos cartazes de jovens e não tão jovens brasileiros que desfilaram em várias capitais. Tão eclético o acessório que até gente fina, elegante e sincera - alô, chics - aderiu ao disfarce fashion feito de plástico. Fawkes é o novo Che?

Por outro lado, "V" tem outra faceta fora do "mundo real". Vestindo o mesmo disfarce pop, pipocou na terça-feira uma inusitada mensagem do Anonymous Brasil. São os hackativistas - sonoro neologismo para "hacker + ativista", não consta no Houaiss mas pode confiar que a expressão existe - que invadiram o Instagram da presidente e o Twitter de uma poderosa revista dias atrás. Diz o início da mensagem de 1 minuto e 45 segundos postado no YouTube: "Seremos simples e diretos. As mídias de rádio e TV dizem que não temos uma causa específica. Isso pode enfraquecer o movimento. Só a diminuição do valor das passagens de transportes públicos não nos satisfazem, mas realmente temos que saber por onde começar um novo Brasil", com música de suspense ao fundo, tom azulado nas imagens trepidantes e voz grossa digitalmente alterada, tal qual os discursos do movimento propagados em outros idiomas. Desta vez, os mascarados brasileiros pretendem pautar cinco metas específicas para as novas manifestações:

"1º. Não à PEC 37; 2º. Saída imediata de Renan Calheiros da presidência do Congresso Nacional; 3º. Imediata investigação e punição de irregularidades nas obras da Copa do Mundo, pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal; 4º. Queremos uma lei que torne corrupção no Congresso crime hediondo; 5º. Fim do foro privilegiado, pois ele é um ultraje ao Artigo 5º da nossa Constituição".

Wish list política à parte, o mesmo semblante do Anonymous no Brasil e no mundo, Guy Fawkes, já é um símbolo - para não dizer um clichê - de diversos movimentos. Do outono americano no Occupy Wall Street aos levantes da Primavera Árabe, o herói folk do século 17 se tornou um ícone para esses movimentos "horizontais" e sem líderes. Em Londres, em 2011, Julian Assange também vestiu a máscara por uns minutos - mas a polícia mui gentilmente pediu para que o fundador do WikiLeaks a retirasse, pois a lei britânica não permite "anonimato público". Em Istambul e Paris, em 2013, batata: lá estavam as benditas vendettas mais uma vez.

Muitas máscaras foram feitas desde que a HQ inglesa V for Vendetta, assinada pelo escritor Alan Moore e pelo ilustrador David Lloyd na década de 1980, ganhou uma versão cinematográfica em 2006 pela Warner Brothers (aliás, The New York Times alertou aos rebeldes que, durante as convulsões sociais nos idos de 2011, as máscaras pretensamente anarquistas, made in China e no México, contribuíram parcialmente para o lucro de US$ 28 bilhões da gigante americana Time Warner, que detém os direitos da ilustração), mas foram os hackers do Anonymous que lhe deram destaque internacional, com protestos por volta de 2008. De lá para cá, o símbolo fez sucesso nas diversas manifestações sociais mundo afora e também noutras arenas menos politizadas em diferentes hemisférios, como Halloween e Rock in Rio. E, no último baile dos mascarados brasileiros, todo mundo quis tirar sua casquinha com as manifestações. 


Mas Guy Fawkes, o rosto por atrás da misteriosa máscara, você deve se lembrar, tem uma história controversa. Foi o soldado católico que tentou explodir o Parlamento britânico no dia 5 de novembro de 1605, na tal Conspiração da Pólvora. A ideia era derrubar o rei protestante, os parlamentares e a nobreza do chá das 5. Expert em explosivos, o soldado de 35 anos era o responsável pelos 36 barris de pólvora. Mas o complô católico vazou, o golpe fracassou e Fawkes, acusado de traição, preso e torturado, se suicidou para escapar da "forca" - na verdade, condenados à morte, Fawkes e os outros conspiradores seriam estripados, esquartejados e depois decapitados, quer dizer, uma baita tranquilidade na hora de descansar em paz.

Da pólvora ao vinagre, o símbolo de Guy Fawkes continua zanzando por aí, na rua e na internet. Uns gostam do pop appeal. Outros preferem mostrar a cara limpa, que máscara o quê, quem precisa se esconder, etc. Atualmente, diferentes ideias e imagens se incorporam a essa moderna personalidade anônima: anarquistas, anti-heróis, baderneiros, justiceiros, rebeldes, revolucionários, terroristas, Deus e o diabo. Não é possível definir quem são e onde estão, mas dá para dizer que andam incomodando muito gente.

Nos próximos dias, o Anonymous Brasil pretende liderar manifestações em prol das tais cinco causas. Na noite de quinta-feira, a página do movimento foi derrubada no Facebook, desaparecendo sem deixar rastros. Em resposta ao sumiço misterioso, um dos anônimos criticou a possível censura. E esclareceu para confundir: "Não somos uma organização. Sou você. Sou fake. Sou real. Somos todos. Não somos ninguém. Somos uma ideia".

Escolas precárias (dois textos sobre o mesmo tema)

O Estado de S.Paulo
Não haverá milagre que faça a educação brasileira dar o salto necessário para colocar o País entre os mais desenvolvidos do mundo se não forem superados os entraves básicos, a começar pela infraestrutura das escolas.
O retrato de décadas de descaso, em que a construção de boas escolas não passou de mera promessa em sucessivas campanhas eleitorais, está num levantamento divulgado pelo movimento Todos pela Educação, segundo o qual 44,5% dessas unidades dispõem somente do mínimo para seu funcionamento, isto é, água, banheiro, energia, esgoto e cozinha. Não têm biblioteca, quadra de esportes e laboratório, itens considerados necessários para que o aprendizado se desenvolva de modo satisfatório. Apenas 0,6% dos estabelecimentos pesquisados têm estrutura completa. É um quadro desalentador.
A pesquisa tomou como base o Censo Escolar de 2011. Naquele ano, estavam em funcionamento quase 195 mil escolas, cujos diretores responderam a um questionário a respeito dos recursos disponíveis nos estabelecimentos. A metodologia do estudo levou em conta que nem todas as escolas necessitam de determinados equipamentos ou espaços, como berçário.
Com isso, foi feita uma escala de categorias de infraestrutura que considera as diferentes etapas de aprendizado. A categoria "elementar" é aquela do mínimo necessário. Já na categoria "básica", além de água e esgoto e energia elétrica, incluem-se aparelhos de TV e DVD, computadores, impressoras e sala da diretoria. O nível "adequado" demanda a presença de tudo isso mais acesso à internet, sala de professores, biblioteca e espaços para o desenvolvimento motor e o convívio social dos alunos.
No último nível, o das escolas "avançadas", aparecem também laboratório de ciências e estrutura para atender alunos com necessidades especiais. Para os pesquisadores, esse é o cenário considerado "mais próximo do ideal" - e que é quase inexistente na rede educacional do País.
O mérito dessa pesquisa é mostrar que a precariedade das escolas, tanto públicas quanto privadas, é um problema generalizado. Girlene Ribeiro de Jesus, da Universidade de Brasília, que participou do trabalho, disse que, por mais que esperassem resultados ruins, os pesquisadores se chocaram com a quantidade de escolas classificadas no nível "elementar".
As diferenças regionais são ainda mais graves. Na Região Norte, 71% das 24 mil escolas têm infraestrutura apenas "elementar". No Nordeste, o porcentual é de 65,1%, enquanto no Sudeste é de 22,7%, no Sul é de 19,8% e no Centro-Oeste, de 17,6%. Mesmo nas regiões mais avançadas, a maioria das escolas encontra-se no nível "básico". No Sudeste, apenas 19,8% são consideradas "adequadas".
Há também diferenças significativas quando se analisam as redes federal, estadual e municipal. No nível federal, a maioria das escolas (62,5%) são "adequadas" ou "avançadas". Já a maioria das escolas estaduais (51,3%) está na categoria "elementar", enquanto 62,8% das escolas municipais encontram-se nas categorias "elementar" e "básica". É na esfera municipal, aliás, que o problema parece mais acentuado, pois é nessa rede que se concentram quase 100% das escolas que estão mais próximas do piso da categoria "elementar".
O estudo também confirma a percepção de que a precariedade estrutural das escolas é um problema bem mais acentuado no campo do que na cidade. Das escolas da zona rural, 85,2% estão no nível "elementar", ante 18,3% nas áreas urbanas. Mesmo as escolas particulares - muitas das quais são apenas caça-níqueis espalhados pelo País - apresentam graves problemas. Nada menos que 72,3% desses estabelecimentos têm infraestrutura apenas "elementar" ou "básica".
No momento em que se discute qual porcentual do PIB deve ser destinado à educação, é importante ter em conta quais são as reais prioridades para que se alcance a tão almejada revolução educacional - e é evidente que as condições materiais das escolas desempenham nela um papel crucial.





Escolas precárias

23 de junho de 2013 | 2h 17      texto do papel pagina 3 Estadão 23 de junho

O Estado de S.Paulo
A situação do sistema escolar brasileiro é uma demonstração de que as coisas sempre podem ser ainda piores do que imaginamos. Às notórias deficiências do ensino é preciso acrescentar, como mostra reportagem do Estado (17/6), as instalações precárias de um grande número de escolas - se é que elas merecem esse nome - em que estudam centenas de milhares de alunos em todo o País. Esses são portanto duplamente prejudicados. E, a julgar pelo pouco empenho das autoridades em encontrar solução para tais escolas, seus alunos provavelmente assim continuarão por muito tempo.
Existem 10.838 escolas que funcionam em locais inadequados, de acordo com o Censo Escolar de 2011 - em barracões, paióis, galpões, igrejas e casas de professores. A maior parte está no Maranhão (23,3%), Bahia (12,93%), Pará (12,67%), Minas Gerais (7,35%) e Pernambuco (4,64%). No total, estudam nessas escolas 756 mil alunos. Mesmo em São Paulo, há 26 mil alunos em escolas provisórias. Esses são apenas os casos mais graves.
Outros dados preocupantes, para não dizer alarmantes, foram levantados por pesquisadores das universidades federais de Brasília (UnB) e de Santa Catarina (UFSC). Apenas 0,6% - uma porcentagem irrisória - das unidades de ensino funcionam em prédios que podem ser considerados completos, com biblioteca, laboratório, quadra esportiva e condições de acessibilidade. E 44% das escolas não vão além do mínimo - água encanada, energia elétrica, cozinha, sanitário e esgoto.
Não há dúvida de que as condições precárias dessas escolas afetam o desempenho do aluno, segundo o professor Joaquim Soares Neto, da UnB. Seu grupo está apenas tentando determinar agora, com a maior precisão possível, qual é esse impacto. Outro especialista na questão, o coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, insiste que, além de professores com boa formação e bem remunerados, uma escola precisa de instalações físicas e equipamentos adequados para promover a aprendizagem de seus alunos. Embora essas sejam, como se vê, necessidades evidentes, a má situação em que se encontra a maioria das escolas brasileiras mostra que o poder público em todos os seus níveis - União, Estados e municípios - ainda reluta em fazer tudo o que deve para resolver o problema.
O Ministério da Educação dispõe este ano de recursos da ordem de R$ 1,6 bilhão para obras de infraestrutura escolar, ao qual Estados e municípios podem ter acesso. Já foram aprovados 766 projetos de construção, reforma ou ampliação de escolas em 23 Estados. Há mais R$ 1,9 bilhão para creches e pré-escolas.
Tendo em vista a péssima situação em que se encontra a rede escolar, sua ampliação e recuperação exigirá investimentos bem maiores do que esses, e durante vários anos. E a experiência mostra que, sem uma forte determinação do poder público, não se resolverá tão cedo o problema, por mais que todos reconheçam a importância da melhoria da educação para o futuro do País.
O exemplo de São Paulo é ilustrativo. Embora seja o Estado mais risco, até agora ele não conseguiu resolver definitivamente o problema das chamadas "escolas de lata", construídas em caráter provisório na década de 1980 com material inapropriado para essa finalidade, muito quentes no verão e muito frias no inverno e sempre barulhentas em todas as estações. Apesar das muitas promessas de acabar com elas, feitas por todos os governos que se sucederam desde então, restam ainda 77 das 150 construídas.
Também a Prefeitura da capital deixa evidente a dificuldade de solução do problema das escolas precárias. Uma escola construída no Jardim Santo André, na zona leste, há mais de 20 anos, com paredes de madeira e salas mal ventiladas, submete seus alunos do 1.º ao 5.º ano a condições totalmente inadequadas. A construção de uma de alvenaria para substituí-la está atrasada.
Embora ela seja decisiva, não será nada fácil vencer essa batalha.

Seis mil sem-teto no quintal do presidente (lá e cà, oh, São Paulo)

DENISE CHRISPIM MARIN , CORRESPONDENTE / , WASHINGTON - O Estado de S.Paulo
Charles, Chris, Vendora, Anne, Paul, Sigfredo e mais de seis mil pessoas fazem parte da triste paisagem humana nas vizinhanças da Casa Branca. Frustrados com as promessas não cumpridas pelo vizinho mais nobre, o presidente dos EUA, Barack Obama, eles têm em comum a condição de sem-teto na capital da maior potência do planeta.
Em Washington, há 6.865 pessoas sem habitação, segundo um recente estudo da associação independente Metropolitan Washington Council of Governments. Trata-se de 1% da população, concentrado especialmente na região onde estão os prédios do governo, monumentos, museus, escritórios de lobby, centros de estudos, hotéis e restaurantes. Somados, os sem-teto da região metropolitana de Washington, que abrange cidades vizinhas dos Estados de Virgínia e Maryland, são 11,5 mil pessoas.
A crise financeira contribuiu especialmente para que o número de sem-teto de Washington aumentasse 10% entre 2009, quando foram percebidos os sinais mais profundos da débâcle econômica, e 2012. Obama começou seu governo em 2009. Mas não caminhou nas redondezas para observar o que se passa nos arredores do poder.
Os gramados das praças Franklin e McPherson, a poucas quadras da sede do governo, têm moradores fixos, assim como as calçadas do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e do Correio dos EUA, as saídas de ar da estação Metro Center e a marquise da Biblioteca Martin Luther King.
"Eu queria que, em vez de desperdiçar o dinheiro com a guerra do Afeganistão, a vigilância sobre telefones e mais uma lista infinita de coisas estúpidas, o governo olhasse para albergues e oferta de casas a sem-teto, para educação e a saúde", afirmou James Barclay, 59 anos, veterano do Vietnã e aposentado depois de um acidente de trabalho em uma construção.
"Sei o que está se passando no país. Leio os jornais. Tenho muito tempo pra isso. É chocante ver a quantidade de sem-teto em Washington", completou TJ, de 45 anos, mais conhecido na Praça Franklin como Chris.
Barclay tenta há anos ter acesso aos programas de ajuda oferecidos pelo Departamento de Veteranos, cujo prédio está a apenas uma quadra da praça Franklin. Já se inscreveu várias vezes, sem sucesso. Ele não fala dos combates no Vietnã. Conta ter se alistado voluntariamente, viajado durante anos pelo país depois do conflito e mergulhado no alcoolismo e nas drogas. Livre dos vícios, mas enfermo, ele hoje dorme "como um gato", para não ser roubado por outros sem-teto.
Os veteranos de guerras formam um grupo especial entre os sem-teto de Washington. Atualmente, 499 veteranos vivem na cidade nessas condições. Em 2009, eram 702. Na região metropolitana, houve queda de 31% nesse total - de 1.004 para 692. Em boa medida, a redução deveu-se a programas do Departamento de Veteranos e às famílias.
Ex-presidiário, TJ escolheu a Praça Franklin para "estacionar" um carrinho de supermercado repleto de seus últimos pertences. Instalou-se no local há seis semanas como "ato de protesto" contra a presença, ao redor do jardim, das mais abastadas consultorias de lobby de Washington. Na hora do almoço, funcionários dos escritórios dividem com os sem-teto os bancos, enquanto comem tacos ou sanduíches comprados em trailers de fast-food.
Segundo o estudo, 512 pessoas estão vivendo nas ruas, sem procurar abrigos. Barclay afirmou preferir a praça a misturar-se com pessoas que não se banham e com os viciados em drogas. "Há muitas situações ruins dentro de um albergue", afirma. Mas há quem prefira o conforto de uma cama.
Há sete anos, Paul Allou espera todo fim de tarde na marquise da Biblioteca Martin Luther King pelo ônibus que leva pessoas sem-teto do centro para os diferentes albergues de Washington. Dorme e se alimenta no abrigo e, na manhã seguinte, retorna para o mesmo lugar. A biblioteca, a seis quadras da Casa Branca e vizinha do National Portrait Museum, tornou-se um celeiro de sem-teto. O ex-professor de Literatura Francesa em colégios da Costa do Marfim agora passa os dias pesquisando e lendo.
Allou emigrou para os EUA há 23 anos esperando encontrar uma vida melhor e mais fácil. Escapou de duas guerras civis em sua terra natal na última década. Na América, trabalhou como carpinteiro em construções até ser demitido, em 2006. Desde então, procura emprego e vive com os US$ 200 mensais recebidos do programa Selo Comida, do governo federal, e de bicos como jardineiro e pintor de paredes.
"Estava animado com a reeleição do Obama. Fiz campanha por ele. Mas eu continuo estagnado, mais ainda do que a economia dos EUA, e à procura de trabalho", afirmou Allou pouco antes de tomar o ônibus. "Ser um sem-teto é como perder-se a si mesmo. É muito frustrante", completou.
A esperança da maioria dos sem-teto é conseguir uma casa onde possam viver de forma independente. O aluguel de um quarto modesto em Washington não sai por menos de US$400. Instituições como o albergue CCNV e a Christ House têm programas para subsidiar o aluguel de apartamentos, com a ajuda do governo municipal. Mas a demanda extrapola a oferta.
Vendora tornou-se uma sem-teto em 2006, quando perdeu seu emprego no governo da capital. Ela reparava ruas. Sem trabalho, perdeu a casa e não quis pedir ajuda à família, para não comprometer sua independência. No dia 25, deverá receber seu apartamento do CCNV. "O meu sonho, agora, é comprar a mobília", afirmou.
Segundo o estudo o estudo da Metropolitan Washington Council of Governments, o uso crônico de drogas e álcool, o histórico de prisões, a deficiência física e a doença mental severa estão entre os males sofridos pela grande maioria dos sem-teto. A violência doméstica supera essas mesmas causas quando se trata de famílias que vivem em albergues. Em Washington, há 983 famílias sem-teto.
"Certamente, a habilidade de tratar um grande número de indivíduos com problemas de saúde mental teria um efeito positivo na redução do número de pessoas sem-teto", afirmou Hilary Chapman, uma das autoras do estudo do COG.